O Estado de S. Paulo
O bolsonarismo não tem resposta para a vida
real e vive de bandeiras artificiais
A semana foi marcada por um fato decisivo:
o empresariado que apoiou Bolsonaro vai, aos poucos, abandonando o barco. A
maneira como isso está sendo feito é um pouco típica do Brasil, mas ainda assim
o fato não ficou obscurecido por ela.
Fiesp e Febraban iam lançar um manifesto
pedindo a harmonia entre os Poderes. Nada mais tranquilo e ao mesmo tempo
inofensivo. A pressão do governo foi intensa e a Fiesp decidiu não divulgar o
manifesto. No entanto, o agronegócio, que emprega milhões e tem antenas com o
mundo, decidiu publicar seu próprio manifesto, independentemente das reações do
governo.
No caso da Febraban houve ameaças reais de
abandono da entidade pela Caixa Econômica e pelo Banco do Brasil, que também
entenderam o pedido de harmonia dos Poderes como uma crítica a Bolsonaro.
Ainda assim, o fato de o manifesto não ter
sido publicado oficialmente não deixa de ser uma evidência de como alguns
setores dominantes no Brasil têm medo do governo, mesmo depois de terem perdido
sua simpatia por ele. Muito provavelmente, essas entidades estão tão
paralisadas pelo medo que hesitaram em lançar votos de fim de ano com a
mensagem “paz na Terra aos homens e mulheres de boa vontade”.
Como Bolsonaro iria interpretar isso, ele que considera essencial comprar fuzis e uma estupidez comprar feijão? Seria uma crítica indireta ao presidente e os detentores do PIB não querem provocar ninguém.
Uma das coisas mais claras na experiência
fracassada no Afeganistão é o fato de que nenhuma força, mesmo com poder
militar, consegue vitória real se seus objetivos políticos são inválidos. A
progressiva retirada dos empresários do campo do apoio a Bolsonaro é apenas um
dado da conjuntura. No momento em que ele se prepara para a grande manifestação
do 7 de Setembro, é oportuno avaliar seus objetivos políticos e o cinzento
horizonte que os espera.
O 7 de Setembro bolsonarista vai pedir o
voto impresso. Mas isso já foi derrotado, no espaço onde deveria ser aceito. Na
verdade, eles vão acenar uma bandeira morta, bater com ela na esperança de
cavar no futuro um pretexto para contestar uma derrota eleitoral que parece
cada vez mais provável.
Outra bandeira que será acenada é a da
liberdade de expressão. A semana foi marcada por uma derrota importante no modo
como os bolsonaristas veem a liberdade de expressão. O ex-deputado Roberto
Jefferson, presidente do PDT, foi denunciado pela subprocuradora Lindôra Araújo
por incitar a invasão do Supremo e do Congresso.
Em qualquer país do mundo, o presidente de
um partido que propusesse violência contra o Congresso seria punido. Mas a
denúncia da subprocuradora tem um peso político especial, pois é considerada
adepta do bolsonarismo.
A liberdade de expressão existe hoje no
Brasil. Mas o bolsonarismo a interpreta de forma especial, ultrapassando os
limites previstos na lei.
Esses são os falsos temas que os distraem,
porque Bolsonaro nada tem a dizer sobre os verdadeiros problemas do País. Ele
continua se apresentando como vítima, esquecendo-se de que não é mais um
simples candidato, mas precisa responder por seu cargo.
A gestão da pandemia foi um fracasso e a
CPI tem revelado os meandros de uma política de saúde bem próxima das práticas
mafiosas no Ministério da Saúde. A inflação continua castigando e o desemprego
oficialmente registrado é de 14,8 milhões de pessoas. As represas do Sudeste
estão se esvaziando rápido, caminhamos para uma crise hídrica com repercussões
na oferta de energia. Sem contar as outras consequências econômicas da falta de
chuvas, como, por exemplo, o bloqueio das vias fluviais para o transporte de
grãos.
O bolsonarismo não tem resposta para a vida
real e vive de bandeiras artificiais. Ele produz uma grande excitação em sua
base, mas ao mesmo tempo aprofunda seu isolamento do restante do País.
Certamente vão se iludir com milhares de pessoas nas ruas, sem perceber que
milhões os olham indiferentes, receosos ou mesmo hostis aos seus movimentos.
Bolsonaro não sabe para onde conduzir o
Brasil. É um homem que não transcende o universo familiar. De nada adiantam
tanto som e tanta fúria se continuar completamente vazio de sentido político,
gastando sua cota de barbaridades cotidianas.
Nada mais claro sobre sua competência do
que a observação que fez aos emissários do governo americano: Biden, disse ele,
tem obsessão com o meio ambiente e isso nos atrapalha. Um homem que destrói
cotidianamente a potência natural que dirige considera a preocupação do outro
um estorvo, quando, na verdade, deveria encará-la como uma grande oportunidade.
As pessoas que chamam Bolsonaro de
conservador o superdimensionam. Os conservadores têm uma filosofia e em alguns
pontos ela é muito sólida. Bolsonaro é apenas um reacionário sonhando com uma
volta ao regime militar. Com uma concepção destrutiva do meio ambiente,
obscurantista diante da ciência e da cultura, ele canaliza as forças mais
sombrias do País. Ainda são poderosas, mas simplesmente olham para trás e não
terão energia para puxar todo o Brasil para as cavernas ideológicas que
habitam.
Nenhum comentário:
Postar um comentário