O Globo
Não é um fenômeno isolado a proliferação de
manifestos e notas de repúdio contra os rompantes golpistas de Jair Bolsonaro
partindo de importantes, e até aqui silentes, entidades ligadas ao empresariado
produtivo e financeiro.
Esse pessoal carregou o caixão de Bolsonaro
até a beira do cadafalso. Nem as mais de 580 mil mortes da pandemia fizeram com
que mudassem o caminho. Mas agora, diante da oferta para se jogar com o
presidente e o país ribanceira abaixo, acordaram do surto que vivem desde 2018
e deram um passo atrás.
Entre as múltiplas notas de defesa da democracia que pipocaram desde que Paulo Skaf prometeu consolidá-las sob o guarda-chuva da Fiesp, mas se escafedeu, chama a atenção a de expoentes pesos pesados do empresariado de Minas se contrapondo à federação das indústrias do estado, que preferiu se alinhar ao Planalto na retórica golpista contra o Supremo.
Por que ela chama a atenção? Porque traz entre os signatários o ex-secretário de Desestatização Salim Mattar, bolsonarista de quatro costados até ontem e mentor de algumas das vozes mais histriônicas do bolsonarismo incendiário. Porque rompe a tradicional “mineirice” de evitar críticas explícitas a governos centrais. Porque o governador do estado, Romeu Zema (Novo), é um dos que adoram morder e assoprar quando o assunto é Bolsonaro. E pelo simbolismo do título: Segundo Manifesto dos Mineiros ao Povo Brasileiro. O primeiro, em 1943, exigia o fim do Estado Novo e a redemocratização. Desencadeou um movimento que acabou na deposição de Getúlio Vargas dois anos depois.
Os mineiros não estão sozinhos no peso da
defecção do dinheiro para longe das loucuras de Bolsonaro. O manifesto de cinco
entidades do agronegócio quando a Fiesp roeu a corda foi um sinal inequívoco de
que o presidente perde dia a dia o chão num dos setores que foram mais
decisivos para sua eleição e para o apoio a seu desgoverno até aqui.
Da mesma maneira, a decisão da Febraban de
enfrentar as ameaças dos bancos públicos e manifestar, também ela, a
preocupação com os insistentes sinais do presidente de que levará o país ao
limiar de uma ruptura institucional mostra que só restam a Bolsonaro as franjas
mais radicalizadas que ele trata de insuflar com sua retórica belicista.
A combinação de crise sanitária, crise
hídrico-energética, crise inflacionária e de emprego e crise institucional 100%
provocada e agravada pelo presidente em pessoa é a prova cabal, para os donos
do dinheiro, de que a economia foi para o vinagre.
E Paulo Guedes? Por mais que o ministro
insista, quando se conversa com ele, num discurso que mais parece autoajuda, de
que tudo vai bem, ele é cada vez menos citado como fator na hora de decidir
pular do barco à deriva de Bolsonaro. “Guedes é hoje um soldado de campanha de
Bolsonaro, não ministro da Economia”, me resumiu um formulador do agronegócio
nesta quarta-feira.
O que apavora quem tem negócios a tocar e,
sobretudo, mercadoria a vender no exterior é a possibilidade de a estultícia de
Bolsonaro levar a um novo levante de caminhoneiros, simultâneo a um motim em
escala mais ou menos nacional de policiais militares. Isso, combinado às crises
múltiplas elencadas acima, joga por terra qualquer esperança numa até aqui
inexistente recuperação da economia.
Os dois movimentos (de caminhoneiros e de
PMs) já aconteceram no passado, sempre com inspiração e franco apoio do então
deputado Jair. Ainda assim, diante de tantas e tão inequívocas evidências de
que tinha cara de golpista, jeito de golpista, mentalidade de golpista,
discurso de golpista e, portanto, deveria ser mesmo golpista, ele teve o apoio
desse pessoal do dinheiro. Agora choram sobre o lucro derramado. Mas antes
indesculpavelmente tarde do que nunca, não é mesmo?
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