quinta-feira, 7 de novembro de 2024

Vitorioso de novo, Trump não é um acidente da história - Carlos Eduardo Lins da Silva

Folha de S. Paulo

Republicano representa vigorosamente o pensamento e as convicções de uma porcentagem significativa da população dos EUA

Em 16 de junho de 2015, Donald Trump, milionário da construção civil e celebridade da mídia com seu programa "O Aprendiz", anunciou das escadas rolantes de sua dourada Trump Tower que iria se candidatar à Presidência dos EUA. Muita gente achou que não passava de mais um de seus lances para valorizar sua imagem e aumentar sua fama.

Nos primeiros meses, houve até um debate no meio jornalístico sobre se a imprensa deveria cobrir sua campanha na seção de política ou de entretenimento.

Depois de sua vitória em 2016 e nos anos seguintes, muitos passaram a considerá-lo um acidente da história, um tropeço passageiro na sólida caminhada da democracia americana prestes a celebrar 250 anos em 2026.

Agora, com sua recondução para um novo mandato, parece claro que essa interpretação é equivocada e ingênua. Trump representa vigorosamente o pensamento e as convicções de uma porcentagem significativa da população do país: de 25 a 33% dos cidadãos com direito a voto e cerca da metade dos que efetivamente exercem esse direito.

Mais ainda: ele não é um raio em céu azul. Trump é apenas o mais recente e bizarro caso de uma linhagem de populistas e demagogos de extrema direita que tiveram o apoio de dezenas de milhões de americanos ao longo da história. Ele não é causa, mas sim consequência das ações e crenças dessas pessoas.

Por exemplo, em 20 de fevereiro de 1939, no mesmo Madison Square Garden em Nova York onde Trump fez seu último grande comício de campanha deste ano, a organização America First juntou 20 mil pessoas para ouvirem discursos antissemitas e pró-germânicos em que os oradores falavam de um pódio com a imagem atrás de si de George Washington cercado de suásticas.

Nos anos 1940, os programas de rádio do padre Charles Coughlin, que também pregava o antissemitismo, tinham audiência estimada em 30 milhões de pessoas, quando a população do país era de 130 milhões.

Na época, o principal porta-voz do movimento America First era o aviador Charles Lindbergh, um dos maiores ídolos nacionais na primeira metade do século passado, que havia sido condecorado pelo regime de Adolf Hitler e chegou a ser seriamente considerado para ser candidato à Presidência do país pelo Partido Republicano.

Em 1968, o governador racista do Alabama George Wallace e seu colega de chapa por um partido independente, general Curtis LeMay (que defendia o uso de bombas nucleares contra o Vietnã até reduzir aquele país à Idade da Pedra), conseguiram 14% dos votos populares e 46 dos 538 votos do Colégio Eleitoral.

Os exemplos recentes ou mais antigos se multiplicam: as leis de apartheid que permaneceram vigentes em estados do sul do país até os anos 1960; a Ku Klux Klan, movimento que sobrevive até hoje, responsável por incontáveis atos de terrorismo e de assassinatos e linchamentos de negros, judeus e católicos; a perseguição a comunistas liderada por Joe McCarthy nos anos 1950.

Trump e seus apoiadores são continuadores dessa tradição americana, que é minoritária na sociedade, mas não é desprezível nem numericamente nem do ponto de vista de influência e poder político.

Vários estudiosos importantes, como Steven Levitsky (de Harvard), estudam a atual distopia americana e alertam para a possibilidade da ruptura da democracia nos EUA no bojo da onda de ressentimento de pessoas brancas radicais que empoderam Trump e o veem como o líder capaz de resolver os seus problemas.

Esse movimento autoritário, extremista e discriminatório subsiste há séculos e não acabará enquanto suas causas mais profundas não forem entendidas e as instituições não se equiparem para combatê-las e as superarem.

 

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