Correio Braziliense, 21/9/2021
Em coluna no Correio Brasiliense, Luiz Carlos
Azedo, além da honra de colocar-me ao lado de Paulo Freire, Darcy Ribeiro e
Anísio Teixeira, me provocou com o título “Onde perdemos o rumo”, na véspera do
bicentenário da Independência: estancados na economia, com pobreza e violência
nas ruas e democracia fragilizada.
Nascemos sob o rumo insustentável da economia
baseada no trabalho escravo para produção agrícola e mineradora, voltada para
exportação. Atravessamos assim 350 dos 500 anos da história, e até hoje temos a
economia semi-primária e semi-escravocrata. Fomos governados por populismo ou
ditadura, com sistemático desrespeito ao equilíbrio fiscal, insensibilidade às necessidades
sociais e urbanas, permanente concentração de renda, depredação ambiental.
Tentamos rumo baseado em fazendas, minas, lojas, indústrias, estradas,
hidrelétricas, uma nova capital, nunca em escolas.
Perdemos o rumo quando o quase Imperador gritou “Independência ou Morte” em vez de “Independência e Escola”; ou por esperarmos 350 anos para erradicar o escravismo e a Princesa assinar a Lei Áurea com o único artigo abolindo a escravidão, sem estes outros: “a terra pertence a quem nela produz” e “fica estabelecido um sistema nacional de educação para todos”. A bandeira republicana adotou o lema escrito “Ordem e Progresso”, em vez de “Educação é Progresso”, e até hoje não abolimos o analfabetismo: 12 milhões de adultos não reconhecem a própria bandeira.
Perdemos o rumo ao demorarmos 420 anos para
criar nossa primeira universidade; ao implantarmos industrialização
ineficiente, que tirou recursos da infraestrutura social e provocou inflação
para cobrir custos do protecionismo; ao adotarmos o desenvolvimento sem
sustentabilidade monetária, ecológica, fiscal, urbana, cultural ou política; e
por até hoje não montarmos um Estado eficiente, democrático e republicano. Mas
a causa principal do nosso descaminho tem sido o desprezo endêmico à educação
em geral e a aceitação da desigualdade, conforme a renda e o endereço do aluno.
Chegamos ao terceiro centenário da
independência, na Era do Conhecimento, sem uma população que leia e escreva bem
português, fale outros idiomas, saiba matemática e ciências, conheça os
problemas do mundo, use modernas ferramentas digitais e domine um ofício
profissional. Perdemos o rumo ao imaginar que a boa educação é consequência do
crescimento e da democracia, em vez de entendermos que crescimento sustentável
e democracia sólida são consequências da educação.
A história de outros países mostra que a
educação não ficou boa porque eles ficaram ricos, mas que ficaram ricos porque
a educação era boa. Foi assim na Europa Ocidental e na América do Norte, desde
o século XIX; na Irlanda, Coréia do Sul e Finlândia, desde meados do século XX.
Foi a educação de qualidade que lhes deu base para elevar a renda social e
distribuí-la com justiça, ainda que também graças à abertura comercial, finanças
públicas equilibradas e instituições democráticas sólidas, capazes de liberar o
talento das pessoas educadas. Cada vez mais a educação será o vetor do
progresso econômico, a plataforma da distribuição de renda e da justiça social,
a argamassa do regime democrático e o enlace para a sustentabilidade. Sem levar
isso em conta, não encontraremos o rumo para o futuro que desejamos e para o
qual temos potencial.
A educação é tão importante que, por falta
dela, ainda não conseguimos perceber sua importância; agimos como pessoa
perdida que não sabe para que serve o mapa que tem em mãos. Os traficantes
usavam força para não deixar os escravos saltarem ao mar, porque os viam como
mercadoria de valor, mas nós não damos condições para nossas crianças
permanecerem em escola com qualidade até o fim do ensino médio, porque não as
vemos como principal instrumento da criação de riqueza para o país.
Por isso, não aceitamos que o rumo está em
escola de máxima qualidade para todos: não acreditamos que o Brasil pode ter
uma educação das melhores do mundo, nem que seja possível no Brasil a educação
ter a mesma qualidade para todos, independentemente da renda e do endereço da
criança.
Temos recursos para implantar um Sistema Único de Educação de Base com qualidade. Não podemos adiar este rumo. É possível financeira e tecnicamente, também politicamente se entendermos que educação é o vetor do progresso, e moralmente, se percebermos a indecência e estupidez de não garantir que a qualidade seja a mesma para todos.
*Professor Emérito da UnB e membro da Comissão Internacional da Unesco para o Futuro da Educação
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