Correio Braziliense
Uma crise chinesa agora seria
muito ruim para o Brasil. Em primeiro lugar, aumentaria a cautela dos
investidores — no nosso caso, agravada pela crise fiscal
O discurso do presidente Jair Bolsonaro, na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), confirmou o que aqui já se sabia, embora tenha assombrado o mundo: nosso governante vive num país imaginário, que governa para uma bolha de eleitores que acreditam na sua ficção. O país real, porém, foi tangenciado quando Bolsonaro falou do agronegócio e de infraestrutura, os dois setores do seu governo que, numa análise fria e não-maniqueísta, vão bem, obrigado. Uma segunda bolha no horizonte, porém, pode formar uma tempestade perfeita: a crise de liquidez da Evergrande, uma das principais imobiliárias chinesas e a incorporadora mais endividada do mundo. Uma crise na economia da China é tudo o que o Brasil não precisa neste momento, pelo poder desarticulador que teria tanto nas nossas exportações de commodities agrícolas e de minérios quanto nos investimentos em infraestrutura.
A empresa é segunda maior do mercado
chinês. Fundada em 1996, opera projetos de construção em 280 cidades, além de
atuar no mercado de veículos elétricos, na mídia e no entretenimento. Tem até
um clube de futebol profissional: o Guangzhou Evergrande, no qual jogam os
brasileiros Alan Carvalho, Aloísio, Elkeson, Fernando e Ricardo Goulart.
Sediada em Shenzhen, a Evergrande tem dívidas no valor de mais de US$ 300
bilhões (cerca de R$ 1,61 trilhão), equivalentes a 2% do PIB chinês. Credores
exigem o pagamento até amanhã de US$ 84 milhões (R$ 450 milhões) de seus
títulos offshore, e outros US$ 47,5 milhões de dólares (cerca de R$ 255
milhões) na próxima semana.
Na segunda-feira, houve certo pânico no
mercado, embora fosse feriado na China. O preço das ações da empresa caiu 10%
na Bolsa de Hong Kong. O índice Hang Seng Imobiliário caiu 7%, chegando aos
piores patamares desde 2016. As perdas foram replicadas nos mercados europeu e
norte-americano. A Bolsa brasileira fechou a segunda-feira em queda de 2,33%
após operar o dia inteiro em baixa, mas, ontem, se acalmou. No fundo, há uma
grande interrogação em relação à economia chinesa, que deve crescer menos do
que a Índia neste ano — 6,7% e 5,7%, respectivamente.
A dívida total da China é mais de 300% de
seu Produto Interno Bruto. O presidente Xi Jinping desde 2017 tenta controlar a
dívida do país. A China caminha para um novo modelo de crescimento baseado em
serviços, consumo e no setor privado, menos dependente do Estado, mas ainda
está longe disso. A interrogação sobre a Evergrande decorre de que o Banco
Central chinês vem numa linha de restrição de créditos. Em contrapartida, a
economia chinesa é muito robusta, o governo tem grande poder de intervenção na
economia e, no ano passado, investidores estrangeiros injetaram mais de US$ 150
bilhões no mercado financeiro chinês.
Infraestrutura
A China é o principal parceiro comercial do Brasil. Isso tem um impacto enorme
na nossa estrutura produtiva, cuja infraestrutura foi montada para o Atlântico
e precisa ser redirecionada para o Pacífico. Além de serem grandes consumidores
de nossos minérios e produtos agrícolas, os chineses têm todo interesse em
investir no Brasil, inclusive na infraestrutura. O programa de US$ 100 bilhões
em novos investimentos e os US$ 23 bilhões em outorgas, na área de
infraestrutura, com a privatização de 34 aeroportos e 29 terminais portuários,
além de investimentos privados da ordem de US$ 15 bilhões em ferrovias,
destacados por Bolsonaro na ONU, estão alavancados pela balança comercial com a
China.
Uma crise chinesa agora seria muito ruim
para o Brasil. Em primeiro lugar, aumentaria a cautela dos investidores de um
modo geral — no nosso caso, agravada pela crise fiscal, que provoca elevação de
juros e alta do dólar. Hoje, na reunião do Copom, segundo o mercado, os juros
devem subir mais 1 ponto percentual. No Congresso, a agenda que está sendo
implementada pelo Centrão não tem nenhum compromisso com o equilíbrio fiscal e
com a segurança jurídica. Cálculos de especialistas estimam uma explosão no
deficit público, que pode chegar a R$ 1,5 trilhão em 10 anos. Reforma do
Imposto de Renda, PEC dos precatórios, vale-gás, Refis, desoneração da folha,
subsídio ao diesel, fundo social de privatizações compõem a pauta bomba.
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