Correio Braziliense
O Brasil vive um cenário de
incertezas, tendo como falso deadline o próximo 7 de Setembro, no qual o
presidente Jair Bolsonaro promete armar um grande barraco político
Ao resenhar a obra do historiador José
Honório Rodrigues, Conciliação e reforma no Brasil (Senac), de 1965, o
embaixador Alberto Costa e Silva destacou que a chave para entender a história
do Brasil é a conciliação: “Entre os que se foram tornando o povo brasileiro —
os índios convertidos e os selvagens; os negros escravos, libertos, africanos e
crioulos; os brancos reinóis e os mazombos; os mamelucos; os mulatos e os
cafuzos; tão diversos entre si, tantas vezes conflitantes e, na aparência,
irredutíveis —, venceram os conciliadores sobre a violência dos
intransigentes”.
Pelourinhos, quilombos, motins, revoltas,
repressões sangrentas, fuzilamentos, enforcamentos, esquartejamentos, guerras e
mais guerras, desde a Independência, foram 200 anos sangrentos, mas prevaleceu
a unidade nacional e a conciliação no seio do povo, à qual devemos “o fato de
ter o Brasil, desde cedo, deixado de ser uma caricatura de Portugal nos
trópicos” e possuir um substrato novo, “apesar do europeísmo e lusitanismo
vitorioso e dominante na aparência das formas sociais”, como destacou Honório
Rodrigues.
Não haveria futuro com recusa ao diálogo, desrespeito aos opositores, intolerância mútua e intransigência. Muito mais do que às elites, ao povo se deve a integridade territorial; a unidade linguística; a mestiçagem; a tolerância racial, cultural e religiosa; e as acomodações que acentuaram e dissolveram muitos dos antagonismos grupais e fizeram dos brasileiros um só povo que, como se reconhece e autoestima, delas também recebeu as melhores lições de rebeldia contra uma ordem social injusta e estagnada, avalia.
Hoje, o Brasil vive um cenário de
incertezas, tendo como falso deadline o próximo 7 de Setembro, no qual o
presidente Jair Bolsonaro promete armar um grande barraco político, em
manifestações convocadas para a Avenida Paulista, em São Paulo, e a
Esplanada dos Ministérios, em Brasília, enquanto as Forças Armadas se
recolherão às cerimônias de quartel, à margem da política, sem os
populares. desfiles militares. A contagem regressiva para o bicentenário
da Independência começa numa encruzilha do seu destino: não temos
um projeto de futuro nem consensos sobre o presente.
Não será um ano fácil. Num país com rumo, o
presidente da República anunciaria grandes comemorações, uma proposta de
desenvolvimento e a convocação de um debate nacional sobre os próximos 100
anos, envolvendo toda a sociedade. O objetivo seria nos tornarmos um país
desenvolvido (ou quase) pelo esforço continuado de quatro gerações. Entretanto
o que estamos vendo é a desesperança na sociedade e o desejo de volta ao
passado, de uma minoria reacionária e extremista, saudosista do
sesquicentenário, comemorado durante o governo do general Emílio Garrastazu
Médici.
Naquela época, em plena ditadura, o ponto
alto das comemorações foi o seu encerramento, na colina do Ipiranga, em São
Paulo, local onde foi proclamada a Independência, em 1822, e onde ocorreria a
inumação dos despojos mortais de D. Pedro I, ao lado da imperatriz Leopoldina,
após peregrinação por todo o país. Um tour de necropolítica, à sombra da
censura prévia e da suspensão do habeas corpus. Os órgãos de segurança do
regime sequestravam, torturavam e desapareciam com oposicionistas.
Nova agenda
Com certeza, haverá muita discussão sobre o que aconteceu nestes 200 anos e o
que devemos projetar para o futuro, na academia e nos partidos, como o MDB, o
PSDB, o DEM e o Cidadania, cujas fundações anunciam a realização de uma série
de debates programáticos, com objetivo de repensar a realidade brasileira no
contexto da globalização, a partir da segunda semana de setembro. O primeiro
será em 15 de setembro, sobre a atual crise institucional e a democracia, tendo
como conferencista o ex-presidente do Supremo Nelson Jobim e os ex-presidentes
José Sarney, Fernando Henrique Cardoso e Michel Temer como debatedores, com a
participação dos presidentes dos respectivos partidos: o deputado Baleia Rossi
(MDB-SP); o presidente nacional do PSDB, Bruno Araujo; o ex-prefeito de
Salvador ACM Neto (DEM); e o ex-deputado Roberto Freire (Cidadania).
Segundo o ex-governador Moreira Franco,
mediador do debate e um dos curadores do evento, o objetivo é discutir um novo
rumo para o país, em bases democráticas, modernas e inclusivas, antes de pensar
em candidatura única, analisar uma nova agenda do país. O evento reunirá gente
que pensa com Pê maiúsculo: Roberto Brant, Zeina Latif, José Roberto Afonso,
Bernard Appy, Ricardo Paes de Barros, Ricardo Henriques, Cristovam Buarque,
Raul Jungmann, Murilo Cavalcanti, Sérgio Besserman Vianna, Rubens Ricupero e
José Carlos Carvalho, Milton Seligman, Gabriela Cruz Lima, Ivanir dos Santos,
Luiz Antônio Santini, André Médice, Januário M Januário Montoni, Marta Suplicy
e Luiz Roberto Mott, entre outros.
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