O Estado de S. Paulo
Um bom programa consolidaria a boa gestão de Haddad e a ideia de que governos de esquerda não precisam ser fiscalmente irresponsáveis
As nossas avaliações na Warren Investimentos
indicam que é preciso um corte de gastos de mais de R$ 40 bilhões para cumprir
a meta fiscal de 2025. Isso, no entanto, levando em conta a banda inferior da
meta e as despesas não consideradas para fins do compromisso legal. O pacote
fiscal precisa sair logo e em bases relevantes. Muitos ainda seguem como São
Tomé, aguardando para pôr as mãos nas chagas e comprovar a nova realidade.
A saber, a meta de resultado primário (receitas menos despesas sem considerar os gastos com juros) é igual a zero para 2025. Há uma banda inferior, de R$ 31 bilhões, espécie de permissão para entregar um déficit primário e mesmo assim não romper a lei. Na verdade, essa banda deveria ser usada apenas em casos excepcionais.
Além da banda, há um volume de precatórios
que podem ser contabilizados por fora da meta fiscal. Trata-se de R$ 44,1
bilhões. Explica-se pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), ao declarar
inconstitucional o limite criado no governo passado para o pagamento desse tipo
de despesa judicial. Determinou-se que, até 2027, as despesas com precatórios
excedentes ao antigo limite poderiam ser pagas sem que a meta fosse
comprometida.
Assim, o governo poderá entregar um déficit
primário de até R$ 75,1 bilhões (31 + 44,1) em 2025. Para ter claro, esse
déficit, se confirmado, não representaria rompimento do compromisso legal no
bojo do novo arcabouço fiscal. Mesmo assim, para chegar a esse déficit, as
nossas contas indicam que o governo teria de bloquear ou contingenciar gastos
discricionários (não obrigatórios) em mais de R$ 40 bilhões.
O recente projeto aprovado para as emendas
parlamentares dificultará esse processo. Garantiu-se um crescimento real
permanente para as emendas, que já estão em nível historicamente alto,
representando quase um quarto da pizza das despesas discricionárias
pulverizadas e em nada relacionadas aos objetivos de desenvolvimento econômico,
social e regional.
Mais um problema para a equipe do ministro
Fernando Haddad. Isso porque as emendas poderiam, após a decisão do ministro
Flávio Dino, do STF (de bloquear as execuções das emendas impositivas,
especialmente as emendas Pix), colaborar para o ajuste fiscal. Já estamos
vendo, com o projeto de lei aprovado nesta semana, que nada disso vai ocorrer,
infelizmente.
Resta ao governo promover medidas de ajuste
que colaborem para controlar o avanço das despesas obrigatórias. Nos últimos
dias, a imprensa e os especialistas têm debatido o conjunto de ações no
possível cardápio do pacote fiscal. O Benefício de Prestação Continuada (BPC),
o abono salarial, o seguro-desemprego, o Fundeb (fundação da educação), os
supersalários e a Previdência Social são os fortes candidatos.
Encontra-se resistência dentro do próprio
governo. Em que pese essa força contrária preocupante, Haddad e Simone Tebet
estão promovendo o discurso dos cortes estruturais de despesas e de um programa
de contenção do crescimento do gasto federal. Não se está falando numa
revolução na despesa pública, mas de ajustes para que seu crescimento se adeque
à restrição orçamentária.
A ideia de estabelecer o crescimento de
despesas dado pelo novo arcabouço fiscal (Lei Complementar n.º 200/2023) como
referência maior é positiva. O diabo, entretanto, está sempre sentado sobre os
detalhes, com um sorriso irônico.
Não adianta apenas dizer que o abono
salarial, por exemplo, terá de crescer no máximo a 2,5%, em termos reais,
limite máximo do novo arcabouço fiscal, hoje incidente sobre o total das
despesas (com as exceções legais, vale dizer). Será preciso mudar as regras de
concessão e critérios de elegibilidade ao benefício específico.
O mesmo vale para o BPC, o seguro-desemprego
e todas as outras despesas obrigatórias. O risco é incorrer no mesmo problema
do antigo teto de gastos (Emenda Constitucional n.º 95/2016), cuja limitação do
crescimento da despesa à inflação simplesmente não se viabilizou. Claro,
motivou a reforma da previdência, mas se desmanchou no ar com poucos anos de
vida.
É preciso incorporar esse aprendizado na
formulação do novo pacote fiscal. O corte de despesas não é fruto da veleidade
de especialistas ou de gente cruel. Ao contrário, deriva do diagnóstico amplo,
mantido por muitos economistas e especialistas e, agora, também pelo próprio
governo ou, pelo menos, pela sua área econômica, com respaldo do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva.
É preciso, nestes momentos, vestir a carapuça
de São Tomé e aguardar. Depois de tantos desencontros, só podemos acreditar,
realmente, quando virmos o pacote e suas minúcias.
Meu vaticínio: será um programa muito bom,
com potencial para melhorar as perspectivas sobre a economia, o dólar e os
juros. Consolidaria, assim, a boa gestão do ministro Fernando Haddad e a ideia
de que governos de esquerda não precisam ser fiscalmente irresponsáveis. •
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