Valor Econômico
Mercado deve ter miniciclos de piora e
melhora daqui até as eleições, prevê Nelson Barbosa
Nos últimos dois meses, os juros dos
títulos emitidos pelo Tesouro Nacional subiram tanto que voltaram aos níveis
praticados no fim do ano eleitoral de 2018. Mesmo com alguma melhora na semana
passada, as taxas dos títulos de longo prazo oscilaram próximo dos níveis do
período em que o presidente Jair Bolsonaro e seu ministro da Economia, Paulo
Guedes, estavam prestes a tomar posse. Era um cenário cheio de dúvidas sobre
como se sairia o novo governo.
No último dia 26, o papel de dez anos foi
vendido pelo Tesouro com taxa de 10,3% ao ano, e o com vencimento em 2035
atrelado à inflação, a 4,8%. Em dezembro de 2018, foram comprados por
investidores a taxas de 9,2% e 4,9%, respectivamente.
Mercado deve ter miniciclos de piora e
melhora, diz Barbosa
Para ter mais clareza do tamanho da piora,
no fim de 2020, com os efeitos da pandemia e o maior gasto da história, esses
títulos saíam a 6,9% (dez anos) e 3,8% (2035) ao ano.
Na vida real das pessoas, isso pode se traduzir em crédito mais escasso e caro e ajuda a explicar por que boa parte dos analistas vê um cenário pior para o crescimento do país. Se a mediana para 2022 já caiu para 2% de alta no PIB, há economistas enxergando uma expansão ainda menor. A disparada nos juros tem importância para as perspectivas de atividade econômica em um país com um volume tão grande de desempregados e que também sofre com a alta do dólar e seu efeito deletério nos preços.
É sempre complicado explicar movimentos de
mercado, pois vários fatores pesam sobre as decisões de investidores. Mas é
certo que o festival de ruídos provocados pelo governo tem dado grande
contribuição.
É explosiva a mistura dos reiterados
movimentos golpistas por parte do mandatário-chefe (como o chamamento para o 7
de setembro) com cenas explícitas de improviso (PEC dos Precatórios) e falta de
cuidado com os sinais dados pela equipe econômica (vide o presidente do BC em
duas semanas sair do terrorismo fiscal para dizer que está tudo bem com as
contas). Sem falar em temas como a crise energética e o atraso em se tratar
abertamente o problema.
Uma fonte destaca que os dados concretos
mostram uma melhora fiscal relevante em comparação com o ano passado. Tanto o
déficit primário como a dívida, principal indicador de solvência do país, estão
com trajetórias benignas e não justificam tamanho pessimismo. Esse quadro
melhor deve ser reforçado pelo envio hoje do Orçamento, com um déficit tão
baixo que tende a colocar no radar a possibilidade de a era de déficits
primários acabar em 2023, e não em 2025.
Esse interlocutor, porém, reconhece que o
mercado não está nervoso sem motivos. Uma das razões para o azedume é que, dada
as reiteradas confusões provocadas por Bolsonaro e na área econômica, o país
entrou em uma curiosa situação na qual o fiador da política fiscal virou o
presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), uma das eminências do chamado
Centrão - grupo político que tem fama, em grande parte justificada, de não agir
com responsabilidade fiscal.
Na semana passada, as falas de Lira em defesa
do teto de gastos e empurrando para frente a reforma do Imposto de Renda
acalmaram ligeiramente os investidores. No fim da semana, porém, já pipocavam
notícias do Centrão querendo tirar Guedes do cargo, mais um combustível para a
incerteza. O risco no horizonte é que o fiscal seja o “locus” dos acertos
políticos de um presidente que só pensa em seguir na cadeira em 2023.
Ex-ministro da Fazenda e do Planejamento, o
economista Nelson Barbosa avalia que, daqui até as eleições, a tendência é de
miniciclos de pessimismo e otimismo no mercado, diante da “incerteza fiscal”.
Ele contou ter passado essa mensagem para
investidores americanos (quando houve uma melhora e o dólar chegou a cair
abaixo de R$ 5, em junho), alertando que eram muito otimistas análises que colocavam
o câmbio a caminho de R$ 4,50.
Segundo Barbosa, as notícias sobre os
números melhores do Orçamento já ajudaram a melhorar o mercado na semana
passada e um novo miniciclo positivo pode se consolidar com a formalização do
texto. Porém, avalia, a peça provavelmente virá com um cenário muito otimista
de receita, de crescimento econômico e de inflação. Quando isso ficar mais
claro, junto com a leitura que o teto de gastos será atropelado (com os
precatórios e eventuais novos gastos com vacina), o ex-ministro avalia que novo
miniciclo negativo surgirá.
“Será um processo constante de melhora e
piora, até que volte o terrorismo do ‘acabou o dinheiro’ na campanha, a partir
de maio do ano que vem.” Para ele, há sim motivos para incerteza fiscal. Essa
dúvida, argumenta, decorre do fato de que o país tem uma série de problemas a
resolver em 2022 e 2023 e o teto não dará conta do desafio. A dúvida, diz, é se
a saída do mecanismo de disciplina será organizada ou desorganizada.
Barbosa pondera que o quadro fiscal do país
não é “nem tragédia nem salvação”. Segundo ele, o país não está quebrado e não
deve quebrar no futuro visível e que a questão mais relevante será como
resolver, sem perder o controle, uma série de pressões, como as filas na
Previdência, a falta de recursos na educação e na saúde e a defasagem salarial
de servidores. “Não estamos como a Argentina ou a Grécia.”
Para o economista-chefe do banco Fator,
José Francisco Gonçalves, não se deve esquecer que as questões internacionais
também pesam na formação de preços no mercado brasileiro. O fato, diz, é que o
BC americano vai em algum momento começar a diminuir os estímulos e isso afeta
todo o mercado de juros e as economias no mundo.
Gonçalves também reconhece que o estresse
está relacionado com os movimentos do governo, a percepção de fim da agenda de
reformas, além, é claro do fato de a inflação estar alta e forçar o BC
brasileiro a ser mais agressivo.
O economista não vê grande melhora à
frente. Para ele, há uma visão ingênua sobre o comportamento recente da
arrecadação, que deve começar a desacelerar e pode no ano que vem até mostrar
queda em alguns momentos. “Acho que precisa um pouco de ginástica para levar a
sério a melhora de primário que o Orçamento deve indicar de 2021 para 2022, sem
falar em 2023”, apontou. “Eu acho que o mercado não vai mudar de ideia [sobre a
precificação de incertezas]”, diz.
É uma pena que o país, mesmo com dados
fiscais melhores, novamente esteja envolto em tantas incertezas, em grande
medida por causa do próprio governo. Quem mais sofre nessa situação são os mais
pobres, que sentem os custos dos juros altos do resistente desemprego e do
dólar caro na inflação.
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