Valor Econômico
Lula deve abandonar as ideias preconcebidas
que, levaram à debacle da gestão Dilma e à grande recessão de 2015/2016
A eleição de Lula, por uma margem estreita no segundo turno e a teimosa rejeição do resultado eleitoral por parte de bolsonaristas extremados são apenas alguns dos indicadores de que o novo presidente encontrará um ambiente político bem menos favorável do que quando iniciou seu primeiro mandato em 2003. Acresce-se a isso um Congresso Nacional em que o PT e os partidos aliados mais próximos são minoria, situação que força o novo governo a buscar uma ampla coalizão com partidos de centro e de centro-direita, para obter um mínimo de governabilidade. Por mais que se credite a Lula uma habilidade política que falta a seu antecessor no cargo, o risco de se ter uma coalizão instável e sujeita a crises recorrentes não é desprezível.
Ao complicado pano de fundo político,
somam-se outros elementos que compõem o quadro de desafios que espera o novo
presidente a partir de primeiro de janeiro próximo. Para ficar em alguns poucos
exemplos, basta citar a necessidade de retomar a agenda das políticas de
educação, saúde, meio ambiente e cultura praticamente abandonadas durante o
mandato de Bolsonaro. Tais desafios não são apenas de caráter gerencial, mas
também financeiros, tendo em vista o diminuto espaço orçamentário para despesas
discricionárias do governo federal e as pressões derivadas do adiamento de
gastos observada nos últimos meses.
Por outro lado, o cenário econômico externo
é igualmente desfavorável, tendo em vista o processo de elevação das taxas de
juros pelo Fed e por outros bancos centrais, em razão do disseminado
recrudescimento da inflação e o risco de que os Estados Unidos e algumas outras
economias desenvolvidas enfrentem uma recessão já no ano que vem. Ademais, a
instabilidade trazida pelo conflito russo-ucraniano mostra-se como outro
complicador para a conjuntura econômica internacional, além da persistência,
até o momento, das dificuldades da China para lidar com a pandemia da covid-19.
Tal quadro não favorece os países emergentes, não obstante tenham surgido
oportunidades derivadas da percepção crescente da necessidade de
desconcentração das fontes de suprimento de insumos e bens finais,
diminuindo-se a dependência da China.
Trazendo a discussão para o âmbito da
economia doméstica, o desafio é da mesma forma gigantesco, em particular no
concernente às finanças públicas. Além do desmonte da âncora fiscal - o teto de
gastos - que tem gerado incerteza entre os agentes econômicos sobre a
trajetória futura do resultado primário e da dívida pública, há a necessidade
de acomodar no curto prazo pressões de gastos herdadas do governo Bolsonaro,
como é o caso do complemento do valor do Auxílio-Brasil e demandas cada vez
mais intensas por reajustes da folha salarial nos Três Poderes.
Ademais, a conjuntura econômica mostra-se
adversa sob a ótica do crescimento, tendo em vista a necessária alta de juros
pelo Banco Central, com vistas a trazer a inflação de volta para a meta. A
manutenção dos juros elevados será necessária durante todo o ano de 2023, em
decorrência do cenário externo desfavorável e a lentidão do processo de
desinflação no Brasil, devido a um maior coeficiente inercial aqui prevalescente.
Mais além das questões conjunturais,
persistem os desafios estruturais relacionados à necessidade de elevar a taxa
de crescimento potencial do PIB, por meio do aumento da taxa de crescimento da
produtividade e da taxa de investimento, em que pese os avanços alcançados nos
últimos anos. Nesse âmbito, o risco no governo Lula não é apenas o de paralisia
no processo de reformas, mas também o de retrocessos amparados em visões
ideológicas equivocadas, como na ideia de reverter a reforma trabalhista
aprovada durante a gestão Temer.
Nesse contexto, até o momento,
lastimavelmente, a sinalização no âmbito da gestão macroeconômica e da agenda
de reformas tem sido, no mínimo, ambígua. Em relação à política fiscal, o
presidente eleito em várias ocasiões diminuiu o valor de se ter equilíbrio
fiscal, antepondo a responsabilidade com as contas públicas com a necessidade
de se ter políticas de renda, o que se trata de uma falácia. A própria proposta
de Emenda Constitucional (PEC da transição) foi um desastre porque sinalizava
para uma gestão perdulária do Erário no próximo mandato presidencial. Mesmo na
forma mitigada aprovada no Congresso, a citada PEC continua excessivamente
permissiva e não passa segurança de que haverá uma âncora fiscal crível para
substituir o moribundo teto de gastos.
Para completar o quadro, vê-se com
preocupação as intenções de “fortalecer o BNDES” para “reindustrializar o
país”. Recorde-se que na última vez em que se tentou isso, nos governos
petistas, os resultados foram desastrosos, com dinheiro sendo canalizado para
investimentos de baixo retorno e aumento expressivo das transferências de
recursos do Tesouro para o BNDES, que nunca contou com o “funding” adequado.
Parece que se ignora totalmente os avanços recentes no mercado de capitais
brasileiro, após a reforma no BNDES ocorrida a partir do governo Temer.
Em suma, Lula enfrentará muitos desafios no
seu novo mandato, mas talvez o maior deles seja o de abandonar as ideias
preconcebidas que, ao final, levaram à debacle da gestão Dilma e à grande
recessão de 2015/2016.
*Gustavo Loyola, doutor em economia pela EPGE/FGV, é ex-presidente do Banco Central e sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo
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Gustavo Loyola.
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