Folha de S. Paulo
Reformas socialistas do líder chinês são
pano de fundo da crise da incorporadora
Na segunda-feira, os donos do dinheiro do
mundo tiveram um paniquito daqueles, como se tudo estivesse para ir à breca por
causa do risco
de bancarrota da Evergrande. No dia seguinte, calmaria. Amanhã ou depois,
se gigante chinesa der calote, pode ser que o fim do mundo volte à agenda do
dia. Mas é disso mesmo que se trata, de um problema financeiro gigante, apenas?
Não apenas. A repercussão é grande também
porque os mercados financeiros americanos, em particular, estão estressados por
motivos próprios. Claro, se a “Sempre Grande” virar pó ou se a falência
controlada (pelo governo) fugir do script, contagiando outras empresas e
mercados no país, a economia
chinesa pode crescer menos, com efeitos reais sobre o planeta. De resto, o
contágio financeiro pode estourar bolhas e provocar quebras inesperadas no
“Ocidente”.
No fundo, o caso Evergrande é apenas um caldo que entorna, entre várias fervuras. Os solavancos político-econômicos podem durar mais tempo. Está em curso um programa de reforma de cima para baixo, o xiismo, o plano do líder Xi Jinping, que vem de anos e agora se traduz em choques evidentes entre o Partido Comunista Chinês (PCC) e grandes empresas. No caso da Evergrande, limites oficiais para o endividamento dessas incorporadoras, controles de preços e de empréstimos bancários foram a gota d’água. Outros embates já ocorreram, outros virão.
Em um resumo muito rápido, o xiismo
pretende:
1) Conter a corrupção e o capitalismo de
compadres nas altas esferas: favores privados para obtenção de favores públicos
como crédito subsidiado, concessão de terra, vida mansa para oligopólios etc.,
um caso muito bem contado em “China's Gilded Age: The Paradox of Economic Boom
and Vast Corruption”, livro de Yuen Yuen Ang, da Universidade de Michigan;
2) Conter alianças e compadrios entre
empresas gigantes e seus amigos na cúpula, esquemas que começavam a rivalizar
com o poder do PCC;
3) Controlar o poder das Big Tech, como
Alibaba (a “Amazon” chinesa) e Tencent ou mesmo da ByteDance (dona do
TikTok) e da Didi (aplicativos de transporte), com negócios em ecommerce, redes
sociais, finanças, inteligência artificial, controle de dados, de nuvem etc.
Teriam poder econômico e político excessivo, finanças desreguladas e capacidade
de fazer campanhas contra o PCC;
4) Reduzir o endividamento dos governos
locais, pontas-de-lança do investimento excessivo, com risco potencial de
abalar o sistema bancário;
5) Ter influência, com participação de
capital, nos conselhos ou por regulação dura, nos investimentos da grande
empresa: tem de haver dinheiro para o avanço da manufatura de ponta e
biotecnologia. O capital privado tem de levar em conta a segurança nacional;
6) Conter a especulação imobiliária, o
superendividamento e o superinvestimento, dirigindo de resto tais negócios para
criar habitação popular a preço acessível;
7) Conter a desigualdade; melhorar a
qualidade de empregos; conter o excesso de despesa de capital para favorecer o
consumo das famílias;
8) Evitar o risco de “ocidentalização” nas
redes sociais e mídia em geral;
O governo interveio até em empresas
gigantes de cursinhos privados (a competição educacional é feroz e custa caro
vencê-la, mais um peso sobre as famílias comuns. Tais negócios agora não
poderão ter fins lucrativos) e no conteúdo que é ensinado.
Parece engraçado, mas o xiismo é um plano
de “capitalismo dirigido” na direção do socialismo. Pode causar terremotos
econômicos; pode ir longe, se Xi conseguir ao menos mais cinco anos de poder,
em 2022.
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