quarta-feira, 22 de setembro de 2021

Vinicius Torres Freire - O xiismo de Xi e o tumulto financeiro

Folha de S. Paulo

Reformas socialistas do líder chinês são pano de fundo da crise da incorporadora

Na segunda-feira, os donos do dinheiro do mundo tiveram um paniquito daqueles, como se tudo estivesse para ir à breca por causa do risco de bancarrota da Evergrande. No dia seguinte, calmaria. Amanhã ou depois, se gigante chinesa der calote, pode ser que o fim do mundo volte à agenda do dia. Mas é disso mesmo que se trata, de um problema financeiro gigante, apenas?

Não apenas. A repercussão é grande também porque os mercados financeiros americanos, em particular, estão estressados por motivos próprios. Claro, se a “Sempre Grande” virar pó ou se a falência controlada (pelo governo) fugir do script, contagiando outras empresas e mercados no país, a economia chinesa pode crescer menos, com efeitos reais sobre o planeta. De resto, o contágio financeiro pode estourar bolhas e provocar quebras inesperadas no “Ocidente”.

No fundo, o caso Evergrande é apenas um caldo que entorna, entre várias fervuras. Os solavancos político-econômicos podem durar mais tempo. Está em curso um programa de reforma de cima para baixo, o xiismo, o plano do líder Xi Jinping, que vem de anos e agora se traduz em choques evidentes entre o Partido Comunista Chinês (PCC) e grandes empresas. No caso da Evergrande, limites oficiais para o endividamento dessas incorporadoras, controles de preços e de empréstimos bancários foram a gota d’água. Outros embates já ocorreram, outros virão.

Em um resumo muito rápido, o xiismo pretende:

1) Conter a corrupção e o capitalismo de compadres nas altas esferas: favores privados para obtenção de favores públicos como crédito subsidiado, concessão de terra, vida mansa para oligopólios etc., um caso muito bem contado em “China's Gilded Age: The Paradox of Economic Boom and Vast Corruption”, livro de Yuen Yuen Ang, da Universidade de Michigan;

2) Conter alianças e compadrios entre empresas gigantes e seus amigos na cúpula, esquemas que começavam a rivalizar com o poder do PCC;

3) Controlar o poder das Big Tech, como Alibaba (a “Amazon” chinesa) e Tencent ou mesmo da ByteDance (dona do TikTok) e da Didi (aplicativos de transporte), com negócios em ecommerce, redes sociais, finanças, inteligência artificial, controle de dados, de nuvem etc. Teriam poder econômico e político excessivo, finanças desreguladas e capacidade de fazer campanhas contra o PCC;

4) Reduzir o endividamento dos governos locais, pontas-de-lança do investimento excessivo, com risco potencial de abalar o sistema bancário;

5) Ter influência, com participação de capital, nos conselhos ou por regulação dura, nos investimentos da grande empresa: tem de haver dinheiro para o avanço da manufatura de ponta e biotecnologia. O capital privado tem de levar em conta a segurança nacional;

6) Conter a especulação imobiliária, o superendividamento e o superinvestimento, dirigindo de resto tais negócios para criar habitação popular a preço acessível;

7) Conter a desigualdade; melhorar a qualidade de empregos; conter o excesso de despesa de capital para favorecer o consumo das famílias;

8) Evitar o risco de “ocidentalização” nas redes sociais e mídia em geral;

O governo interveio até em empresas gigantes de cursinhos privados (a competição educacional é feroz e custa caro vencê-la, mais um peso sobre as famílias comuns. Tais negócios agora não poderão ter fins lucrativos) e no conteúdo que é ensinado.

Parece engraçado, mas o xiismo é um plano de “capitalismo dirigido” na direção do socialismo. Pode causar terremotos econômicos; pode ir longe, se Xi conseguir ao menos mais cinco anos de poder, em 2022.

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