O Globo
Enquanto Jair Bolsonaro enfileirava
mentiras, mistificações, negacionismo científico e climático e completas
alucinações, não necessariamente nessa ordem, em seu discurso na abertura da
Assembleia Geral das Nações Unidas, Brasília respirava outros ares.
Na capital federal, fora do Planalto e dos
ministérios, o que o presidente fala perdeu ainda mais valor de face depois do
7 de Setembro. O recuo a que foi forçado e em que foi ajudado por Michel Temer
foi necessário para que o país não colapsasse, avaliam autoridades do
Legislativo, do Judiciário e do Ministério Público por cujos gabinetes fiz uma
ronda nesta terça-feira quente e seca em Brasília.
A constatação é que Bolsonaro mostrou-se
incapaz de dar um golpe de qualquer natureza, mas as instituições também não
têm, hoje, meios de expeli-lo, porque faltam rua e apoio congressual ao
impeachment.
O que os que têm caneta fazem, neste momento, é traçar um plano de contingência para atravessar a seca de 1 ano e três meses de Bolsonaro sem que ele consiga dilapidar o pouco que resta de institucionalidade e de direitos.
E é nisso que trabalham, em conversas,
acordos e ensaios que excluem o presidente e, vez por outra, incluem alguns de
seus interlocutores mais próximos que não foram totalmente bolsonarizados e com
quem ainda é possível estabelecer algum diálogo (o que não é o caso de
ministros que enveredaram de vez para a cafajestagem, como Marcelo Queiroga e
Wagner Rosário demonstraram ter feito nestes últimos dias).
O tema crucial nessas conversas é o
Orçamento de 2022. Não estão dadas as saídas para o nó dos precatórios, as
explosivas emendas do relator (leia-se orçamento secreto) e o custeio do
Auxílio Brasil.
De volta de sua excursão vexaminosa a Nova
York, Bolsonaro voltará a pressionar para que tudo isso caiba no teto, mas
enfrentará dificuldades e resistência. A começar, de novo, do STF. Pode vir do
gabinete da ministra Rosa Weber um freio à farra escandalosa das emendas do
relator. Ela estaria disposta a limitar e disciplinar o mecanismo que
transformou Arthur Lira no homem mais poderoso da República, disposto por isso
a livrar o presidente do impeachment.
Caso isso aconteça, uma parcela importante
da base que ainda se prende a Bolsonaro pode começar a desgarrar. Essas emendas
são o combustível eleitoral que irriga as campanhas desde já. Mexer nelas
significa embaralhar as cartas político-eleitorais de forma imprevisível.
Da mesma forma, o arranjo para o Auxílio
Brasil ainda não está feito. O aumento do IOF proposto por Paulo Guedes
desagradou a gregos e troianos e não assegura os recursos para 2022, razão por
que o ministro João Roma tem visitado parlamentares e outras autoridades
ressuscitando a ideia de prorrogar o auxílio emergencial com base em créditos
extraordinários. Não é uma saída ortodoxa, e não é consensual nem mesmo dentro
do governo, o que mostra que vêm mais chuvas e trovoadas por aí no tema que
mais interessa ao presidente (depois da cloroquina, do voto impresso e de
outras fantasias de sua mente).
Ainda nesse campo da insegurança
orçamentária, um dia com conversas olho no olho com quem decide reforçou algo
sobre o que venho alertando o leitor há semanas: a saída para os precatórios
exigirá que o governo mostre que tem base no Congresso, algo bastante
gelatinoso, ainda mais se as emendas do relator subirem no telhado.
Por fim, na equação da Brasília sem
Bolsonaro existe a muralha do Senado, onde já pararam a minirreforma
trabalhista e a medida provisória que revogava parte do Marco Civil da
Internet. Nessa blindagem de um Rodrigo Pacheco cada vez mais sondado para ser
candidato, devem parar o projeto siamês que Bolsonaro mandou para liberar geral
as barbaridades na internet e boa parte do Código Eleitoral.
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