Valor Econômico
Apesar de todas essas pressões, o resultado
primário do setor público não vem piorando desde o início do colapso do teto de
gastos em 2022
A dívida pública brasileira vem crescendo a
taxas preocupantes. Desde o início deste governo, ela avançou cerca de 7 pontos
percentuais, saindo de 71,4% do PIB em 1/2023, para 78,6% em 10/2024 (dados da
Dívida Bruta do Governo Geral). Se essa trajetória não for interrompida, é
possível chegar em agosto de 2026 - durante a eleição - com uma DBGG próxima a
85% do PIB, fechando o último ano desta legislatura, em dezembro, acima dos
86%.
Consequências indesejáveis surgem de um endividamento tão elevado. Em artigo empírico publicado em 2023, demonstro que endividamentos públicos superiores a 84% do PIB são prejudiciais ao crescimento econômico. Isso sem contar seus efeitos sobre as taxas de juros, nas pontas curta e longas da estrutura a termo. Em outras palavras, se essa trajetória da DBGG não for interrompida, grandes são as chances de termos problemas à frente.
No entanto, o que produz uma dinâmica
insustentável do endividamento? Antes de prosseguir, é preciso ter em mente que
a dívida pública é produto da interação entre os lados fiscal e monetário da
economia. Dessa forma, estabilizar a DBGG requer uma combinação de fatores que
englobam o resultado primário, o custo de rolagem de seu estoque e o
crescimento do PIB. De 2022 para cá, o ciclo econômico tem feito a parte dele
contribuindo para acelerar o denominador da relação dívida/PIB.
Quanto ao esforço fiscal visto no resultado
primário é preciso qualificar. Desde meados de 2022, as despesas com
transferências têm subido. O programa Bolsa Família, por exemplo, custava cerca
de R$ 36 bilhões em janeiro de 2022 e hoje custa R$ 171 bilhões. Outras
despesas que cresceram fortemente foram os precatórios, que saltaram de R$ 66
bilhões para cerca de R$ 167 bilhões no mesmo período (todos os dados a preços
constantes de 10/2024).
Questões de economia política que levaram à
expansão dessas rubricas à parte, é importante salientar que elas estiveram no
epicentro de um conjunto de emendas constitucionais aprovadas entre 2021 e 2022
que implodiram o antigo teto de gastos. As PECs: i) Emergencial; ii) dos
Precatórios; iii) Kamikaze e; iv) de Transição estiveram umbilicalmente
relacionadas com a acomodação do novo patamar dessas despesas no orçamento. A
partir de 2023, já no novo governo, outros fatores se somaram a estes
produzindo pressões orçamentárias. Destaca-se entre tais fatores: a reposição
do orçamento de inúmeras políticas públicas; o restabelecimento de reajustes
reais no salário mínimo, bem como a recomposição parcial de salários de
servidores públicos (há anos congelados), todas elas, despesas meritórias.
Aqui vale uma pausa na discussão fiscal para
observar alguns aspectos de economia política. O extinto teto de gastos, que
foi eficiente para estabilizar a relação dívida/PIB, teve como efeito colateral
um considerável passivo social que culminou no seu próprio colapso já no final
do governo anterior. Em outras palavras, embora eficiente para estabilizar a
DBGG no curto prazo, o excesso de rigidez daquela regra reprimiu demandas
sociais que a tornaram politicamente inviável. Tal inviabilidade foi constatada
já na saída da pandemia, mas apenas com o novo arcabouço fiscal (NAF) houve um
fim definitivo no teto.
Voltando à questão fiscal, é importante
salientar que, apesar de todas essas pressões, o resultado primário do setor
público não vem piorando desde o início do colapso do teto de gastos em 2022.
Considerando exclusivamente o resultado do Governo Central (submetido ao teto),
em 2021 o déficit foi de 0,39% do PIB; passando em 2022 para um superávit de
0,55%, seguido por um novo déficit 2,43% no ano seguinte. Dado que o resultado
de 2022 teria sido um déficit se não fosse a rolagem de precatórios pagos em 2023,
a média do biênio foi um déficit de 0,84% do PIB. Em 2024, o dado de outubro
sugere um déficit de 0,68% do PIB, e as previsões do último Focus de 0,5% do
PIB para o encerramento do ano.
Como já esperado desde a sua concepção em
meados de 2023, o resultado de 2024 virá abaixo do limite inferior concebido no
NAF (um déficit de 0,25% do PIB). No entanto, é bem inferior ao observado na
média do biênio anterior. Ademais, em termos comparativos, entre 2017 e 2019,
durante a vigência da regra do teto, o déficit primário médio foi de 1,55% do
PIB e, em nenhum daqueles anos, o déficit foi inferior a 1% do PIB. Ou seja, em
termos do resultado primário, o teto coexistiu com déficits primários mais elevados
do que o NAF convive na atualidade.
No entanto, durante a vigência do teto
(pré-pandemia) a DBGG estabilizou-se mesmo diante de taxas de crescimento do
PIB ruins, ao passo que agora, durante a vigência do NAF esse indicador se
expande. Por que isso acontece?
O sucesso do teto de gastos não pode ser
avaliado exclusivamente pelo prisma fiscal. Quando aprovada no Congresso, em
dezembro de 2016, o custo implícito de rolagem da DBGG era de 13,1% ao ano.
Três anos depois, em dezembro de 2019, havia recuado para 7,8% ao ano e
continuou em queda até a saída da pandemia. Com a aproximação das eleições de
2022, as consecutivas PECs “fura teto” e as expectativas de uma nova fase de
discricionariedade fiscal, essa taxa implícita foi rapidamente restabelecida
chegando na eleição, em 10/2022, novamente ao patamar de 10,5%. Mesmo em 2023,
quando a taxa básica de juros Selic caiu de 13,75% ao ano para 10,5%, o custo
implícito não cedeu e continuou rondando a casa dos 11%.
Neste ambiente a equipe econômica lançou o
pacote do último dia 28. O plano, se aprovado, promete economizar R$ 72 bilhões
até o final de 2025. Ainda é prematuro saber se o impacto do pacote realmente
tem esse potencial, mas, caso tenha, seria possível zerar o déficit em 2025 (há
a possiblidade de anunciar medidas adicionais até lá). Como já abordei em
artigos anteriores, simplesmente zerar o déficit não estabiliza a DBGG, o
esforço fiscal necessário seria de um superávit próximo a 2% do PIB. O custo social
de um superávit dessa magnitude o torna, entretanto, inviável politicamente.
No entanto, o déficit zero, caso ocorra em
2025, será uma grande notícia visto que o país opera em déficits primários
desde 2014. Por ora, salienta-se que nem o NAF, nem qualquer outra regra
fiscal, independente do que se passa no primário, será capaz de estabilizar um
endividamento cujo custo de rolagem é superior a 10% ao ano. Em suma,
estabilizar a trajetória da DBGG e evitar maiores consequências macroeconômicas
de sua expansão é uma arte que irá demandar a ruptura com o padrão de
discricionariedade fiscal que produz desconfianças e exacerba as
instabilidades.
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