Folha de S. Paulo
É preciso manter algum senso de
proporcionalidade nas punições
Tinha razão o Montesquieu. A separação dos
Poderes é fundamental. Colocando de outra forma, é um perigo deixar os juízes
legislarem.
Não sou muito impressionável, mas confesso que fiquei chocado ao ler, na reportagem de Ranier Bragon sobre as cotas de fundo eleitoral para mulheres e negros, que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) baixou resoluções que preveem que uso de "candidaturas femininas fictícias" acarretará a cassação de diplomas ou mandatos de todos os candidatos da chapa partidária, "independentemente de prova de sua participação, ciência ou anuência". Pior, o dispositivo vem sendo aplicado por alguns tribunais eleitorais, ainda que não haja uniformidade nas decisões.
Não tenho nada contra aplicar castigos a
quem descumpra normas, mas é preciso manter algum senso de proporcionalidade.
Ao atacar o problema com mão pesada, cassando todos os eleitos, tenham ou não
participado da irregularidade, o TSE incorre numa forma de punição coletiva.
Pode até ser que funcione, mas há muitas coisas que funcionam e, ainda assim,
nos recusamos a utilizar.
Os generais romanos puniam a covardia em
suas fileiras matando cada décimo legionário, independentemente do que aquele
soldado em particular houvesse feito. Daí o termo "dizimar".
Funcionava. Os nazistas fuzilavam dez civis
para cada soldado alemão morto em ações da resistência. Também
funcionava. Nós poderíamos capturar as mães de criminosos foragidos e ameaçar
matá-las se eles não se entregarem. Acho que funcionaria.
A punição escolhida pelo TSE não só vai contra fundamentos do direito penal, como a individualização da culpa, mas também viola o contrato básico da democracia, pois priva o eleitor de representantes que ele escolheu. Mesmo para os que, como eu, têm uma quedinha pelo consequencialismo, a norma é, no longo prazo, contraproducente, já que reduz a confiança do cidadão na ideia de uma Justiça equilibrada.
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