segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

Gustavo Loyola* - Lula e seus desafios

Valor Econômico

Lula deve abandonar as ideias preconcebidas que, levaram à debacle da gestão Dilma e à grande recessão de 2015/2016

A eleição de Lula, por uma margem estreita no segundo turno e a teimosa rejeição do resultado eleitoral por parte de bolsonaristas extremados são apenas alguns dos indicadores de que o novo presidente encontrará um ambiente político bem menos favorável do que quando iniciou seu primeiro mandato em 2003. Acresce-se a isso um Congresso Nacional em que o PT e os partidos aliados mais próximos são minoria, situação que força o novo governo a buscar uma ampla coalizão com partidos de centro e de centro-direita, para obter um mínimo de governabilidade. Por mais que se credite a Lula uma habilidade política que falta a seu antecessor no cargo, o risco de se ter uma coalizão instável e sujeita a crises recorrentes não é desprezível.

Ao complicado pano de fundo político, somam-se outros elementos que compõem o quadro de desafios que espera o novo presidente a partir de primeiro de janeiro próximo. Para ficar em alguns poucos exemplos, basta citar a necessidade de retomar a agenda das políticas de educação, saúde, meio ambiente e cultura praticamente abandonadas durante o mandato de Bolsonaro. Tais desafios não são apenas de caráter gerencial, mas também financeiros, tendo em vista o diminuto espaço orçamentário para despesas discricionárias do governo federal e as pressões derivadas do adiamento de gastos observada nos últimos meses.

Por outro lado, o cenário econômico externo é igualmente desfavorável, tendo em vista o processo de elevação das taxas de juros pelo Fed e por outros bancos centrais, em razão do disseminado recrudescimento da inflação e o risco de que os Estados Unidos e algumas outras economias desenvolvidas enfrentem uma recessão já no ano que vem. Ademais, a instabilidade trazida pelo conflito russo-ucraniano mostra-se como outro complicador para a conjuntura econômica internacional, além da persistência, até o momento, das dificuldades da China para lidar com a pandemia da covid-19. Tal quadro não favorece os países emergentes, não obstante tenham surgido oportunidades derivadas da percepção crescente da necessidade de desconcentração das fontes de suprimento de insumos e bens finais, diminuindo-se a dependência da China.

Trazendo a discussão para o âmbito da economia doméstica, o desafio é da mesma forma gigantesco, em particular no concernente às finanças públicas. Além do desmonte da âncora fiscal - o teto de gastos - que tem gerado incerteza entre os agentes econômicos sobre a trajetória futura do resultado primário e da dívida pública, há a necessidade de acomodar no curto prazo pressões de gastos herdadas do governo Bolsonaro, como é o caso do complemento do valor do Auxílio-Brasil e demandas cada vez mais intensas por reajustes da folha salarial nos Três Poderes.

Ademais, a conjuntura econômica mostra-se adversa sob a ótica do crescimento, tendo em vista a necessária alta de juros pelo Banco Central, com vistas a trazer a inflação de volta para a meta. A manutenção dos juros elevados será necessária durante todo o ano de 2023, em decorrência do cenário externo desfavorável e a lentidão do processo de desinflação no Brasil, devido a um maior coeficiente inercial aqui prevalescente.

Mais além das questões conjunturais, persistem os desafios estruturais relacionados à necessidade de elevar a taxa de crescimento potencial do PIB, por meio do aumento da taxa de crescimento da produtividade e da taxa de investimento, em que pese os avanços alcançados nos últimos anos. Nesse âmbito, o risco no governo Lula não é apenas o de paralisia no processo de reformas, mas também o de retrocessos amparados em visões ideológicas equivocadas, como na ideia de reverter a reforma trabalhista aprovada durante a gestão Temer.

Nesse contexto, até o momento, lastimavelmente, a sinalização no âmbito da gestão macroeconômica e da agenda de reformas tem sido, no mínimo, ambígua. Em relação à política fiscal, o presidente eleito em várias ocasiões diminuiu o valor de se ter equilíbrio fiscal, antepondo a responsabilidade com as contas públicas com a necessidade de se ter políticas de renda, o que se trata de uma falácia. A própria proposta de Emenda Constitucional (PEC da transição) foi um desastre porque sinalizava para uma gestão perdulária do Erário no próximo mandato presidencial. Mesmo na forma mitigada aprovada no Congresso, a citada PEC continua excessivamente permissiva e não passa segurança de que haverá uma âncora fiscal crível para substituir o moribundo teto de gastos.

Para completar o quadro, vê-se com preocupação as intenções de “fortalecer o BNDES” para “reindustrializar o país”. Recorde-se que na última vez em que se tentou isso, nos governos petistas, os resultados foram desastrosos, com dinheiro sendo canalizado para investimentos de baixo retorno e aumento expressivo das transferências de recursos do Tesouro para o BNDES, que nunca contou com o “funding” adequado. Parece que se ignora totalmente os avanços recentes no mercado de capitais brasileiro, após a reforma no BNDES ocorrida a partir do governo Temer.

Em suma, Lula enfrentará muitos desafios no seu novo mandato, mas talvez o maior deles seja o de abandonar as ideias preconcebidas que, ao final, levaram à debacle da gestão Dilma e à grande recessão de 2015/2016.

*Gustavo Loyola, doutor em economia pela EPGE/FGV, é ex-presidente do Banco Central e sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Gustavo Loyola.