Folha de S. Paulo
Você sentiu vergonha de ser brasileiro com
a viagem de Bolsonaro a Nova York? Eu senti. Motivos não faltaram.
O discurso
do presidente na ONU foi, ao mesmo tempo, fraco e mentiroso. Quando um
autor decide que não irá curvar-se aos imperativos da realidade nem da
verossimilhança, espera-se que pelo menos produza uma peça de ficção grandiosa.
Bolsonaro não fez isso. Insistiu em suas obsessões paroquianas, embarcou na
autoglorificação delirante e não disse nada que preste.
E o discurso não foi o ponto mais embaraçoso da viagem. Não passou despercebido ao mundo que, se Bolsonaro não é o único líder que ainda não se vacinou, é o único que faz questão de propagandeá-lo. Foi ridicularizado por isso pelo prefeito de Nova York, Bill de Blasio, que lhe passou uma lista dos postos de vacinação em operação na cidade. Mesmo o premiê britânico, Boris Johnson, um dos poucos dirigentes de país ocidental que topa aparecer ao lado de Bolsonaro, tirou uma casquinha, recomendando ao brasileiro que tomasse o imunizante da AstraZeneca. A foto da comitiva comendo pizza na rua fala por si só.
Eu fiquei particularmente chocado com a
cena do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, fazendo gestos obscenos para
pessoas que se manifestavam contra Bolsonaro. Se fosse um dos ministros
militares a encenar a pantomima, ao menos o estereótipo do soldado valentão
teria sido honrado. O titular da Saúde, porém, deveria ser o auxiliar do
presidente que mais se pauta pela temperança e pelo cálculo racional.
A vergonha é um sentimento social, isto é,
que azeita a vida em comunidade. Quando eu enrubesço de vergonha por ter
violado uma norma social, estou paradoxalmente sinalizando que reconheço e
aceito as regras. Sou, portanto, confiável. O sentido evolutivo de sentir
vergonha por violações cometidas por terceiros é menos claro. Espero que sirva
ao menos para que as pessoas não votem mais no violador.
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