O Estado de S. Paulo
Todas as alternativas consideradas têm
riscos não desprezíveis. A solução difícil, cortar gastos, ninguém quer
O episódio dos precatórios revela a
preferência por contornar o teto de gastos. O risco de não pagar despesas
obrigatórias já foi elucidado no meu último artigo. Dólar, inflação, juros e
dívida para cima. Proponho uma solução para preservar o teto, ampliar o Bolsa
Família e quitar todos os precatórios em 2022.
O governo informou, recentemente, que
haverá R$ 89,1 bilhões de sentenças judiciais e precatórios a pagar no ano que
vem. Não deveria surpreender-se, já que a Advocacia-geral da União faz o
mapeamento sistemático dos riscos. Na Lei de Diretrizes Orçamentárias e no Balanço-geral
da União constam as informações agregadas. Supõe-se ser a soma dos dados
pormenorizados de cada ação judicial. Antes, previa-se algo como R$ 57 bilhões.
A diferença, de R$ 32,1 bilhões (89,1 menos 57), precisará caber no teto e no Orçamento. O Projeto de Lei Orçamentária Anual será apresentado hoje e, até o momento em que este artigo foi escrito, não havia solução anunciada. A PEC dos Precatórios é um erro com potencial de prejudicar a economia via aumento do risco. Retirar o gasto do teto ou fixar um limite máximo anual de pagamento seriam saídas igualmente problemáticas.
Um dos maiores precatórios da conta de 2022
é o Fundef, programa educacional dos anos 1990 para universalizar o acesso à
escola. Em particular, esses precatórios tratam da complementação paga pela
União aos fundos instituídos nos Estados e municípios. O Fundef foi substituído
pelo Fundeb, passando a incluir o ensino médio. A despesa com precatórios do
Fundef tem, exata e precisamente, a mesma natureza da despesa do Fundef
original e do Fundeb atual.
A complementação da União ao Fundeb não se
sujeita ao teto de gastos desde a origem da nova regra fiscal (2016). Assim,
não há razão para tratar coisas iguais de modo distinto: se a complementação
está fora do teto, os precatórios dela originados também devem estar. O STF
mandou a União pagar cerca de R$ 16 bilhões em precatórios do Fundef à Bahia,
ao Ceará e a Pernambuco. Sob adequado tratamento contábil a esse gasto (fora do
teto), metade do rombo de R$ 32,1 bilhões estaria resolvida. Essa discussão foi
trazida inicialmente pelo economista Daniel Couri, que logo percebeu a
inconsistência.
E o resto? Nas contas da Instituição Fiscal
Independente (IFI), se a inflação de 2021 ficar igual à acumulada em 12 meses
até junho (8,35%), haveria folga de pelo menos R$ 15 bilhões no teto de 2022.
Vale dizer, enquanto o limite sobe pela inflação medida pelo IPCA do meio do
ano anterior, as despesas sujeitas ao teto sobem pela do fim do ano.
A inflação está pressionada pela taxa de
câmbio, pelo risco fiscal, pelo aumento dos preços das commodities e pelo
espalhamento desses fatores no setor de serviços. Esperava-se, até há pouco,
que a inflação pudesse ceder ao longo do segundo semestre. Ao contrário, as
projeções de mercado não cansam de subir. Mas a alta dos juros deve permitir,
ao menos, certa estabilidade em relação ao patamar de junho.
Destaco que a folga estimada em R$ 15
bilhões pressupõe ausência de reajustes salariais para o serviço público além
dos já concedidos (militares). Assim, o buraco de R$ 32,1 bilhões cairia para
R$ 16,1 bilhões, com a correta interpretação para os precatórios do Fundef, e,
em seguida, para R$ 1,1 bilhão, pelo uso da folga do teto. Restaria equacionar
R$ 1,1 bilhão. O veto presidencial à nova regra para o fundão eleitoral já
daria conta disso.
Finalmente, como ampliar o Bolsa Família?
Em 2021, as emendas de relator-geral do orçamento totalizarão R$ 18,5 bilhões.
Vamos imaginar um corte de R$ 10 bilhões nessas emendas, que nem deveriam
existir. A saber, ferem a própria lógica das emendas individuais –
regulamentadas e impositivas. Abalam, ainda, os princípios básicos do processo
orçamentário, a exemplo da impessoalidade e da transparência.
Outros R$ 10 bilhões poderiam ser cortados
nas demais despesas discricionárias (não obrigatórias), que incluem as emendas.
Corrigindo as discricionárias de 2021 pela inflação e promovendo os cortes,
seria possível garantir um volume de R$ 109,7 bilhões para 2022. Valor baixo,
mas condizente com o funcionamento da máquina pública. Apagaria o incêndio dos
precatórios e tornaria viável o Bolsa Família.
Esse montante de R$ 20 bilhões permitiria
ampliar o benefício médio do Bolsa Família em aproximadamente 60%, isto é, de
cerca de R$ 190 para R$ 305, mantido o número de benefícios emitidos. Pode-se,
ainda, imaginar um arranjo com menor aumento do benefício mensal para
contemplar uma expansão do número de famílias atendidas pelo programa.
O que proponho não tem nada de novo: pagar
as contas em dia e cortar gastos para financiar despesas novas. Todas as
alternativas consideradas até aqui – 1) parcelar precatórios, 2) fixar um
limite de pagamento e postergar o excedente ou 3) retirar esses gastos do teto
– têm riscos não desprezíveis. Mudar a regra na iminência do seu rompimento é
um caminho a evitar. A solução difícil, cortar gastos, ninguém quer.
Nenhum comentário:
Postar um comentário