O Estado de S. Paulo
Lula precisa montar um governo de coalizão, mas não consegue deixar de ser monopolista
Temos observado, mais uma vez, grande
dificuldade de um governo do PT compartilhar poderes e recursos com partidos
aliados, inclusive alguns que se engajaram decisivamente na sua vitória
eleitoral. Muitos avaliam que esse comportamento monopolizador decorre de uma
espécie de “ganância” do PT por poder e recursos. Por mais tentadora que pareça
essa explicação, existem outros elementos que também explicam essa conduta.
Partidos políticos que vencem eleições majoritárias em ambientes institucionais multipartidários enfrentam um dilema crucial entre controle e delegação. Por um lado, precisam delegar poderes e recursos para que outros partidos se sintam motivados e comprometidos em participar de um governo de coalizão. Por outro, ao delegar poder e recursos para partidos aliados, correm riscos de ver as políticas implementadas e recursos alocados distantes das suas preferências.
Existem várias formas de tentar minorar
esse dilema. Podem, por exemplo, fazer como FHC, que nomeou secretários
executivos de sua confiança como forma de monitorar o comportamento de
ministérios ocupados por partidos aliados. Ao seguir essa estratégia, FHC
minimizou os riscos do compartilhamento de poder levando em consideração o peso
político de cada partido aliado no Congresso.
No artigo Watchdogs in our midst: How
presidents monitor coalitions in Brazil’s multiparty regime, que escrevi com a
colaboração de Mariana Batista, Sérgio Praça e Félix Lopez, mostro que, por ser
o segundo na hierarquia dos ministérios, secretários executivos podem exercer o
papel de “cão de guarda” sempre que as ações dos ministérios fujam da
trajetória desejada pelo chefe do Executivo.
Diferentemente de FHC, Lula, nas poucas
vezes que delegou ministérios para parceiros de coalizão, o fez de porteira
fechada; ou seja, o ministro e o secretário executivo pertenciam ao mesmo
partido. Como essa escolha diminui a monitoração por parte do presidente, Lula
teve mais receios de delegar poderes para aliados, preferindo assim concentrar
a grande maioria de ministérios no próprio PT.
Não é de hoje, portanto, que o PT tem
lidado com aliados com desconfiança e de forma utilitária. A monopolização tem
sido a resposta a esse dilema. Entretanto, governar em coalizão pressupõe
confiar e delegar poder e recursos a parceiros. O PT ao preferir ter controle
das políticas públicas e dos recursos, trata parceiros como apêndices. Lira se
transformou no melhor apêndice que Lula poderia ter. O problema é que ter o
Centrão e Lira como parceiros pode se transformar em uma apendicite.
*Cientista político e professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV EBAPE)
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