EDITORIAIS
Vetos contra o Estado Democrático de
Direito
O Estado de S. Paulo
Cabe ao Legislativo proteger seu bom
trabalho e derrubar os vetos de Jair Bolsonaro sobre a LSN
O Congresso cumpriu o seu dever. Revogou a
Lei de Segurança Nacional (LSN, Lei 7.170/83) e assegurou meios para a defesa
do Estado Democrático de Direito, com a previsão de novos crimes no Código
Penal. Já o presidente Jair Bolsonaro fez sua parte pela metade. Sancionou a
lei que revoga a LSN, mas vetou cinco pontos importantes para a defesa do regime
democrático e o bom funcionamento das instituições republicanas.
Desde que se tornou patente a necessidade
de revogar a LSN – o governo federal estava se valendo da Lei 7.170/83 para
perseguir adversários políticos –, ficou também evidente que não bastava
excluir a antiga lei, aprovada na ditadura militar. Ainda que imperfeitamente,
a LSN protegia bens jurídicos importantes, especialmente em relação ao
funcionamento das instituições democráticas.
Por isso, de forma prudente e seguindo a
experiência internacional, o Congresso, no mesmo projeto de lei que revogou a
LSN, definiu crimes que ameaçam ou impedem o pleno funcionamento do Estado
Democrático de Direito. No entanto, com cinco vetos especialmente perigosos, o
presidente Bolsonaro desfez o equilíbrio entre liberdade individual e proteção
do Estado.
O Congresso estabeleceu dois novos crimes contra o processo eleitoral. Jair Bolsonaro vetou o crime de comunicação enganosa em massa (promover ou financiar campanha para disseminar fatos que sabe inverídicos, e que sejam capazes de comprometer a higidez do processo eleitoral; pena de um a cinco anos de reclusão). Sem pudor, tenta manter impunes as ações bolsonaristas contra o sistema eleitoral.
Ainda no capítulo dos crimes contra as
eleições, o presidente Bolsonaro também vetou um dispositivo contra a
impunidade. O Congresso autorizou que, em caso de omissão do Ministério
Público, partidos políticos poderiam propor a respectiva ação penal. Jair
Bolsonaro excluiu essa possibilidade.
No capítulo dos crimes contra a cidadania,
o Congresso criou o crime de atentado ao direito de manifestação. A previsão
era de um a quatro anos de prisão para quem “impedir, mediante violência ou
grave ameaça, o livre e pacífico exercício de manifestação de partidos
políticos, de movimentos sociais, de sindicatos, de órgãos de classe ou de
demais grupos políticos, associativos, étnicos, raciais, culturais ou
religiosos”.
Esse tipo penal é corolário da garantia
constitucional de que “todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em
locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não
frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas
exigido prévio aviso à autoridade competente” (art. 5o, XVI).
Aquele que se diz defensor da liberdade
vetou, no entanto, a criação do tipo penal que vinha proteger a liberdade de
manifestação. Talvez essa liberdade não desperte especial interesse em Jair
Bolsonaro. Afinal, a Constituição assegura tão somente o direito de “reunir-se
pacificamente, sem armas”.
De forma prudente, o Congresso estabeleceu
que os crimes contra o Estado Democrático de Direito devem ter pena (i)
aumentada de um terço, se cometidos com violência ou grave ameaça exercidas com
emprego de arma de fogo, e (ii) aumentada de um terço e cumulada com perda do
cargo, se cometidos por funcionário público. Jair Bolsonaro vetou esses
aumentos. Tal foi o descaramento que nem sequer consta justificativa para o
veto ao aumento de pena por uso de arma de fogo.
Jair Bolsonaro também vetou o aumento de
pena para o caso de crime contra o Estado Democrático de Direito cometido por
militar. Alegou que, além de supostamente ferir a proporcionalidade, a previsão
legislativa seria “uma tentativa de impedir as manifestações de pensamento
emanadas de grupos mais conservadores”.
O Congresso não criminalizou nenhuma
manifestação de pensamento. Apenas protegeu o Estado Democrático de Direito, o
que evidentemente dificulta os intentos do bolsonarismo. Cabe ao Legislativo
proteger seu bom trabalho, derrubando os cinco vetos. Não deve haver impunidade
para quem atua contra o regime democrático.
Empregos em conta-gotas
O Estado de S. Paulo
Na contramão do mundo, o Brasil segue com alto desemprego e consumo em lenta recuperação
Desemprego menor é sempre bem-vindo, mesmo quando os
desempregados ainda são 14,4 milhões, grupo equivalente a 14,1% da força de
trabalho, de acordo com o balanço do segundo trimestre. Mas seria exagero
festejar a melhora. As filas de gente em busca de vagas, ainda muito longas,
são pouco menores que no trimestre anterior. No período de janeiro a março os
desocupados, 14,8 milhões de trabalhadores, eram 14,7% da população
economicamente ativa. Enquanto a ocupação pouco aumentou, o dinheiro encolheu.
Entre um período e outro o rendimento médio habitual do brasileiro ocupado
ficou 3% menor, passando de R$ 2.594 para R$ 2.515.
Na contramão da maior parte do mundo, o
Brasil apresentou, entre abril e junho, condições de emprego piores que as de
um ano antes, quando o País sofreu o primeiro grande impacto da pandemia. No
segundo trimestre de 2020 os desempregados eram 13,3% da força de trabalho. Os
ocupados ganharam em média R$ 2.693 por mês. Em quase todo o mundo emergente e
desenvolvido, houve melhora nas condições de trabalho e de rendimento, depois do
grande choque, mas o ganho dos brasileiros diminuiu 6,6% entre os dois
períodos.
O desemprego no Brasil tem sido mais que o
dobro da média registrada em 37 países da Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE). Essa média estava em 6,6% em junho. Na zona
do euro estava em 7,7%, pouco acima da metade da taxa brasileira. Nos Estados
Unidos estava em 5,9%. No mês seguinte chegaria a 5,4%. Mas a desvantagem dos
trabalhadores brasileiros fica mais visível, e mais escandalosa, quando se
levam em conta alguns detalhes adicionais, como os problemas de nutrição de
cerca de 19 milhões e a inflação acima de 9% em 12 meses. Além de escasso, o
rendimento familiar dos brasileiros ainda é sensivelmente corroído mês a mês
pela alta de preços.
Mas o quadro geral fica mais inquietante
quando outros detalhes são observados. Um dado positivo à primeira vista foi a
redução dos desalentados. O número diminuiu 6,5% entre o primeiro e o segundo
trimestres e chegou a 5,6 milhões, 5,2% da força de trabalho. Mais pessoas,
portanto, julgaram valer a pena ir em busca de uma ocupação. Pode ser um sinal
de otimismo. Pode ser também uma indicação mais forte da urgência de buscar
algum dinheiro.
Essa premência pode ser, também, a
explicação do aumento dos trabalhadores por conta própria. Com expansão de 4,2%
entre o primeiro trimestre e o segundo, chegou-se a 24,8 milhões de pessoas, um
recorde na série histórica. Tantos brasileiros estarão descobrindo uma vocação
para o empreendedorismo? Em um ano esse contingente aumentou 14,7%. Mas 62,7%
desses empreendedores assumiram a nova atividade informalmente, isto é, sem
CNPJ. Estariam atendendo a uma vocação recém-descoberta ou apenas buscando uma
alternativa a uma inacessível ocupação assalariada?
Outro recorde na série histórica foi o
número de subocupados por insuficiência de horas de trabalho. Esse contingente,
formado por 7,5 milhões de trabalhadores, foi 7,3% maior que o do primeiro
trimestre e 34,4% mais numeroso que o de um ano antes.
Somados os desempregados, desalentados,
subocupados e outros simplesmente desperdiçados, apesar de seu potencial
produtivo, chega-se a um total de 32,2 milhões de subutilizados, número 3%
inferior ao do primeiro trimestre, mas ainda muito grande.
Houve aumento de ocupação em agropecuária,
pesca e aquicultura, construção e em vários serviços. Na indústria e no
comércio a criação de empregos tem sido lenta e insuficiente para alterar o
quadro geral e – muito importante – para promover a melhora das condições
salariais.
A retomada econômica tem sido insuficiente
para favorecer o emprego e o aumento da remuneração dos trabalhadores. O
desemprego elevado e os ganhos muito baixos limitam o consumo, dificultando o
avanço da produção industrial. Há uma circularidade nociva, reforçada pela
insegurança criada pelo governo. Mas o ministro da Economia insiste em falar do
Brasil como um país invejável por seu dinamismo.
O Senado e a ‘minirreforma trabalhista’
O Estado de S. Paulo
Casa assentou mais um tijolo no muro para conter os despropósitos destes tempos estranhos
Na noite de quarta-feira passada, o Senado
acionou mais uma vez seus mecanismos de contenção a alguns despropósitos
políticos e legislativos que têm vicejado nesta estranha quadra da história
nacional. Por 47 votos a 27, a Casa derrubou a Medida Provisória (MP) 1.045,
que, caso fosse convertida em lei, promoveria tantas alterações no ordenamento
jurídico do trabalho que passou a ser chamada de “minirreforma trabalhista”.
O acerto da decisão do Senado começa
exatamente pela estrita observância demonstrada à própria natureza
constitucional de uma medida provisória. Como dispõe a Lei Maior, a medida
provisória é instrumento excepcional à disposição da Presidência da República
para que o Poder Executivo legisle sobre determinadas questões em caso de “relevância
e urgência” (artigo 62), vale dizer, quando a produção dos efeitos esperados
pela edição da medida não pode esperar a conclusão dos ritos regulares do Poder
Legislativo.
Em um país com 14,4 milhões de
desempregados e 5,6 milhões de desalentados, não há dúvida que é dever do
governo federal facilitar tanto quanto for possível as condições de admissão
desse contingente de brasileiros pelas empresas, mesmo que para isso seja
necessária a alteração de alguns aspectos pontuais da atual legislação trabalhista.
Mas aí está o busílis. Tal como fora aprovada pela Câmara dos Deputados, em
meados de agosto, a MP 1.045 havia sido convertida, como foi dito, em uma
“minirreforma” da legislação trabalhista, com alterações não triviais da
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Ora, não é este o propósito de uma
medida provisória. Em outras palavras: mudanças tão significativas no
ordenamento jurídico do trabalho impõem um debate mais alongado no Congresso.
Originalmente, a MP 1.045 objetivava
facilitar a contratação e qualificação de jovens pelas empresas enquanto durar
a pandemia de covid-19. Era um bom propósito. Porém, membros do próprio governo
federal começaram a inserir seus “jabutis” no texto original. Os ministros da
Economia, Paulo Guedes, e do Trabalho e Previdência, Onyx Lorenzoni,
acrescentaram alguns dispositivos na MP que alteravam substancialmente a CLT,
mudanças que já acalentavam havia algum tempo, mas que, a rigor, deveriam ser
objeto de projetos de lei ou até mesmo de Proposta de Emenda à Constituição
(PEC).
Na Câmara, a MP foi alterada com ainda mais
volúpia. O texto apresentado pelo Poder Executivo, contendo 24 artigos, foi
engordado para 95 artigos e ainda abarcou a criação de nada menos do que três
programas de geração de empregos. Em que pese a suposta boa intenção dos
deputados, essas mudanças foram bastante questionadas por organizações
representantes dos trabalhadores e por especialistas em legislação trabalhista.
Um grupo de 15 procuradores do Ministério Público do Trabalho (MPT) chegou a divulgar
um documento no qual contestava diversos pontos da MP 1.045 e anunciava o
ingresso com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) a fim de questionar a
constitucionalidade do texto aprovado pelos deputados.
A derrubada do monstrengo em que se tornou
a MP 1.045 pelo Senado, sem dúvida, representa mais uma derrota para o governo
do presidente Jair Bolsonaro no Congresso. Mostra que a articulação política do
presidente ainda está muito distante de algo minimamente coeso e organizado.
Também ilustra muito bem a crise de confiança mútua que se instalou entre as
duas Casas Legislativas.
O relator do texto no Senado, Confúcio
Moura (MDB-RO), propôs alterações de última hora para evitar a derrota, mas a
manobra não surtiu efeito. Os senadores temiam, não sem razão, que as mudanças
feitas na Casa não seriam respeitadas quando a matéria voltasse para a Câmara.
Nem a promessa do líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE),
de que “entregaria o cargo” caso os deputados não aceitassem o novo texto,
serviu para acalmar os corações desconfiados.
Medidas para melhorar o ambiente econômico e fomentar a criação de empregos são urgentes. Mas isso deve ser feito com a devida responsabilidade e amplo debate entre os mais afetados. Como convém em uma democracia.
Senado precisa barrar mudança no Imposto de
Renda
O Globo
É dever do Senado rejeitar as mudanças no
Imposto de Renda (IR) aprovadas ontem na Câmara. A reforma promovida pelos
deputados aumenta a carga que pesa sobre quem investe, cria isenções absurdas
para agradar a grupos de interesse e distorce ainda mais o sistema de
tributação brasileiro, um dos mais injustos do mundo. A única parte que se
salva é o reajuste nas faixas de isenção e na tabela do IR das pessoas físicas,
necessidade óbvia diante da inflação. Isso pode ser feito noutro projeto em
separado — e o resto deveria ser simplesmente jogado fora.
O carro-chefe da reforma — restabelecer o
IR sobre dividendos distribuídos por empresas a acionistas — não estaria errado
em si, se mantivesse a neutralidade necessária para não interferir nas decisões
de investimento. Não é o caso. Hoje, uma empresa paga 25% em Imposto de Renda
de Pessoa Jurídica (IRPJ) e 9% em Contribuição Social sobre o Lucro Líquido
(CSLL). As alíquotas aprovadas pela Câmara ficaram em 18% para o IRPJ e 8% para
a CSLL. Com os 15% que passariam a ser cobrados de acionistas como pessoas
físicas, a carga total subiria de 34% para 37,1%.
Ainda mais graves que aumentar o custo de
investir no Brasil — debate que ao menos foi transparente — são as isenções
abertas para satisfazer aos grupos de interesse afetados pela criação do
imposto sobre dividendos. Todas funcionam como distorções do princípio da
neutralidade que deveria nortear toda reforma, para inibir a engenharia
tributária comum no Brasil.
Foram isentados da cobrança do imposto
sobre dividendos os sócios de todas as empresas do Simples Nacional, programa
originalmente voltado para pequenos empreendedores, mas que se tornou veículo
para a “pejotização” da mão de obra qualificada, em geral na parcela de maior
renda da população (o Simples corresponde hoje à maior renúncia tributária da
União, estimada em R$ 76 bilhões em 2019).
Como se não bastasse, atendendo à pressão
vergonhosa de associações de profissionais liberais, o relator ainda decidiu
isentar os sócios de empresas que declaram pelo regime do lucro presumido e
faturam até o limite do Simples (R$ 4,8 milhões). Com tudo isso, médicos e
advogados que, como pessoas jurídicas, ganham mais de R$ 100 mil por mês
pagarão ainda menos impostos do que as alíquotas efetivas irrisórias que já
pagam hoje (em torno de 12%). Todos integram o grupo do 0,1% mais rico da
população.
O projeto também aumenta a distorção entre
a tributação de lucros e rendimentos financeiros, incentivando a alavancagem
artificial das empresas. Ao eliminar benefícios fiscais para alguns produtos
(como medicamentos), contribui para aumentar a tributação do consumo.
Finalmente, ao reduzir a alíquota para a atualização no valor de imóveis e de
ativos no exterior, favorece quem tem tais ativos, novamente o estrato mais
alto da sociedade.
Nenhum estudo de impacto fiscal
independente foi apresentado para justificar as mudanças (apenas estimativas da
própria Receita Federal). Nenhuma análise sob o prisma da neutralidade tributária
ou do impacto nos diferentes setores foi feita. Não espanta que o resultado
tenha saído tão ruim. Quem soube fazer lobby, levou sua isenção. Seria um
absurdo os senadores deixarem agora a conta da injustiça recair sobre os
empregados formais e sobre os investidores que geram esses empregos.
CPI da Covid realiza investigações
promissoras perto da reta final
O Globo
Parecia que a CPI da Covid tinha murchado e
que dali não sairia mais nenhum indício de maracutaia no governo Bolsonaro.
Pois os últimos dias trouxeram dois personagens que desmentiram essa percepção.
Eles comprovam o sucesso da estratégia “siga o dinheiro”, adotada pelos
parlamentares desde o final do recesso. Prenunciam o que poderá ser um
relatório final devastador para o presidente Jair Bolsonaro. O primeiro é o
motoboy Ivanildo Gonçalves da Silva. O segundo é o lobista Marconny Albernaz de
Faria.
Em depoimento na quarta-feira, Ivanildo
afirmou atuar desde 2009 para a VTCLog, empresa com contratos sob suspeita no
Ministério da Saúde, envolvida na negociação nebulosa para a compra da vacina
Covaxin. Confirmou ter feito saques de até R$ 430 mil, como descrevia relatório
do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), segundo o qual
retirou ao todo R$ 4,7 milhões. Depois, disse que usava o dinheiro para “pagar
boletos”.
Boletos de uma empresa do mesmo grupo da
VTCLog foram emitidos em nome do então diretor de Logística do ministério,
Roberto Dias, 11 dias depois de uma manobra transferir um contrato milionário
da VTCLog para a área comandada por ele. Os senadores apontaram a coincidência
entre as datas e os horários em que esses boletos haviam sido pagos e imagens
de Ivanildo nas agências bancárias onde foram registradas as operações. Em
nota, a VTCLog afirmou que as imagens haviam sido “maldosamente editadas”.
Diante dos senadores, Ivanildo confirmou serem dele mesmo.
A CPI tenta fechar o vínculo entre o
escândalo da Covaxin e o deputado federal Ricardo Barros (PP-PR), a quem se
atribuem a indicação de Dias e uma capacidade de influência suficiente para
Bolsonaro fazer vista grossa às maracutaias. Seu depoimento à CPI, tenso, foi
encerrado abruptamente, e ele passou à condição de investigado. Não se sabe até
onde levará esse fio condutor da investigação. Desde ontem, apareceu também um outro
que parece promissor.
Estava marcado o depoimento de Marconny
Albernaz de Faria, tido como lobista da Precisa Medicamentos, empresa
investigada por contratos suspeitos quando Barros era ministro da Saúde e
intermediária nas negociações para a compra da Covaxin. Só que Marconny não
compareceu, sob a alegação de estar internado. A CPI acionou a Polícia
Legislativa para conduzi-lo sob coerção. Na véspera, o jornal Folha de S.Paulo
tinha revelado que ele ajudara Jair Renan Bolsonaro, filho do presidente, a
abrir uma empresa.
Os dois trocaram mensagens no WhatsApp. O
telefone da empresa de Jair Renan registrado na Receita Federal é o mesmo do
escritório do advogado de Marconny na CPI. Jair Renan não é alvo de
investigação, e não há nenhum indício de que esteja envolvido com o Ministério
da Saúde. Mas sua proximidade com Marconny promete trazer ainda mais dores de
cabeça ao pai.
Entulho varrido
Folha de S. Paulo
Substituição da LSN por nova lei eleva
riscos para os que atacam a democracia
O
fim da Lei de Segurança Nacional deve ser comemorado por todos os que
prezam a ordem democrática —e anuncia tempos perigosos para aqueles que ainda
ousam desafiar o Estado de Direito.
Editada nos estertores da ditadura militar,
a legislação permaneceu vigente durante mais de três décadas de democracia como
um corpo estranho, que ameaçava contaminar o arcabouço institucional erguido
pela Carta de 1988.
Esse efeito pernicioso ficou evidente após
a ascensão de Jair Bolsonaro ao poder. O presidente recorreu à lei anacrônica
para perseguir opositores, e o Supremo Tribunal Federal a usou para defender as
instituições de investidas do mandatário e de seus seguidores.
A sanção do texto que finalmente extingue a
velha LSN, assinada pelo chefe do Executivo na quarta (1º), representa também
um reconhecimento dos limites estreitos de suas fantasias autoritárias.
Aprovada por iniciativa do Congresso, a
nova lei abre no Código Penal um capítulo enxuto que define com precisão os
crimes contra as instituições democráticas e a soberania do país, oferecendo
instrumentos mais potentes para punir os que atentam contra elas.
Como o ministro Ricardo Lewandowski apontou
em artigo
publicado há pouco nesta Folha,
ações violentas que busquem impedir o funcionamento dos Poderes passam a ser
punidas com severidade —e rigor maior do que o previsto pela legislação
abolida.
Que sirva como alerta a manifestantes
insuflados pelos arreganhos de Bolsonaro, que planejam ir às ruas no 7 de
Setembro clamar contra as instituições e defender ações das Forças Armadas que
não têm guarida na Constituição. Para os arruaceiros, a pena prevista é de 4 a
8 anos de prisão.
Bolsonaro vetou cinco dispositivos ao
sancionar o novo diploma, incluindo o que pune a disseminação de falsidades
durante o processo eleitoral e o que autoriza partidos a iniciar ações em casos
de omissão do Ministério Público.
Por ocasião da aprovação do projeto na
Câmara dos Deputados, este jornal expressou desconforto com esses artigos, por
serem redigidos de forma tão genérica que poderia criar riscos para a liberdade
de expressão e a segurança jurídica.
Os vetos se justificam, pois, mas
Bolsonaro, que há tempos espalha mentiras para desacreditar as urnas
eletrônicas, parece ter agido em causa própria na medida.
Ao vetar o artigo que agrava as penas dos
novos crimes quando cometidos por militares e outros funcionários públicos,
Bolsonaro deixou clara a intenção de proteger seus apoiadores. A derrubada
desse veto o quanto antes seria a melhor resposta do Congresso à desfaçatez do
presidente.
Disputa na ditadura
Folha de S. Paulo
Oposição concorrerá contra o chavismo, que
precisa deixar país superar desastre
Engolfada em uma tragédia social e
econômica com poucos paralelos no planeta, a Venezuela tem a chance de dar ao
menos um passo rumo à normalidade democrática.
Na terça-feira (31), os principais partidos
de oposição anunciaram a participação
nas eleições regionais de novembro, quando deverão ser escolhidos os
novos governadores e prefeitos do país.
A decisão do grupo, batizado de G4,
representa uma inflexão das relações entre as forças oposicionistas e o regime,
com a perspectiva de pôr fim ao boicote eleitoral que perdura desde 2017.
Naquele ano, uma eleição farsesca promovida
pelo ditador Nicolás Maduro instaurou um Congresso paralelo 100% oficialista,
que usurpou os poderes da Assembleia Nacional, dominada pelos opositores.
Em 2018, Maduro foi reeleito por meio de um
pleito coalhado de irregularidades e amplamente rejeitado pela comunidade
internacional. No ano seguinte, o então líder do Legislativo, Juan Guaidó,
declarou-se presidente interino, sob a alegação de que haveria um vácuo no
poder do país.
Agora, o retorno oposicionista ocorre num
momento de alguma distensão política. Em agosto, ditadura e oposição encetaram,
pela sexta vez desde 2014, nova rodada de negociações, sediada no México sob
mediação da Noruega.
Ambas as partes se comprometeram a dialogar
acerca de sete pontos cruciais, que vão desde um calendário eleitoral com
rigorosa observação até o levantamento das sanções que pesam sobre a hierarquia
chavista, passando pela renúncia à violência e pelo respeito ao Estado de
Direito.
Um dos primeiros desdobramentos foi
propiciar condições de participação melhores para as forças contrárias ao
regime, sendo a principal delas a reabilitação da Mesa de Unidade Democrática
(MUD) —coalizão que de 2009 a 2016 reuniu todas as legendas da oposição, e com
a qual venceram as eleições parlamentares de 2015.
Será sob a bandeira da MUD que os
candidatos do G4 concorrerão no pleito. Além disso, o regime assegurou que o
órgão eleitoral, agora também com membros não chavistas, atuará com liberdade,
bem como que a votação contará com observadores internacionais.
Embora bastante incipientes, são movimentos
na direção correta. Caberá ao chavismo cumprir os compromissos assumidos e
permitir que o país encontre uma saída para o desastre que promoveu.
Reformas em andamento têm mais recuos que
avanços
Valor Econômico
O governo não tem o controle das reformas
que estão no Congresso, nem sequer uma coordenação política eficiente. O
resultado é que elas se tornaram uma caixa de Pandora, cujo destino surpreende
a todos - o próprio governo e os contribuintes, que pagarão a conta. O
presidente Jair Bolsonaro terceirizou a responsabilidade de conduzir as
mudanças para o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que tem imposto um
ritmo frenético às votações. Há, felizmente, uma pedra no meio do caminho: o
Senado, que rejeitou ontem toda a MP 1045 e pode dificultar ou corrigir as
demais que estão a caminho.
O governo e seu ministro da Economia, Paulo
Guedes, resolveram pegar um atalho para driblar uma imprescindível reforma tributária
ampla, objeto de dois projetos bastante abrangentes, um em cada Casa do
Legislativo. O objetivo foi cumprir uma promessa eleitoral de Bolsonaro, de
ampliar a faixa de isenção do Imposto de Renda das pessoas físicas. O projeto
reduzia o IR das empresas e instituia a tributação da distribuição dos
dividendos em 20%, com isenção para os de até R$ 20 mil.
O Ministério da Economia nunca apresentou
cálculos detalhados e enviou um projeto ruim com uma fatura em que haveria um
ganho de arrecadação de R$ 2 bilhões, na versão oficial. A Câmara desconfiou,
mexeu em tudo, ampliou a redução do IR para empresas e cavou um rombo inicial
de R$ 30 bilhões. Depois o projeto foi mudando ao sabor dos ventos e pressões.
A versão final aprovada pela Câmara, a
quinta do relator Celso Sabino (PSDB-PA), isentou a tributação dos dividendos
da empresas do Simples e as de lucro presumido (com faturamento de até R$ 4,8
milhões). A alíquota do IRPJ cai de 25% para 18% e o juro sobre capital próprio
foi extinto.
Não se sabe, nesta barafunda, o saldo
líquido fiscal do experimento de Guedes que, sob pretexto de isentar uma faixa
maior dos que ganham menos, acabou por isentar mais ainda quem ganha mais e
acionistas de empresas. A proposta segue agora para o Senado, cujo presidente,
Rodrigo Pacheco (DEM-MG) está em rota de colisão com Lira.
As desavenças se tornaram explícitas na
quarta-feira, quando os senadores simplesmente rejeitaram toda a MP 1045, uma
mini-reforma trabalhista, que estabelecia regras para a redução de jornada e de
salários, mas que mexia em artigos da CLT e reduzia o valor de pagamento de
horas extras de algumas categorias, entre outros.
O Senado reagiu arquivando o projeto em
função de precedente: quando os senadores modificaram um projeto de simplificação
de abertura de empresas, as mudanças foram ignoradas pela Câmara.
As reformas chegam tortas ao Congresso e
saem pior. A reforma administrativa seguiu o desejo do presidente Jair
Bolsonaro, de que só valesse para os novos funcionários do Executivo. O relator
Arthur Maia (DEM-BA) incluiu os do Judiciário, por exemplo, apenas para deixar
explícito os privilégios de casta. Eles ficarão livres das restrições de férias
não superiores a 30 dias, aumentos retroativos e progressão na carreira por
tempo de serviço. Essas regalias serão eliminadas, o que é muito positivo, mas
só para os novos ingressantes no serviço público.
Mais relevante, o relator estendeu a
estabilidade também para os novos funcionários públicos. Seu objetivo foi
coibir a “dispensa imotivada”. Além de ela ser uma miragem no serviço público -
quase não há demissão por motivo algum - os trabalhadores do setor privado, que
não tem estabilidade, contam com lei protetora contra isso. Foi tudo uma enorme
desconversa para manter os privilégios de quem já é muito mais bem remunerado
que os demais trabalhadores. Nesta mixórdia, além do corte de mordomias no
futuro, há a permissão de redução de jornada e salários até 25% - ainda assim
não válida para Judiciário e carreiras típicas de Estado.
A votação do IR empurrou para a semana que
vem a do projeto de reforma do código eleitoral, catálogo de 935 artigos cujo
sentido principal é piorar muito a transparência do uso do dinheiro dos fundos
eleitorais e partidários, reduzir a vigilância sobre eles e as punições para os
malfeitos.
O destino das mudanças atuais ilustram
porque as reformas nunca saem do catálogo de soluções para tudo no Brasil. São
quase sempre incompletas, contêm retrocessos, e desviam-se dos problemas que as
motivaram. Tornam o processo permanente - gradualista e lento, sempre aquém das
necessidades.
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