O Estado de S. Paulo
Retorno de Trump é ameaça para o Brasil menos
pelas diferenças ideológicas entre ele e Lula, e mais por causa do pacote de
políticas que o republicano Trump pretende implementar
A vitória de Donald
Trump nas eleições desta semana representa um risco elevado
para o Brasil e
para o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O principal perigo não reside nas
diferenças ideológicas entre os dois presidentes, mas no pacote de políticas
que Trump pretende implementar, com impacto econômico direto sobre o Brasil.
Para seu segundo mandato, Trump já contratou um cenário inflacionário, decorrente do fechamento progressivo do país ao comércio internacional e da imposição de restrições à entrada de imigrantes no mercado de trabalho americano. Mesmo que essas políticas sejam aplicadas com menos intensidade do que sugere a retórica de campanha, elas inviabilizarão a redução da taxa de juros por parte do Federal Reserve (Fed), o banco central americano.
Nesse cenário, os juros americanos poderão
deixar de cair no final de 2025 e começar a subir no primeiro semestre de 2026,
em resposta ao aumento da inflação e à desaceleração da atividade econômica dos
EUA. Este cenário representa uma séria ameaça ao governo Lula porque
dificultaria o plano do Banco Central brasileiro de reduzir a taxa de juros no
contexto eleitoral de 2026, abrindo espaço político para a oposição.
Além disso, uma vitória de Trump
provavelmente leva a uma saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris no momento
em que o Brasil pretende mostrar suas credenciais ambientais e demonstrar sua
capacidade de articulação internacional na COP 30. A ausência do governo
americano reduziria o espaço para uma agenda positiva em questões climáticas
globais porque seria um golpe contra o esforço brasileiro de aumentar a ajuda
dos países ricos ao financiamento da transição ecológica do Sul Global.
Há também potencial para fricções entre o
Brasil e o governo Trump no contexto da presidência brasileira dos Brics. Se a
reunião do grupo, a ser realizada no Brasil, focar na redução da dependência
global do dólar para transações comerciais e financeiras, isso poderá atrair
atenção negativa do governo Trump. A possível adesão do Brasil à Iniciativa do
Cinturão e Rota da China também poderia ser alvo da Casa Branca, assim como uma
agenda dos Brics voltada para fortalecer diplomaticamente o Irã no contexto dos
conflitos que assolam o Oriente Médio.
Ao contrário do que se pensa, o agronegócio
brasileiro tampouco seria vencedor com o governo Trump. Durante o primeiro
mandato de Trump, produtores brasileiros de soja beneficiaram-se da guerra
comercial entre Estados Unidos e China, substituindo parte da produção
americana no mercado chinês.
No entanto, desta vez é pouco provável que o
Brasil consiga se beneficiar de forma semelhante. Os produtores brasileiros de
soja já ganharam terreno sobre os americanos, havendo pouco espaço adicional
para crescimento expressivo. Ao contrário, agora, a dependência brasileira da
China aumenta em um cenário em que Trump promete intensificar a rivalidade com
os chineses.
Publicidade
Por fim, o novo governo Trump cria um desafio
adicional para o Brasil na América do Sul. Na Argentina, o presidente Javier
Milei promete alinhar-se completamente à agenda de Trump, visando obter apoio
da Casa Branca junto ao FMI. Nesse contexto, Milei buscará rivalizar com Lula e
apresentar-se como uma liderança diplomática alternativa na região.
Dada a natureza do desafio, a vitória de
Trump promete reduzir o espaço de manobra do Brasil no mundo e do governo Lula
numa eventual campanha pela reeleição.
Nenhum comentário:
Postar um comentário