sexta-feira, 3 de setembro de 2021

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Vetos contra o Estado Democrático de Direito

O Estado de S. Paulo

Cabe ao Legislativo proteger seu bom trabalho e derrubar os vetos de Jair Bolsonaro sobre a LSN

O Congresso cumpriu o seu dever. Revogou a Lei de Segurança Nacional (LSN, Lei 7.170/83) e assegurou meios para a defesa do Estado Democrático de Direito, com a previsão de novos crimes no Código Penal. Já o presidente Jair Bolsonaro fez sua parte pela metade. Sancionou a lei que revoga a LSN, mas vetou cinco pontos importantes para a defesa do regime democrático e o bom funcionamento das instituições republicanas.

Desde que se tornou patente a necessidade de revogar a LSN – o governo federal estava se valendo da Lei 7.170/83 para perseguir adversários políticos –, ficou também evidente que não bastava excluir a antiga lei, aprovada na ditadura militar. Ainda que imperfeitamente, a LSN protegia bens jurídicos importantes, especialmente em relação ao funcionamento das instituições democráticas.

Por isso, de forma prudente e seguindo a experiência internacional, o Congresso, no mesmo projeto de lei que revogou a LSN, definiu crimes que ameaçam ou impedem o pleno funcionamento do Estado Democrático de Direito. No entanto, com cinco vetos especialmente perigosos, o presidente Bolsonaro desfez o equilíbrio entre liberdade individual e proteção do Estado.

O Congresso estabeleceu dois novos crimes contra o processo eleitoral. Jair Bolsonaro vetou o crime de comunicação enganosa em massa (promover ou financiar campanha para disseminar fatos que sabe inverídicos, e que sejam capazes de comprometer a higidez do processo eleitoral; pena de um a cinco anos de reclusão). Sem pudor, tenta manter impunes as ações bolsonaristas contra o sistema eleitoral.

Ainda no capítulo dos crimes contra as eleições, o presidente Bolsonaro também vetou um dispositivo contra a impunidade. O Congresso autorizou que, em caso de omissão do Ministério Público, partidos políticos poderiam propor a respectiva ação penal. Jair Bolsonaro excluiu essa possibilidade.

No capítulo dos crimes contra a cidadania, o Congresso criou o crime de atentado ao direito de manifestação. A previsão era de um a quatro anos de prisão para quem “impedir, mediante violência ou grave ameaça, o livre e pacífico exercício de manifestação de partidos políticos, de movimentos sociais, de sindicatos, de órgãos de classe ou de demais grupos políticos, associativos, étnicos, raciais, culturais ou religiosos”.

Esse tipo penal é corolário da garantia constitucional de que “todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente” (art. 5o, XVI).

Aquele que se diz defensor da liberdade vetou, no entanto, a criação do tipo penal que vinha proteger a liberdade de manifestação. Talvez essa liberdade não desperte especial interesse em Jair Bolsonaro. Afinal, a Constituição assegura tão somente o direito de “reunir-se pacificamente, sem armas”.

De forma prudente, o Congresso estabeleceu que os crimes contra o Estado Democrático de Direito devem ter pena (i) aumentada de um terço, se cometidos com violência ou grave ameaça exercidas com emprego de arma de fogo, e (ii) aumentada de um terço e cumulada com perda do cargo, se cometidos por funcionário público. Jair Bolsonaro vetou esses aumentos. Tal foi o descaramento que nem sequer consta justificativa para o veto ao aumento de pena por uso de arma de fogo.

Jair Bolsonaro também vetou o aumento de pena para o caso de crime contra o Estado Democrático de Direito cometido por militar. Alegou que, além de supostamente ferir a proporcionalidade, a previsão legislativa seria “uma tentativa de impedir as manifestações de pensamento emanadas de grupos mais conservadores”.

O Congresso não criminalizou nenhuma manifestação de pensamento. Apenas protegeu o Estado Democrático de Direito, o que evidentemente dificulta os intentos do bolsonarismo. Cabe ao Legislativo proteger seu bom trabalho, derrubando os cinco vetos. Não deve haver impunidade para quem atua contra o regime democrático.

Empregos em conta-gotas

O Estado de S. Paulo

Na contramão do mundo, o Brasil segue com alto desemprego e consumo em lenta recuperação

Desemprego menor é sempre bem-vindo, mesmo quando os desempregados ainda são 14,4 milhões, grupo equivalente a 14,1% da força de trabalho, de acordo com o balanço do segundo trimestre. Mas seria exagero festejar a melhora. As filas de gente em busca de vagas, ainda muito longas, são pouco menores que no trimestre anterior. No período de janeiro a março os desocupados, 14,8 milhões de trabalhadores, eram 14,7% da população economicamente ativa. Enquanto a ocupação pouco aumentou, o dinheiro encolheu. Entre um período e outro o rendimento médio habitual do brasileiro ocupado ficou 3% menor, passando de R$ 2.594 para R$ 2.515.

Na contramão da maior parte do mundo, o Brasil apresentou, entre abril e junho, condições de emprego piores que as de um ano antes, quando o País sofreu o primeiro grande impacto da pandemia. No segundo trimestre de 2020 os desempregados eram 13,3% da força de trabalho. Os ocupados ganharam em média R$ 2.693 por mês. Em quase todo o mundo emergente e desenvolvido, houve melhora nas condições de trabalho e de rendimento, depois do grande choque, mas o ganho dos brasileiros diminuiu 6,6% entre os dois períodos.

O desemprego no Brasil tem sido mais que o dobro da média registrada em 37 países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Essa média estava em 6,6% em junho. Na zona do euro estava em 7,7%, pouco acima da metade da taxa brasileira. Nos Estados Unidos estava em 5,9%. No mês seguinte chegaria a 5,4%. Mas a desvantagem dos trabalhadores brasileiros fica mais visível, e mais escandalosa, quando se levam em conta alguns detalhes adicionais, como os problemas de nutrição de cerca de 19 milhões e a inflação acima de 9% em 12 meses. Além de escasso, o rendimento familiar dos brasileiros ainda é sensivelmente corroído mês a mês pela alta de preços.

Mas o quadro geral fica mais inquietante quando outros detalhes são observados. Um dado positivo à primeira vista foi a redução dos desalentados. O número diminuiu 6,5% entre o primeiro e o segundo trimestres e chegou a 5,6 milhões, 5,2% da força de trabalho. Mais pessoas, portanto, julgaram valer a pena ir em busca de uma ocupação. Pode ser um sinal de otimismo. Pode ser também uma indicação mais forte da urgência de buscar algum dinheiro.

Essa premência pode ser, também, a explicação do aumento dos trabalhadores por conta própria. Com expansão de 4,2% entre o primeiro trimestre e o segundo, chegou-se a 24,8 milhões de pessoas, um recorde na série histórica. Tantos brasileiros estarão descobrindo uma vocação para o empreendedorismo? Em um ano esse contingente aumentou 14,7%. Mas 62,7% desses empreendedores assumiram a nova atividade informalmente, isto é, sem CNPJ. Estariam atendendo a uma vocação recém-descoberta ou apenas buscando uma alternativa a uma inacessível ocupação assalariada?

Outro recorde na série histórica foi o número de subocupados por insuficiência de horas de trabalho. Esse contingente, formado por 7,5 milhões de trabalhadores, foi 7,3% maior que o do primeiro trimestre e 34,4% mais numeroso que o de um ano antes.

Somados os desempregados, desalentados, subocupados e outros simplesmente desperdiçados, apesar de seu potencial produtivo, chega-se a um total de 32,2 milhões de subutilizados, número 3% inferior ao do primeiro trimestre, mas ainda muito grande.

Houve aumento de ocupação em agropecuária, pesca e aquicultura, construção e em vários serviços. Na indústria e no comércio a criação de empregos tem sido lenta e insuficiente para alterar o quadro geral e – muito importante – para promover a melhora das condições salariais.

A retomada econômica tem sido insuficiente para favorecer o emprego e o aumento da remuneração dos trabalhadores. O desemprego elevado e os ganhos muito baixos limitam o consumo, dificultando o avanço da produção industrial. Há uma circularidade nociva, reforçada pela insegurança criada pelo governo. Mas o ministro da Economia insiste em falar do Brasil como um país invejável por seu dinamismo.

O Senado e a ‘minirreforma trabalhista’

O Estado de S. Paulo

Casa assentou mais um tijolo no muro para conter os despropósitos destes tempos estranhos

Na noite de quarta-feira passada, o Senado acionou mais uma vez seus mecanismos de contenção a alguns despropósitos políticos e legislativos que têm vicejado nesta estranha quadra da história nacional. Por 47 votos a 27, a Casa derrubou a Medida Provisória (MP) 1.045, que, caso fosse convertida em lei, promoveria tantas alterações no ordenamento jurídico do trabalho que passou a ser chamada de “minirreforma trabalhista”.

O acerto da decisão do Senado começa exatamente pela estrita observância demonstrada à própria natureza constitucional de uma medida provisória. Como dispõe a Lei Maior, a medida provisória é instrumento excepcional à disposição da Presidência da República para que o Poder Executivo legisle sobre determinadas questões em caso de “relevância e urgência” (artigo 62), vale dizer, quando a produção dos efeitos esperados pela edição da medida não pode esperar a conclusão dos ritos regulares do Poder Legislativo.

Em um país com 14,4 milhões de desempregados e 5,6 milhões de desalentados, não há dúvida que é dever do governo federal facilitar tanto quanto for possível as condições de admissão desse contingente de brasileiros pelas empresas, mesmo que para isso seja necessária a alteração de alguns aspectos pontuais da atual legislação trabalhista. Mas aí está o busílis. Tal como fora aprovada pela Câmara dos Deputados, em meados de agosto, a MP 1.045 havia sido convertida, como foi dito, em uma “minirreforma” da legislação trabalhista, com alterações não triviais da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Ora, não é este o propósito de uma medida provisória. Em outras palavras: mudanças tão significativas no ordenamento jurídico do trabalho impõem um debate mais alongado no Congresso.

Originalmente, a MP 1.045 objetivava facilitar a contratação e qualificação de jovens pelas empresas enquanto durar a pandemia de covid-19. Era um bom propósito. Porém, membros do próprio governo federal começaram a inserir seus “jabutis” no texto original. Os ministros da Economia, Paulo Guedes, e do Trabalho e Previdência, Onyx Lorenzoni, acrescentaram alguns dispositivos na MP que alteravam substancialmente a CLT, mudanças que já acalentavam havia algum tempo, mas que, a rigor, deveriam ser objeto de projetos de lei ou até mesmo de Proposta de Emenda à Constituição (PEC).

Na Câmara, a MP foi alterada com ainda mais volúpia. O texto apresentado pelo Poder Executivo, contendo 24 artigos, foi engordado para 95 artigos e ainda abarcou a criação de nada menos do que três programas de geração de empregos. Em que pese a suposta boa intenção dos deputados, essas mudanças foram bastante questionadas por organizações representantes dos trabalhadores e por especialistas em legislação trabalhista. Um grupo de 15 procuradores do Ministério Público do Trabalho (MPT) chegou a divulgar um documento no qual contestava diversos pontos da MP 1.045 e anunciava o ingresso com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) a fim de questionar a constitucionalidade do texto aprovado pelos deputados.

A derrubada do monstrengo em que se tornou a MP 1.045 pelo Senado, sem dúvida, representa mais uma derrota para o governo do presidente Jair Bolsonaro no Congresso. Mostra que a articulação política do presidente ainda está muito distante de algo minimamente coeso e organizado. Também ilustra muito bem a crise de confiança mútua que se instalou entre as duas Casas Legislativas.

O relator do texto no Senado, Confúcio Moura (MDB-RO), propôs alterações de última hora para evitar a derrota, mas a manobra não surtiu efeito. Os senadores temiam, não sem razão, que as mudanças feitas na Casa não seriam respeitadas quando a matéria voltasse para a Câmara. Nem a promessa do líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), de que “entregaria o cargo” caso os deputados não aceitassem o novo texto, serviu para acalmar os corações desconfiados.

Medidas para melhorar o ambiente econômico e fomentar a criação de empregos são urgentes. Mas isso deve ser feito com a devida responsabilidade e amplo debate entre os mais afetados. Como convém em uma democracia.

Senado precisa barrar mudança no Imposto de Renda

O Globo

É dever do Senado rejeitar as mudanças no Imposto de Renda (IR) aprovadas ontem na Câmara. A reforma promovida pelos deputados aumenta a carga que pesa sobre quem investe, cria isenções absurdas para agradar a grupos de interesse e distorce ainda mais o sistema de tributação brasileiro, um dos mais injustos do mundo. A única parte que se salva é o reajuste nas faixas de isenção e na tabela do IR das pessoas físicas, necessidade óbvia diante da inflação. Isso pode ser feito noutro projeto em separado — e o resto deveria ser simplesmente jogado fora.

O carro-chefe da reforma — restabelecer o IR sobre dividendos distribuídos por empresas a acionistas — não estaria errado em si, se mantivesse a neutralidade necessária para não interferir nas decisões de investimento. Não é o caso. Hoje, uma empresa paga 25% em Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e 9% em Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). As alíquotas aprovadas pela Câmara ficaram em 18% para o IRPJ e 8% para a CSLL. Com os 15% que passariam a ser cobrados de acionistas como pessoas físicas, a carga total subiria de 34% para 37,1%.

Ainda mais graves que aumentar o custo de investir no Brasil — debate que ao menos foi transparente — são as isenções abertas para satisfazer aos grupos de interesse afetados pela criação do imposto sobre dividendos. Todas funcionam como distorções do princípio da neutralidade que deveria nortear toda reforma, para inibir a engenharia tributária comum no Brasil.

Foram isentados da cobrança do imposto sobre dividendos os sócios de todas as empresas do Simples Nacional, programa originalmente voltado para pequenos empreendedores, mas que se tornou veículo para a “pejotização” da mão de obra qualificada, em geral na parcela de maior renda da população (o Simples corresponde hoje à maior renúncia tributária da União, estimada em R$ 76 bilhões em 2019).

Como se não bastasse, atendendo à pressão vergonhosa de associações de profissionais liberais, o relator ainda decidiu isentar os sócios de empresas que declaram pelo regime do lucro presumido e faturam até o limite do Simples (R$ 4,8 milhões). Com tudo isso, médicos e advogados que, como pessoas jurídicas, ganham mais de R$ 100 mil por mês pagarão ainda menos impostos do que as alíquotas efetivas irrisórias que já pagam hoje (em torno de 12%). Todos integram o grupo do 0,1% mais rico da população.

O projeto também aumenta a distorção entre a tributação de lucros e rendimentos financeiros, incentivando a alavancagem artificial das empresas. Ao eliminar benefícios fiscais para alguns produtos (como medicamentos), contribui para aumentar a tributação do consumo. Finalmente, ao reduzir a alíquota para a atualização no valor de imóveis e de ativos no exterior, favorece quem tem tais ativos, novamente o estrato mais alto da sociedade.

Nenhum estudo de impacto fiscal independente foi apresentado para justificar as mudanças (apenas estimativas da própria Receita Federal). Nenhuma análise sob o prisma da neutralidade tributária ou do impacto nos diferentes setores foi feita. Não espanta que o resultado tenha saído tão ruim. Quem soube fazer lobby, levou sua isenção. Seria um absurdo os senadores deixarem agora a conta da injustiça recair sobre os empregados formais e sobre os investidores que geram esses empregos.

CPI da Covid realiza investigações promissoras perto da reta final

O Globo

Parecia que a CPI da Covid tinha murchado e que dali não sairia mais nenhum indício de maracutaia no governo Bolsonaro. Pois os últimos dias trouxeram dois personagens que desmentiram essa percepção. Eles comprovam o sucesso da estratégia “siga o dinheiro”, adotada pelos parlamentares desde o final do recesso. Prenunciam o que poderá ser um relatório final devastador para o presidente Jair Bolsonaro. O primeiro é o motoboy Ivanildo Gonçalves da Silva. O segundo é o lobista Marconny Albernaz de Faria.

Em depoimento na quarta-feira, Ivanildo afirmou atuar desde 2009 para a VTCLog, empresa com contratos sob suspeita no Ministério da Saúde, envolvida na negociação nebulosa para a compra da vacina Covaxin. Confirmou ter feito saques de até R$ 430 mil, como descrevia relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), segundo o qual retirou ao todo R$ 4,7 milhões. Depois, disse que usava o dinheiro para “pagar boletos”.

Boletos de uma empresa do mesmo grupo da VTCLog foram emitidos em nome do então diretor de Logística do ministério, Roberto Dias, 11 dias depois de uma manobra transferir um contrato milionário da VTCLog para a área comandada por ele. Os senadores apontaram a coincidência entre as datas e os horários em que esses boletos haviam sido pagos e imagens de Ivanildo nas agências bancárias onde foram registradas as operações. Em nota, a VTCLog afirmou que as imagens haviam sido “maldosamente editadas”. Diante dos senadores, Ivanildo confirmou serem dele mesmo.

A CPI tenta fechar o vínculo entre o escândalo da Covaxin e o deputado federal Ricardo Barros (PP-PR), a quem se atribuem a indicação de Dias e uma capacidade de influência suficiente para Bolsonaro fazer vista grossa às maracutaias. Seu depoimento à CPI, tenso, foi encerrado abruptamente, e ele passou à condição de investigado. Não se sabe até onde levará esse fio condutor da investigação. Desde ontem, apareceu também um outro que parece promissor.

Estava marcado o depoimento de Marconny Albernaz de Faria, tido como lobista da Precisa Medicamentos, empresa investigada por contratos suspeitos quando Barros era ministro da Saúde e intermediária nas negociações para a compra da Covaxin. Só que Marconny não compareceu, sob a alegação de estar internado. A CPI acionou a Polícia Legislativa para conduzi-lo sob coerção. Na véspera, o jornal Folha de S.Paulo tinha revelado que ele ajudara Jair Renan Bolsonaro, filho do presidente, a abrir uma empresa.

Os dois trocaram mensagens no WhatsApp. O telefone da empresa de Jair Renan registrado na Receita Federal é o mesmo do escritório do advogado de Marconny na CPI. Jair Renan não é alvo de investigação, e não há nenhum indício de que esteja envolvido com o Ministério da Saúde. Mas sua proximidade com Marconny promete trazer ainda mais dores de cabeça ao pai.

Entulho varrido

Folha de S. Paulo

Substituição da LSN por nova lei eleva riscos para os que atacam a democracia

O fim da Lei de Segurança Nacional deve ser comemorado por todos os que prezam a ordem democrática —e anuncia tempos perigosos para aqueles que ainda ousam desafiar o Estado de Direito.

Editada nos estertores da ditadura militar, a legislação permaneceu vigente durante mais de três décadas de democracia como um corpo estranho, que ameaçava contaminar o arcabouço institucional erguido pela Carta de 1988.

Esse efeito pernicioso ficou evidente após a ascensão de Jair Bolsonaro ao poder. O presidente recorreu à lei anacrônica para perseguir opositores, e o Supremo Tribunal Federal a usou para defender as instituições de investidas do mandatário e de seus seguidores.

A sanção do texto que finalmente extingue a velha LSN, assinada pelo chefe do Executivo na quarta (1º), representa também um reconhecimento dos limites estreitos de suas fantasias autoritárias.

Aprovada por iniciativa do Congresso, a nova lei abre no Código Penal um capítulo enxuto que define com precisão os crimes contra as instituições democráticas e a soberania do país, oferecendo instrumentos mais potentes para punir os que atentam contra elas.

Como o ministro Ricardo Lewandowski apontou em artigo publicado há pouco nesta Folha, ações violentas que busquem impedir o funcionamento dos Poderes passam a ser punidas com severidade —e rigor maior do que o previsto pela legislação abolida.

Que sirva como alerta a manifestantes insuflados pelos arreganhos de Bolsonaro, que planejam ir às ruas no 7 de Setembro clamar contra as instituições e defender ações das Forças Armadas que não têm guarida na Constituição. Para os arruaceiros, a pena prevista é de 4 a 8 anos de prisão.

Bolsonaro vetou cinco dispositivos ao sancionar o novo diploma, incluindo o que pune a disseminação de falsidades durante o processo eleitoral e o que autoriza partidos a iniciar ações em casos de omissão do Ministério Público.

Por ocasião da aprovação do projeto na Câmara dos Deputados, este jornal expressou desconforto com esses artigos, por serem redigidos de forma tão genérica que poderia criar riscos para a liberdade de expressão e a segurança jurídica.

Os vetos se justificam, pois, mas Bolsonaro, que há tempos espalha mentiras para desacreditar as urnas eletrônicas, parece ter agido em causa própria na medida.

Ao vetar o artigo que agrava as penas dos novos crimes quando cometidos por militares e outros funcionários públicos, Bolsonaro deixou clara a intenção de proteger seus apoiadores. A derrubada desse veto o quanto antes seria a melhor resposta do Congresso à desfaçatez do presidente.

Disputa na ditadura

Folha de S. Paulo

Oposição concorrerá contra o chavismo, que precisa deixar país superar desastre

Engolfada em uma tragédia social e econômica com poucos paralelos no planeta, a Venezuela tem a chance de dar ao menos um passo rumo à normalidade democrática.

Na terça-feira (31), os principais partidos de oposição anunciaram a participação nas eleições regionais de novembro, quando deverão ser escolhidos os novos governadores e prefeitos do país.

A decisão do grupo, batizado de G4, representa uma inflexão das relações entre as forças oposicionistas e o regime, com a perspectiva de pôr fim ao boicote eleitoral que perdura desde 2017.

Naquele ano, uma eleição farsesca promovida pelo ditador Nicolás Maduro instaurou um Congresso paralelo 100% oficialista, que usurpou os poderes da Assembleia Nacional, dominada pelos opositores.

Em 2018, Maduro foi reeleito por meio de um pleito coalhado de irregularidades e amplamente rejeitado pela comunidade internacional. No ano seguinte, o então líder do Legislativo, Juan Guaidó, declarou-se presidente interino, sob a alegação de que haveria um vácuo no poder do país.

Agora, o retorno oposicionista ocorre num momento de alguma distensão política. Em agosto, ditadura e oposição encetaram, pela sexta vez desde 2014, nova rodada de negociações, sediada no México sob mediação da Noruega.

Ambas as partes se comprometeram a dialogar acerca de sete pontos cruciais, que vão desde um calendário eleitoral com rigorosa observação até o levantamento das sanções que pesam sobre a hierarquia chavista, passando pela renúncia à violência e pelo respeito ao Estado de Direito.

Um dos primeiros desdobramentos foi propiciar condições de participação melhores para as forças contrárias ao regime, sendo a principal delas a reabilitação da Mesa de Unidade Democrática (MUD) —coalizão que de 2009 a 2016 reuniu todas as legendas da oposição, e com a qual venceram as eleições parlamentares de 2015.

Será sob a bandeira da MUD que os candidatos do G4 concorrerão no pleito. Além disso, o regime assegurou que o órgão eleitoral, agora também com membros não chavistas, atuará com liberdade, bem como que a votação contará com observadores internacionais.

Embora bastante incipientes, são movimentos na direção correta. Caberá ao chavismo cumprir os compromissos assumidos e permitir que o país encontre uma saída para o desastre que promoveu.

Reformas em andamento têm mais recuos que avanços

Valor Econômico

O governo não tem o controle das reformas que estão no Congresso, nem sequer uma coordenação política eficiente. O resultado é que elas se tornaram uma caixa de Pandora, cujo destino surpreende a todos - o próprio governo e os contribuintes, que pagarão a conta. O presidente Jair Bolsonaro terceirizou a responsabilidade de conduzir as mudanças para o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que tem imposto um ritmo frenético às votações. Há, felizmente, uma pedra no meio do caminho: o Senado, que rejeitou ontem toda a MP 1045 e pode dificultar ou corrigir as demais que estão a caminho.

O governo e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, resolveram pegar um atalho para driblar uma imprescindível reforma tributária ampla, objeto de dois projetos bastante abrangentes, um em cada Casa do Legislativo. O objetivo foi cumprir uma promessa eleitoral de Bolsonaro, de ampliar a faixa de isenção do Imposto de Renda das pessoas físicas. O projeto reduzia o IR das empresas e instituia a tributação da distribuição dos dividendos em 20%, com isenção para os de até R$ 20 mil.

O Ministério da Economia nunca apresentou cálculos detalhados e enviou um projeto ruim com uma fatura em que haveria um ganho de arrecadação de R$ 2 bilhões, na versão oficial. A Câmara desconfiou, mexeu em tudo, ampliou a redução do IR para empresas e cavou um rombo inicial de R$ 30 bilhões. Depois o projeto foi mudando ao sabor dos ventos e pressões.

A versão final aprovada pela Câmara, a quinta do relator Celso Sabino (PSDB-PA), isentou a tributação dos dividendos da empresas do Simples e as de lucro presumido (com faturamento de até R$ 4,8 milhões). A alíquota do IRPJ cai de 25% para 18% e o juro sobre capital próprio foi extinto.

Não se sabe, nesta barafunda, o saldo líquido fiscal do experimento de Guedes que, sob pretexto de isentar uma faixa maior dos que ganham menos, acabou por isentar mais ainda quem ganha mais e acionistas de empresas. A proposta segue agora para o Senado, cujo presidente, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) está em rota de colisão com Lira.

As desavenças se tornaram explícitas na quarta-feira, quando os senadores simplesmente rejeitaram toda a MP 1045, uma mini-reforma trabalhista, que estabelecia regras para a redução de jornada e de salários, mas que mexia em artigos da CLT e reduzia o valor de pagamento de horas extras de algumas categorias, entre outros.

O Senado reagiu arquivando o projeto em função de precedente: quando os senadores modificaram um projeto de simplificação de abertura de empresas, as mudanças foram ignoradas pela Câmara.

As reformas chegam tortas ao Congresso e saem pior. A reforma administrativa seguiu o desejo do presidente Jair Bolsonaro, de que só valesse para os novos funcionários do Executivo. O relator Arthur Maia (DEM-BA) incluiu os do Judiciário, por exemplo, apenas para deixar explícito os privilégios de casta. Eles ficarão livres das restrições de férias não superiores a 30 dias, aumentos retroativos e progressão na carreira por tempo de serviço. Essas regalias serão eliminadas, o que é muito positivo, mas só para os novos ingressantes no serviço público.

Mais relevante, o relator estendeu a estabilidade também para os novos funcionários públicos. Seu objetivo foi coibir a “dispensa imotivada”. Além de ela ser uma miragem no serviço público - quase não há demissão por motivo algum - os trabalhadores do setor privado, que não tem estabilidade, contam com lei protetora contra isso. Foi tudo uma enorme desconversa para manter os privilégios de quem já é muito mais bem remunerado que os demais trabalhadores. Nesta mixórdia, além do corte de mordomias no futuro, há a permissão de redução de jornada e salários até 25% - ainda assim não válida para Judiciário e carreiras típicas de Estado.

A votação do IR empurrou para a semana que vem a do projeto de reforma do código eleitoral, catálogo de 935 artigos cujo sentido principal é piorar muito a transparência do uso do dinheiro dos fundos eleitorais e partidários, reduzir a vigilância sobre eles e as punições para os malfeitos.

O destino das mudanças atuais ilustram porque as reformas nunca saem do catálogo de soluções para tudo no Brasil. São quase sempre incompletas, contêm retrocessos, e desviam-se dos problemas que as motivaram. Tornam o processo permanente - gradualista e lento, sempre aquém das necessidades.

 

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