quarta-feira, 16 de junho de 2021

Armando Castelar Pinheiro* - Normalização parcial

- Valor Econômico

Em 2022 os serviços vão exercer muito mais pressão sobre a inflação ao consumidor do que no último ano e meio

Hoje à tarde o Comitê de Política Monetária (Copom) conclui sua 239ª reunião, quando deve anunciar nova alta da Selic e soltar um comunicado mais duro com relação às perspectivas da política monetária. Qual o tamanho da alta, 0,75 ou 1 ponto percentual? Acredito em 0,75, pois penso que o Banco Central (BC) não ganha nada em sinalizar mais pressa neste momento.

A hora é, me parece, de mostrar controle e compromisso em trazer a inflação para a meta, leve o tempo e o tamanho do aperto monetário que for necessário. Por isso mesmo, me alinho com a maioria, que vê o termo “normalização parcial” saindo da comunicação do BC. Não faltarão argumentos para justificar isso, das boas surpresas com o ritmo de recuperação da economia às más novidades sobre a escalada da inflação.

Assim, o BC deve abandonar a ideia de normalização parcial, em favor da normalização completa da política monetária, pois a economia como um todo já está parcialmente normalizada e deve (quase) completar esse processo em 2022, ano cuja inflação é o atual foco do BC.

Foi isso, de fato, o que sugeriu o resultado das Contas Nacionais divulgado faz duas semanas. Ele mostrou que no primeiro trimestre deste ano o PIB estava de volta ao mesmo patamar do final de 2019, antes da pandemia. A recuperação se mostrou mais rápida do que previsto, refletindo um impacto mais moderado das medidas de restrição à mobilidade e certo aprendizado dos agentes econômicos em lidar com as limitações trazidas pela pandemia, que foi pior no começo deste ano do que no segundo trimestre de 2020.

Na comparação com o último trimestre de 2019, vê-se que três setores ainda estão um pouco abaixo do nível pré-pandemia - extrativa mineral (-3,9%) e construção (-2,9%) e transportes (-1.1%) - e dois setores bem abaixo - educação, saúde e administração públicas (-4,5%) e outros serviços (-9,5%). Estes dois últimos geram especial preocupação, pois respondem juntos por um terço do PIB e 42% dos postos de trabalho do país. Estivessem eles de volta ao patamar do final de 2019 e o PIB estaria cerca de 2% mais alto e haveria quatro milhões de trabalhadores a mais ocupados.

Obviamente o que falta para a normalização nesses setores se completar, assim como em transportes, é a vacinação avançar. Uma taxa Selic baixa ajuda pouco ou nada nesse sentido. Os dados mostram que o número de pessoas vacinadas segue aumentando. No início desta semana, pouco mais de um quarto da população havia sido vacinada: 23,7 milhões brasileiros haviam recebido duas doses e mais 31,6 milhões uma dose. Um mês antes, eram 16,7 milhões com duas doses e 18,7 milhões com apenas uma.

Fazendo as contas, dá 641 mil doses aplicadas por dia. Isso significa que precisaríamos de mais 108 dias para aplicar uma dose de vacina em todos os brasileiros com 30 anos ou mais, que são o grupo de risco relevante. Isso ocorreria em 10 de outubro. E outros 31 dias seriam bastantes para fazer o mesmo com quem tem 20 anos ou mais. Com a maior disponibilidade de doses, porém, esse processo tende a se acelerar e todos os brasileiros maiores de idade estarem duplamente vacinados até o fim do ano, ou antes.

Assim, na virada de ano deve haver uma forte recuperação na atividades de serviços, como se tem visto também nos EUA e, progressivamente, também na Europa. Há forte demanda reprimida por esses serviços e há dinheiro disponível para financiar a realização desse consumo. Basta ver que a taxa de poupança no primeiro trimestre ficou em 20,6% do PIB, recorde na série histórica para esse trimestre e 1,7% do PIB acima do pico anterior.

A satisfação dessa demanda reprimida deve normalizar o consumo das famílias - ainda 3,1% abaixo do patamar pré-pandemia. Por outro lado, deve adicionar forte pressão à inflação, que já estará no segundo semestre rodando bem acima da meta. Basta ver que, no acumulado de 12 meses até maio, a inflação de serviços (36% do IPCA) ficou em apenas 1,75%, contra um IPCA cheio com alta de 8,05%. Os preços de serviços outros que não a alimentação fora de casa, cuja inflação reflete a alta de alimentos, subiram ainda menos que isso.

Tudo sugere, portanto, que em 2022 os serviços vão exercer muito mais pressão sobre a inflação ao consumidor do que fizeram no último ano e meio. Isso em um contexto em que os preços administrados devem seguir pressionando o IPCA e não há perspectiva de um alívio significativo nos preços de manufaturados, em um contexto de forte retomada global. Apenas o desemprego alto, que deve ceder, mas não completamente em 2022, ainda servirá como uma âncora a impedir uma aceleração mais forte dos preços.

É um cenário bom, mas com causas para preocupação. Claro, um cenário, em economia as coisas nunca são tão previsíveis assim. O risco de uma terceira onda da pandemia, que adie essa normalização, ainda existe. Também há o risco de o Fed começar logo a reduzir suas injeções de liquidez na economia, gerando nova crise como em 2013. E há o fato de que o velho normal, pré-pandemia, não era nada espetacular. Haverá normalização, mas também muito com que se preocupar.

Armando Castelar Pinheiro é professor da FGV Direito Rio e do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador-associado do FGV Ibre

Nenhum comentário: