O Estado de S. Paulo.
É preciso entender as carências sociais e apresentar propostas concretas para os os evangélicos
Tabata Amaral já leu, Marcelo Freixo já leu
e Lula está lendo. O livro da moda entre os políticos da centro-esquerda é Povo
de Deus, do antropólogo Juliano Spyer, da Universidade de São Paulo. Trata-se
de uma análise acurada, cheia de pesquisas e referências, sobre os evangélicos
brasileiros.
É fácil compreender o interesse. Os evangélicos
constituem 30% da população brasileira, e 2/3 deles votaram em Jair Bolsonaro
em 2018. Nas contas do demógrafo José Eustáquio Diniz Alves, da Escola Nacional
de Ciências Estatísticas, a diferença em favor de Bolsonaro no eleitorado
evangélico foi de 11,6 milhões de votos. Um contingente que teve peso decisivo
– a distância para Fernando Haddad, no segundo turno, foi de apenas 10,7
milhões de votos.
Juliano Spyer não era, originalmente, um estudioso de religião. Esbarrou no tema ao fazer pesquisas antropológicas sobre brasileiros vulneráveis – sua verdadeira especialidade. Ele parte da constatação de que o Brasil viveu nos últimos 50 anos um dos maiores movimentos migratórios da história. Os brasileiros que vieram do interior acabaram se instalando nas periferias das grandes cidades, muitas vezes em condições precárias – sem saneamento, sem segurança, sem saúde e sem educação.
As igrejas evangélicas ocuparam essa
lacuna. “Em muitas comunidades, construíram mais creches que o poder público”,
diz Spyer, entrevistado no mini-podcast da semana. Para ele, esses migrantes
passaram a ter como referências principais a família e a religião.
“Os progressistas perderam o contato com as
classes populares, até porque poucos realmente frequentam a periferia”, diz Spyer.
“Bolsonaro se apropriou do discurso da família tradicional de forma veemente. O
presidente não precisa falar aos progressistas, que nunca votariam nele.”
A luta pelo voto evangélico promete ser
dura. Uziel Santana, da Associação Nacional dos Juristas Evangélicos, está
costurando uma aproximação de Sérgio Moro com o segmento. Para a
centro-esquerda há uma boa notícia: nas últimas pesquisas, Lula vem dividindo o
eleitorado evangélico com Bolsonaro – não é raro o caso de quem, em diferentes
eleições, tenha votado tanto em Lula quanto em Bolsonaro.
O livro de Spyer traz uma lição para liberais e progressistas, que muitas vezes têm ideias preconcebidas sobre eleitores religiosos. Para conquistar o voto da comunidade evangélica, principalmente na população mais vulnerável, é preciso compreender seu contexto e carências sociais – e colocar na mesa propostas concretas para resolver essas carências.
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