quarta-feira, 22 de setembro de 2021

Hélio Schwartsman - Você teve vergonha de Bolsonaro?

Folha de S. Paulo

Você sentiu vergonha de ser brasileiro com a viagem de Bolsonaro a Nova York? Eu senti. Motivos não faltaram.

discurso do presidente na ONU foi, ao mesmo tempo, fraco e mentiroso. Quando um autor decide que não irá curvar-se aos imperativos da realidade nem da verossimilhança, espera-se que pelo menos produza uma peça de ficção grandiosa. Bolsonaro não fez isso. Insistiu em suas obsessões paroquianas, embarcou na autoglorificação delirante e não disse nada que preste.

E o discurso não foi o ponto mais embaraçoso da viagem. Não passou despercebido ao mundo que, se Bolsonaro não é o único líder que ainda não se vacinou, é o único que faz questão de propagandeá-lo. Foi ridicularizado por isso pelo prefeito de Nova York, Bill de Blasio, que lhe passou uma lista dos postos de vacinação em operação na cidade. Mesmo o premiê britânico, Boris Johnson, um dos poucos dirigentes de país ocidental que topa aparecer ao lado de Bolsonaro, tirou uma casquinha, recomendando ao brasileiro que tomasse o imunizante da AstraZeneca. A foto da comitiva comendo pizza na rua fala por si só.

Eu fiquei particularmente chocado com a cena do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, fazendo gestos obscenos para pessoas que se manifestavam contra Bolsonaro. Se fosse um dos ministros militares a encenar a pantomima, ao menos o estereótipo do soldado valentão teria sido honrado. O titular da Saúde, porém, deveria ser o auxiliar do presidente que mais se pauta pela temperança e pelo cálculo racional.

A vergonha é um sentimento social, isto é, que azeita a vida em comunidade. Quando eu enrubesço de vergonha por ter violado uma norma social, estou paradoxalmente sinalizando que reconheço e aceito as regras. Sou, portanto, confiável. O sentido evolutivo de sentir vergonha por violações cometidas por terceiros é menos claro. Espero que sirva ao menos para que as pessoas não votem mais no violador.

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