Folha de S. Paulo
Presidente reforça pacto com apoiadores
fiéis e mostra que não se arrepende de negacionismo
O Jair Bolsonaro que subiu ao púlpito da
Assembleia-Geral da ONU é o mesmo que desfila pelo cercadinho do Palácio da
Alvorada. O presidente brasileiro levou
ao evento sua cruzada conservadora e tentou maquiar a realidade para
esconder fracassos do governo. Reforçou seu compromisso com o morticínio da
pandemia e com uma agenda de desgaste da democracia.
Bolsonaro não abre mão do posto de garoto
propaganda global do negacionismo científico. O presidente repetiu a defesa
de remédios ineficazes contra a Covid-19 e mostrou que não se arrepende de ter
patrocinado uma política de exposição intencional da população ao vírus.
Diante de muitos governantes que seguiram pesquisas sérias, o brasileiro atacou aqueles que recusaram o uso indiscriminado da cloroquina. "A história e a ciência saberão responsabilizar a todos", disse Bolsonaro, possivelmente em busca de reconhecimento internacional como charlatão.
O presidente mostrou ao mundo que não ficou
satisfeito com os prejuízos que causou ao país até agora. Ele quer mais. Além
de criticar medidas de distanciamento tomadas por governadores e prefeitos,
Bolsonaro disse que o governo é contra
a adoção do passaporte sanitário, que pode restringir a circulação de não
vacinados como ele.
Num aceno espalhafatoso a sua base radical,
o presidente celebrou os atos pró-governo de 7 de setembro e mentiu ao dizer
que aquela era a "maior manifestação da nossa história". Provou, mais
uma vez, que não vai deixar de lado as manobras
populistas para pressionar o STF e alargar os limites de seu poder.
O brasileiro reproduziu técnicas que usa
nos encontros quase diários com apoiadores: apresentou o governo como um
bem-sucedido exemplo de combate ao fantasma do socialismo, escondeu dados
negativos do desmatamento e pintou um quadro de bonança econômica que ignora
a penúria de milhões de cidadãos.
Nenhum ator político sério na arena
internacional acredita que Bolsonaro tem interesse na preservação ambiental, na
moderação política, na defesa irrestrita da democracia e na saúde da população.
O presidente aproveitou o ceticismo e fez o que sabe fazer: reafirmou um pacto
com sua base fiel.
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