Folha de S. Paulo
Republicano representa vigorosamente o
pensamento e as convicções de uma porcentagem significativa da população dos
EUA
Em 16 de junho de 2015, Donald Trump, milionário
da construção civil e celebridade da mídia com seu programa "O
Aprendiz", anunciou das escadas rolantes de sua dourada Trump
Tower que iria se candidatar à Presidência
dos EUA. Muita gente achou que não passava de mais um de seus lances
para valorizar sua imagem e aumentar sua fama.
Nos primeiros meses, houve até um debate no
meio jornalístico sobre se a imprensa deveria cobrir sua campanha na seção
de política ou
de entretenimento.
Depois de sua vitória em 2016 e nos anos seguintes, muitos passaram a considerá-lo um acidente da história, um tropeço passageiro na sólida caminhada da democracia americana prestes a celebrar 250 anos em 2026.
Agora, com sua recondução para um novo mandato, parece claro que essa interpretação é equivocada e ingênua. Trump representa vigorosamente o pensamento e as convicções de uma porcentagem significativa da população do país: de 25 a 33% dos cidadãos com direito a voto e cerca da metade dos que efetivamente exercem esse direito.
Mais ainda: ele não é um raio em céu azul.
Trump é apenas o mais recente e bizarro caso de uma linhagem de populistas e
demagogos de extrema direita que tiveram o apoio de dezenas de milhões de
americanos ao longo da história. Ele não é causa, mas sim consequência das
ações e crenças dessas pessoas.
Por exemplo, em 20 de fevereiro de 1939, no
mesmo Madison Square Garden em Nova York onde Trump fez seu último grande
comício de campanha deste ano, a organização America First juntou 20 mil
pessoas para ouvirem discursos antissemitas e pró-germânicos em que os oradores
falavam de um pódio com a imagem atrás de si de George Washington cercado de
suásticas.
Nos anos 1940, os programas de rádio do padre
Charles Coughlin, que também pregava o antissemitismo, tinham audiência
estimada em 30 milhões de pessoas, quando a população do país era de 130
milhões.
Na época, o principal porta-voz do movimento
America First era o aviador Charles Lindbergh, um dos maiores ídolos nacionais
na primeira metade do século passado, que havia sido condecorado pelo regime de
Adolf Hitler e chegou a ser seriamente considerado para ser candidato à
Presidência do país pelo Partido Republicano.
Em 1968, o governador racista do Alabama
George Wallace e seu colega de chapa por um partido independente, general
Curtis LeMay (que defendia o uso de bombas nucleares contra o Vietnã até
reduzir aquele país à Idade da Pedra), conseguiram 14% dos votos populares e 46
dos 538 votos do Colégio Eleitoral.
Os exemplos recentes ou mais antigos se
multiplicam: as leis de apartheid que permaneceram vigentes em estados do sul
do país até os anos 1960; a Ku Klux Klan, movimento que sobrevive até hoje,
responsável por incontáveis atos de terrorismo e de assassinatos e linchamentos
de negros, judeus e católicos; a perseguição a comunistas liderada por Joe
McCarthy nos anos 1950.
Trump e seus apoiadores são continuadores
dessa tradição americana, que é minoritária na sociedade, mas não é desprezível
nem numericamente nem do ponto de vista de influência e poder político.
Vários estudiosos importantes, como Steven
Levitsky (de Harvard), estudam a atual distopia americana e alertam para a
possibilidade da ruptura da democracia nos EUA no bojo da onda de ressentimento
de pessoas brancas radicais que empoderam Trump e o veem como o líder capaz de
resolver os seus problemas.
Esse movimento autoritário, extremista e
discriminatório subsiste há séculos e não acabará enquanto suas causas mais
profundas não forem entendidas e as instituições não se equiparem para
combatê-las e as superarem.
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