O Globo
Os canadenses da província de Québec deram
a maior bandeira: o número de vacinados com a primeira dose disparou depois que
o governo local baixou a regra segundo a qual o cidadão só poderia comprar
álcool e maconha apresentando o passaporte da vacina. Note-se: lá a maconha é
legal até para “fins recreativos”, ou seja, para um baseado.
Não vai aqui nenhuma crítica aos moradores
de Québec, mesmo porque, certamente, é a minoria que consome bebidas e a erva.
Ok, pode ser uma minoria expressiva, não importa. O objetivo é mostrar como os
governos pelo mundo têm sido criativos na tarefa de estimular ou mesmo forçar a
vacinação.
Ainda em Québec, o primeiro-ministro François Legault avalia cobrar um imposto dos não vacinados. Argumenta que eles adoecem mais e transmitem a Covid-19 a um número maior de pessoas, tudo isso sobrecarregando a rede pública de saúde. Logo, como geram mais gasto público, devem pagar por isso.
O mesmo princípio foi adotado pelo primeiro-ministro
da Alemanha, o social-democrata Olaf Scholz, quando sugeriu que a vacina
deveria ser obrigatória para todos os adultos. De novo, os não vacinados geram
custos públicos e sociais. A medida vai a debate no Parlamento.
O princípio é o seguinte: liberdade e
direitos individuais têm limites. O cidadão não pode recusar a vacina e sair
por aí infectando os outros, sobrecarregando a rede de saúde. Simples assim: se
o exercício de um suposto direito individual fere o direito dos outros e
prejudica a sociedade, então prevalece o direito dos outros e da sociedade.
A Suprema Corte dos Estados Unidos derrubou
uma portaria do presidente Biden que impunha regras para as empresas com mais
de cem empregados. Pela norma, a empresa deveria exigir certificado de vacina
dos funcionários. Os que se recusassem deveriam fazer teste semanalmente.
A decisão foi por seis votos a três,
claramente dividida entre juízes conservadores e progressistas, estes lá
chamados de liberais. Os conservadores valorizam mais os direitos individuais,
e os progressistas o interesse coletivo e social. A decisão, entretanto,
baseou-se num argumento, digamos, técnico. O presidente não teria o poder de
baixar aquela portaria sem autorização do Congresso.
Certo, mas o debate nos EUA não raro cai nesse
ponto. O cidadão tem o direito de escolher entre vacinar-se ou não?
A resposta totalmente correta seria esta:
tem o direito, mas o não vacinado por opção não pode circular onde cause o
risco de transmitir o vírus. E, se ficar doente, os custos do tratamento não
serão cobertos pelo setor público nem pelos seguros privados.
A questão está longe de ser atual. No
Brasil, já houve uma revolta sangrenta contra a obrigatoriedade da vacina da
varíola, em 1904.
A lei foi suspensa, mas um novo surto de
varíola no Rio levou a população a correr aos postos de vacinação. Hoje, os
brasileiros mostram forte adesão às vacinas e, por isso, entre outros motivos,
desaprovam cada vez mais o presidente Bolsonaro e seu ridículo negacionismo.
Mas, como subsistem aqui e ali resistências
à vacina, é preciso criar regras que forcem a imunização.
Governos estão empenhados nisso, mas também
estabelecimentos privados. Nas estações de esqui na Suíça, segundo me conta um
conhecido, bares e restaurantes adotaram a seguinte regra: o cliente tem de
fazer o teste rápido, fornecido, e cobrado, pelo estabelecimento antes de
entrar. Se deu positivo, está fora. Negativo, está dentro. O que foi pago pelo
teste é descontado na conta.
Simples, não é mesmo? O teste é de fácil
aplicação, o resultado sai na hora. Aliás, eis mais um argumento a favor da
liberação do autoteste e da ampla distribuição e comercialização dos testes.
O prefeito Eduardo Paes gostou da regra de
Québec, assim meio de brincadeira. Poderia adotá-la.
Não se pode dizer que ir ao bar seja um
direito sagrado do ser humano — embora muitos pensem assim. Negar a entrada
para os positivados não configura violação de direitos. Vale como exemplo:
estimular e/ou forçar a vacinação é legal.
Nenhum comentário:
Postar um comentário