O Brasil que saiu das eleições municipais é um país conservador, com líderes políticos do centro-direita que se fortaleceram com o resultado das urnas: Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo; Ratinho Jr., governador do Paraná; Romeu Zema, governador de Minas Gerais; Ronaldo Caiado, governador de Goiás, e Eduardo Paes, prefeito reeleito do Rio de Janeiro. Administram estados e cidade (Paes) do Sudeste e Centro-Oeste, regiões mais ricas e populosas, que concentram os maiores colégios eleitorais. Na eleição presidencial de 2026 – quando serão inevitavelmente ouvidos – movem-se desde já orientados por dois objetivos: vencer a aliança de partidos da esquerda liderada pelo PT e impedir a candidatura de Jair Bolsonaro à Presidência da República, apoiada pela extrema direita.
O resultado das eleições municipais lhes favorece. A esquerda só venceu em duas capitais, com João Campos, do PSB, no Recife, e Evandro Leitão, do PT, em Fortaleza. Em todas as outras capitais, os partidos de esquerda (PT, PSB, PCdoB, Psol e PDT) elegeram o menor número de candidatos desde 1985, ano em que todas as sedes estaduais passaram a ter eleição direta para o Executivo. Os partidos de esquerda chegaram a controlar oito das nove capitais nordestinas em 2004; agora vão governar apenas duas. Na eleição municipal passada, em 2020, o PT não elegeu nenhum prefeito de capital em todo o País.
No segundo turno de 2024, os partidos de esquerda concorreram em seis das quinze capitais. Foram vitoriosos apenas em Fortaleza, perdendo em São Paulo, Natal, Aracaju, Porto Alegre e Cuiabá. A derrota mais impactante foi em São Paulo, onde Guilherme Boulos, do Psol, apoiado por Luiz Inácio Lula da Silva, foi vencido por Ricardo Nunes, do MDB, apoiado pelo governador Tarcísio de Freitas e por Jair Bolsonaro
O PL, legenda à qual o ex-presidente é filiado, registrou um crescimento expressivo. Nas 103 cidades com mais de 200 mil habitantes, obteve 16 vitórias, ante apenas duas em 2022. Bolsonaro, no entanto, viu desidratado seu protagonismo. Inelegível por enquanto até 2030, por decisão da Justiça Eleitoral, perdeu em capitais nas quais se empenhou pessoalmente – como no Rio de Janeiro, Goiânia, Cuiabá, Belo Horizonte e João Pessoa. Ao mesmo tempo, constatou o crescimento, à sua direita, de adversários que avançam em seu campo, a exemplo de Pablo Maçal, candidato da extrema direita na disputa por São Paulo. Contudo, o ex-presidente não vai recuar. É um comprovado líder popular e exigirá ser ouvido nas definições para 2026.
Com o enfraquecimento da esquerda e a possibilidade da divisão da direita, o centro ganha terreno para avançar. Os governadores de São Paulo, de Minas Gerais, do Paraná e de Goiás, se perfilam no centro-direita não bolsonarista. O PSD e o MDB, as duas maiores legendas do centro, saíram das urnas com o controle de 10 das 26 prefeituras de capitais, cinco para cada um deles. Campeão de votos, o PSD governará 887 dos 5.569 municípios do Brasil, onde vivem 35,3 milhões de pessoas. Em segundo lugar, o MDB elegeu 856 prefeitos. Nesse ranking, o PT ficou em nono lugar.
Pode-se argumentar que um número maior de prefeitos necessariamente não elege um presidente da República, contudo, pode assegurar a eleição de um número maior de deputados federais, base eleitoral decisiva nas negociações parlamentares na metade final do governo Lula. Em momento tão decisivo, não há dúvidas sobre o apetite voraz da maioria de Suas Excelências em troca do que, eufemisticamente, se chama de “governabilidade”.
A aliança de centro-esquerda encabeçada pelo PT enfrenta dificuldades. Em 2026, Lula terá 81 anos, em meio a uma gestão que será desafiadora até seu final. Sem sucessores à vista em seu campo, será instado a disputar a reeleição, em condições externas e internas mais desfavoráveis do que em 2022 – inclusive as próprias condições físicas. Com a proximidade do pleito, o presidente já enfrenta divisões no governo e no PT, além da tensa e permanente relação com o Congresso. E estabilizar a economia se transformou em uma luta cotidiana.
Aliados do presidente o aconselham a se recompor, logo, com o centro, fortalecido e, no limite, até mesmo com a direita não bolsonarista; se reaproximar da classe média; reconstruir pontes com os evangélicos, com a universidade e com os produtores culturais e artistas; as comunidades pobres, os movimentos de base e as ONG’s – que já foram sustentação histórica da esquerda e agora seguem novos caminhos.
Os conselhos dos aliados sugerem também usar o peso de sua liderança para que a esquerda se conecte à nova realidade trabalhista e social do Brasil. O jovem que procura trabalho quer ser operário ou empreendedor? Está preocupado com o sindicato ou com o mercado de ações? Com iniciativas coletivas ou com o sucesso pessoal? Nas questões de costumes, quem debateu nas campanhas o aborto, drogas, homoafetividade, novas parcerias conjugais, extremos climáticos, robotização, liberdade de expressão? Essa agenda está nas ruas, porém pouco esteve nos debates políticos. Com certeza, muitos votos foram perdidos, principalmente entre eleitores mais jovens.
O PT e a esquerda também perderam apoio nas periferias urbanas, do que São Paulo é exemplo mais uma vez. Mesmo tendo como vice uma petista histórica, a ex-prefeita Marta Suplicy, Boulos perdeu para Nunes em todas as zonas eleitorais da periferia, no primeiro e no segundo turnos. Essas áreas foram onde o PT mais investiu em programas sociais.
Lula e a aliança de centro-esquerda que
venceram em 2022 têm muito a remar. A corrente reacionária que quase os afogou
na eleição presidencial passada mostrou agora que está viva, com força
suficiente para lhes tirar o fôlego no caminho até 2026. A forma mais eficiente
de se reagir é fazer com que o povo se identifique nas ações do governo e o
governo defina suas prioridades a partir das demandas do povo. Haverá tropeços
e oposição, interna e externa. No entanto, esse foi o rumo que sempre levou a
esquerda ao poder e assegurou seu retorno ao comando democrático do País.
É uma missão difícil. Porém, havendo
determinação e talento, o tempo construirá as soluções. Até porque o tempo da
política não é o cronológico, mas alimentado pelo diálogo que pode conduzir
mais rapidamente à vitória das maiorias.
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