Revista Veja
O diretor presidente da Anvisa deu a senha
sobre a melhor maneira de combater as malfeitorias do presidente da República
Antonio Barra Torres fez mais que chamar às
falas e enquadrar Jair Bolsonaro aos bons costumes ao pedir que provasse ou se
retratasse das insinuações sobre os propósitos da Anvisa ao autorizar a
vacinação de crianças contra a Covid. O diretor presidente da agência deu a
senha sobre a melhor maneira de combater as malfeitorias do presidente da
República.
Perde-se tempo, energia e a chance de
celebrar uma aliança entre civilidade, boa governança e eficácia político-eleitoral
ao se optar por ataques de adjetivos. Isso havendo uma enorme quantidade de
razões substantivas as quais o dito adversário não consegue enfrentar.
Chamar Bolsonaro de genocida, homofóbico,
racista e ir cuidar dos afazeres como se cumprida a tarefa de fazer oposição na
base do insulto é jogar na arena da grosseria em que ele foi criado e treinado.
Um campo onde é imbatível.
Esse filme esteve em cartaz em 2018 e já sabemos quem sobreviveu (e quem morreu) no final. Usaram-se muitas palavras em relação ao passado do então deputado, mas não se fez a contestação de conteúdo à capacidade de governar do candidato a presidente nem ao modo como iria lidar com as questões urgentes do país.
Jair Bolsonaro não saberia como rebater
esse tipo de cobrança, conforme ficou comprovado ao longo dos três anos de
governo nas ocasiões em que foi tratado com objetividade e seriedade, a
exemplo da reação do almirante da reserva, o médico Barra Torres, que não
emitiu um som acima do limite da boa educação e, ainda assim, deixou Bolsonaro
sem resposta.
O presidente não se retratou nem comprovou.
Apenas balbuciou um queixume sobre a “agressividade” da reação de Barra Torres
e renovou suas insinuações genéricas. “Algo há” por trás na Anvisa, disse ele,
faltando alguém lembrar que, se “algo houve” em termos de interesses escusos
nas vacinas, ocorreu no Ministério da Saúde, conforme relevado pela CPI da Pandemia.
Quanto a essa questão, o presidente nunca
deu resposta. Preferiu se recolher ao quentinho da teoria da perseguição. É
praxe: quando a realidade se impõe e é trazida à luz, Jair Bolsonaro se retrai.
Pode até dar uma leve estrebuchada, mas em geral se cala ou ameniza.
O presidente silenciou diante da
determinação ao comandante do Exército, general Paulo Sérgio de Oliveira, de
cobrar a vacinação como pré-requisito à volta ao trabalho da tropa, que, pela
regra, está também impedida de disseminar notícias falsas.
Circulou uma ideia de divulgação de nota
para aplacar a irritação do presidente, mas não foi adiante. A risca de giz
traçada pelo general enquadrou Bolsonaro, que dentro dela ficou.
Circunscrita a limites também ficou a
valentia de Bolsonaro ao pedido de socorro a Michel Temer quando o Supremo
Tribunal Federal avisou ao Planalto que o preço do avanço dos atos
presidenciais no 7 de Setembro seria o STF chancelar um pedido de impeachment à
Câmara dos Deputados.
Ao seu jeito (meio torto), o Congresso
também colocou freios no presidente. Pesquisa da Fundação Getulio Vargas-SP,
publicada na Folha de
S.Paulo, mostra que Bolsonaro foi o presidente que menos impôs sua
agenda ao Legislativo.
De acordo com a pesquisa, o atual
presidente teve mais medidas provisórias recusadas que todos os antecessores,
embora tenha sido recordista na apresentação de MPs. É também o governante com
o índice mais elevado de vetos derrubados, dez até agora. Lula teve zero;
Dilma, três, o mesmo número de Temer. Isso sem contar a paralisação da dita
pauta conservadora de costumes.
Pode-se dizer aí que Bolsonaro foi
enquadrado à realidade, embora não necessariamente pelos melhores e mais
adequados motivos. Fato é que acabou cedendo às exigências da “velha política”
naquilo que o conceito tem de pior, refém de um grupo cuja principal
característica é a lealdade aos detentores do poder. Mais ainda àqueles que
representam mais expectativa de poder.
As pesquisas de opinião hoje não asseguram
essa condição ao presidente da República. Ao contrário, mostram gradativa e
persistente perda nos índices de avaliação positiva de desempenho no governo,
com reflexo na futura performance nas urnas.
Em larga medida por causa de um outro ponto
em que a realidade chamou às falas Jair Bolsonaro: a distância que o presidente
estabeleceu entre sua teimosia negacionista no manejo da crise sanitária e a
obediência cívica do brasileiro aos ditames da vacinação em movimento
espontâneo de autopreservação da vida.
Publicado em VEJA de 19 de janeiro de 2022, edição nº 2772
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