quarta-feira, 22 de setembro de 2021

Vera Magalhães - Brasília sem presidente

O Globo

Enquanto Jair Bolsonaro enfileirava mentiras, mistificações, negacionismo científico e climático e completas alucinações, não necessariamente nessa ordem, em seu discurso na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, Brasília respirava outros ares.

Na capital federal, fora do Planalto e dos ministérios, o que o presidente fala perdeu ainda mais valor de face depois do 7 de Setembro. O recuo a que foi forçado e em que foi ajudado por Michel Temer foi necessário para que o país não colapsasse, avaliam autoridades do Legislativo, do Judiciário e do Ministério Público por cujos gabinetes fiz uma ronda nesta terça-feira quente e seca em Brasília.

A constatação é que Bolsonaro mostrou-se incapaz de dar um golpe de qualquer natureza, mas as instituições também não têm, hoje, meios de expeli-lo, porque faltam rua e apoio congressual ao impeachment.

O que os que têm caneta fazem, neste momento, é traçar um plano de contingência para atravessar a seca de 1 ano e três meses de Bolsonaro sem que ele consiga dilapidar o pouco que resta de institucionalidade e de direitos.

E é nisso que trabalham, em conversas, acordos e ensaios que excluem o presidente e, vez por outra, incluem alguns de seus interlocutores mais próximos que não foram totalmente bolsonarizados e com quem ainda é possível estabelecer algum diálogo (o que não é o caso de ministros que enveredaram de vez para a cafajestagem, como Marcelo Queiroga e Wagner Rosário demonstraram ter feito nestes últimos dias).

O tema crucial nessas conversas é o Orçamento de 2022. Não estão dadas as saídas para o nó dos precatórios, as explosivas emendas do relator (leia-se orçamento secreto) e o custeio do Auxílio Brasil.

De volta de sua excursão vexaminosa a Nova York, Bolsonaro voltará a pressionar para que tudo isso caiba no teto, mas enfrentará dificuldades e resistência. A começar, de novo, do STF. Pode vir do gabinete da ministra Rosa Weber um freio à farra escandalosa das emendas do relator. Ela estaria disposta a limitar e disciplinar o mecanismo que transformou Arthur Lira no homem mais poderoso da República, disposto por isso a livrar o presidente do impeachment.

Caso isso aconteça, uma parcela importante da base que ainda se prende a Bolsonaro pode começar a desgarrar. Essas emendas são o combustível eleitoral que irriga as campanhas desde já. Mexer nelas significa embaralhar as cartas político-eleitorais de forma imprevisível.

Da mesma forma, o arranjo para o Auxílio Brasil ainda não está feito. O aumento do IOF proposto por Paulo Guedes desagradou a gregos e troianos e não assegura os recursos para 2022, razão por que o ministro João Roma tem visitado parlamentares e outras autoridades ressuscitando a ideia de prorrogar o auxílio emergencial com base em créditos extraordinários. Não é uma saída ortodoxa, e não é consensual nem mesmo dentro do governo, o que mostra que vêm mais chuvas e trovoadas por aí no tema que mais interessa ao presidente (depois da cloroquina, do voto impresso e de outras fantasias de sua mente).

Ainda nesse campo da insegurança orçamentária, um dia com conversas olho no olho com quem decide reforçou algo sobre o que venho alertando o leitor há semanas: a saída para os precatórios exigirá que o governo mostre que tem base no Congresso, algo bastante gelatinoso, ainda mais se as emendas do relator subirem no telhado.

Por fim, na equação da Brasília sem Bolsonaro existe a muralha do Senado, onde já pararam a minirreforma trabalhista e a medida provisória que revogava parte do Marco Civil da Internet. Nessa blindagem de um Rodrigo Pacheco cada vez mais sondado para ser candidato, devem parar o projeto siamês que Bolsonaro mandou para liberar geral as barbaridades na internet e boa parte do Código Eleitoral.

 

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