O Globo
A crise desencadeada pela intenção de
instituições como a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e a Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) de divulgar manifesto supostamente
contra o governo, mas que, na prática, defende mesmo a necessidade de diálogo
entre os Poderes da República, mostra bem a que ponto chegamos no debate
político no país.
O documento final é neutro, e o governo, que teve vitória na pressão para mudar
o teor original, ou está interpretando errado, ou quer criar mais uma confusão.
O documento, ao pedir diálogo, admite que Bolsonaro queira fazê-lo. O
presidente já rompeu todas as promessas de conversas que foram tentadas, até
pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux.
Desde o começo da iniciativa, houve marchas e contramarchas para encontrar o
tom correto do texto, a ser apresentado não apenas a representantes das
entidades econômicas e financeiras, mas à sociedade civil como um todo. O que
nasceu com a ideia de ser um protesto contra o rumo que estavam tomando os
embates do governo federal com o STF foi sendo amainado por pressões diversas,
não apenas políticas, mas econômicas também. Acabou se transformando num
manifesto anódino colocando em pé de igualdade o Judiciário e o Legislativo
como responsáveis, tanto quanto o Executivo, pela crise institucional que
vivemos.
Mesmo na primeira versão, já não havia referência direta ao governo Bolsonaro, o que fez com que algumas instituições, como a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), se recusassem a assiná-la. A versão final é ainda mais branda e perdeu o sentido a partir do momento em que sua divulgação ficou sendo negociada entre o presidente da Câmara, Arthur Lira, representante da base parlamentar do governo, mais conhecida como Centrão, e o presidente da Fiesp, Paulo Skaf.
Note-se que não foi o ministro da Economia, Paulo Guedes, quem entrou nessa negociação, nem mesmo os presidentes da Caixa Econômica Federal ou do Banco do Brasil, bancos estatais que ameaçavam abandonar a Febraban caso o manifesto fosse divulgado. Skaf é um ser político, que ainda alimenta o sonho de se eleger, não mais governador, depois da derrota sofrida em 2010, mas senador.
Filiado ao MDB, ele apoiava Bolsonaro até recentemente, quando começou a se afastar do governo que perde popularidade. Assessores importantes de Bolsonaro lamentam a mudança de posição do presidente da Fiesp, enquanto o da Firjan, Eduardo Eugenio Gouvêa Vieira, recusou-se a assinar o manifesto por considerá-lo contrário ao governo.
Lira garante que o manifesto será publicado apenas depois de 7 de setembro, o que lhe tira totalmente a eficácia, já que surgiu justamente para tentar evitar que as consequências do conflito do governo contra o Supremo e o Congresso chegassem à Avenida Paulista, à Esplanada dos Ministérios, em Brasília, ou à Avenida Presidente Vargas, no Rio de Janeiro, nas manifestações previstas para o Dia da Independência, numa clara provocação dos setores radicalizados do bolsonarismo com o incentivo do próprio presidente da República.
Incentivo, aliás, que não se limita à retórica, mas que será afirmado em discursos. Conhecendo o estilo do presidente, não é difícil imaginar o que acontecerá quando abrir a boca diante das multidões aguardadas. Os presidentes dos bancos estatais, por sua vez, usam a pressão econômica, pois respondem por mais de 20% do orçamento da Febraban.
Tudo indica que talvez o manifesto nem mesmo seja divulgado, pois se transformou num joguete político que assusta os representantes do mundo financeiro. Esse impasse revela também como é difícil para o mundo empresarial e financeiro nacional se indispor com o governo, quanto mais fazer oposição a ele.
Declarações isoladas de empresários e banqueiros indicavam um rompimento desses setores com Bolsonaro, a quem abraçaram como candidato em 2018. Mesmo com Paulo Guedes perdendo força como ministro da Economia, e apesar de as reformas prometidas estarem em marcha lenta no Congresso, assim como as privatizações, esse setores não encontraram ainda um porto seguro onde ancorar suas expectativas, diante do temor de que o PT volte ao governo.
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