Valor Econômico
Elite empresarial sabe o que não quer, mas
falta projeto
De onde menos se espera, daí é que não sai
nada, como dizia o Barão de Itararé. Historicamente não se encontram muitos
exemplos de engajamento das federações de indústria na defesa de valores
democráticos. O recuo constrangedor de Paulo Skaf na publicação de seu anódino
manifesto e o mais constrangedor ainda documento da Fiemg, defendendo a
liberdade de expressão de propagadores de ódio na internet, demonstram a tese
nos dias de hoje.
No passado, tome-se um exemplo: em 1977, o
presidente da Fiesp, Teobaldo De Nigris, responsável pela construção da sede da
entidade em forma de pirâmide que marca a Avenida Paulista, veio a público para
falar sobre a abertura “lenta, gradual e segura” que o presidente Ernesto
Geisel promovia. Era 18 de agosto, ele acabava de ser reeleito para mais um
mandato à frente da entidade e Geisel era desafiado dentro dos quartéis pelo
ministro do Exército, Sylvio Frota, que queria manter o regime fechado.
O comentário foi: “Ingressar na chamada democracia, que tanto admiramos, poderá nos trazer complicações, pois precisamos, primeiro, ordenar mais o nosso desenvolvimento.” Segundo De Nigris, “isso poderia nos trazer muita confusão, pois ainda é prematuro”. A ditadura já tinha 13 anos.
A palavra do setor privado não veio do
dirigente máximo da indústria. Menos de um ano depois, 26 de junho de 1978, um
grupo de oito empresários, eleitos como líderes do setor privado em uma votação
organizada pelo jornal “Gazeta Mercantil”, assinou um manifesto, que entrou
para a história como “o documento dos oito”. Eram eles Laerte Setubal Filho,
Paulo Vellinho, Paulo Villares, Severo Gomes, Antônio Ermírio de Moraes,
Claudio Bardella, Jorge Gerdau e José Mindlin. Todos industriais.
O tom era outro: “Estamos convencidos de
que o sistema de livre iniciativa no Brasil e a economia de mercado são viáveis
e podem ser duradouros se formos capazes de construir instituições que protejam
os direitos dos cidadãos e garantam a liberdade.”
Estes oito tinham um projeto, uma visão de
Estado e de economia, que passava pela saída dos militares do poder. Quem
escreveu o manifesto foram os economistas Luiz Gonzaga Belluzzo e João Manoel
Cardoso de Mello, além do jornalista Roberto Müller. O texto saiu depois de
longas conversas com cada um deles, na própria redação da “Gazeta”. Belluzzo e
João Manoel eram assessores do presidente do MDB, Ulysses Guimarães, e portanto
o sentido político do manifesto era inequívoco. Sabia-se o que não se queria
mais e o que iria se querer daí para frente
Projeto é tudo. Projeto falta hoje à elite
empresarial. “O que estamos vendo, em alguns casos, são documentos em um
contexto de resistência, mas há o encurtamento de horizontes. Os manifestos,
quando saem, não são propositivos. Sabem bem o que não querem, mas não sabem o
que querem”, comenta hoje Belluzzo. E, sobretudo, não sabem quem querem.
Se a Fiesp nos anos 70, quando a indústria
era 35% do PIB, estava do lado errado da história, que dirá agora, em que a
participação industrial beira os 11%. Para serem agentes políticos os
industriais hoje são muito mais frágeis.
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Algo anda mal na relação entre Senado e
Câmara dos Deputados. Fracassou na noite de quarta-feira um acordo entre os
presidentes das duas Casas e o governo para aprovar a Medida Provisória 1.045
sem parte dos acréscimos que alteravam a legislação trabalhista, introduzidos
pelos deputados. A MP foi sumariamente rejeitada pelo plenário do Senado.
Este episódio ilustra à perfeição o que
pode acontecer com outros temas da agenda, como é o caso do projeto de lei que
muda o imposto de renda, aprovado também na quarta pelos deputados. A fúria
legiferante de Arthur Lira, o presidente da Câmara, encontra limites na outra
casa do Congresso. E a obstinação do ministro da Economia Paulo Guedes é um
componente a mais no conflito.
Ao ignorarem o acordo de quarta-feira entre
Lira e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, os senadores mandaram um recado
claro: não confiam na palavra do presidente da Câmara de domar a base. Os
senadores simplesmente não acreditaram que as exclusões no texto da MP
acertadas pela cúpula do Congresso seriam mantidas na volta da matéria
legislativa ao exame dos deputados.
O desacordo entre Senado e Câmara a
respeito de matérias de natureza tributária data de muito tempo. Quando o
antecessor de Lira, o deputado Rodrigo Maia, tentou levar adiante a aprovação
da PEC 45, que criava um imposto sobre valor adicionado de alíquota única para
indústria e serviços, o então presidente do Senado Davi Alcolumbre protocolou
pessoalmente a PEC 110, que mitigava a proposta.
O impasse à época jogou a favor de Guedes,
que jamais se entusiasmou nem com a proposta da Câmara, nem com a do Senado.
Sempre quis uma reforma tributária restrita, resumida à unificação das
contribuições e à ressurreição de uma espécie de CPMF com algum outro nome,
para viabilizar a desoneração da folha de pagamentos.
Com Lira à frente, houve clima para que a
Câmara tocasse uma reforma do imposto de renda que cumpre uma promessa de
campanha de Bolsonaro - correção da tabela do imposto de renda - e tenta criar
um colchão fiscal para a recauchutagem do Bolsa Família. A proposta, segundo a
maioria das análises, não é neutra. A margem é criada às custas de
contribuintes de pessoa jurídicas. Ela está muito longe da ambição tanto da PEC
45 quanto da PEC 110.
Chegará ao Senado com um patrono em
desprestígio na Casa, que é Lira, e outro com interlocução sabidamente difícil
com o Congresso, que é Guedes. O ministro não desiste de suas ideias, mesmo
quando são de viabilidade duvidosa.
Tentou patrocinar chicanas legislativas
para contornar a falta de adesão a teses como a capitalização da Previdência, a
“carteira verde e amarela” na área trabalhista e volta e meia ensaia com o
retorno do “imposto digital”. A velocidade frustrante da recuperação econômica,
evidenciada no resultado do PIB divulgado anteontem, o fragiliza no Senado. É
de se notar que há poucos dias, em entrevista ao jornal “O Globo”, o presidente
do Senado disse ver com bons olhos um novo fracionamento da pasta da Economia,
com a volta do Ministério do Planejamento.
O panorama para a tramitação do projeto que
muda a lei do Imposto de Renda no Senado, é, portanto, “desafiador”, para usar um
irritante chavão que tomou conta da linguagem corporativa. Significa que há uma
chance importante de que dê tudo errado para os pais da ideia.
César Felício
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