quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Decreto sobre ação policial abre oportunidade

O Globo

Governadores devem entender necessidade de diálogo com Brasília para enfrentar crise na segurança

Ao longo do ano passado, o governo federal rompeu a inércia e começou enfim a tomar iniciativas no campo da segurança pública, uma das maiores preocupações dos brasileiros. Primeiro, elaborou a PEC da Segurança — que amplia as atribuições das polícias federais (PF e PRF) e tenta suprir as lacunas que limitam o funcionamento do Sistema Único de Segurança Pública (Susp). No fim do ano, o Ministério da Justiça e Segurança Pública baixou normas para regular a ação policial. Ambas as medidas encontraram resistência entre os governadores.

É compreensível que os governos estaduais critiquem o que consideram uma invasão de suas prerrogativas constitucionais. No caso específico das normas destinadas a coibir abusos da polícia, é legítima a preocupação com o risco de paralisia, num momento em que a população mais precisa das forças da lei. Mas as normas que constam do decreto federal são sensatas. Nada mais fazem além de estabelecer regras para o uso progressivo e racional da força pelos policiais, com base em princípios de “legalidade, precaução, necessidade, proporcionalidade, razoabilidade, responsabilização e não discriminação”. A profusão de cenas de abusos recentes da polícia justifica que o governo formalize o óbvio — a força só deve ser usada em último caso — e imponha condições para isso, como condicionar ao respeito às regras o acesso a recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP).

O preocupante na reação dos governadores ao decreto foi a divisão ao longo das linhas políticas. Oposicionistas, concentrados nas regiões Centro-Sul e Sudeste, o qualificaram de “presente aos bandidos” e chamaram as condições impostas de “chantagem”. A reação chegou ao ponto de o senador Mecias de Jesus (RR), líder do Republicanos, apresentar Projeto de Decreto Legislativo para sustar os efeitos das medidas do governo federal. Em resposta, os governistas, concentrados na região Nordeste, publicaram um documento de apoio afirmando que o decreto “não altera a autonomia dos Estados nem as normativas já estabelecidas”.

A abordagem da questão com base em divisões políticas significa perder uma rara oportunidade de estados e governo federal começarem enfim a dialogar para estabelecer protocolos mínimos com o objetivo de enfrentar o crime organizado de modo eficaz e determinado. Há farto noticiário de reações desmedidas de policiais com vítimas inocentes, revelando o despreparo das corporações para enfrentar o desafio. No lugar da violência, é preciso atuar com inteligência. Sem cumprir regras, a polícia passa a representar uma ameaça à população, em vez de cumprir o dever de protegê-la.

A situação é crítica. Quadrilhas e facções criminosas se articulam dentro e fora do país, comandam tráfico de drogas e armas, aterrorizam o país. Por fazer fronteira com os três maiores produtores de cocaína — Colômbia, Peru e Bolívia —, o Brasil precisa de uma política de segurança articulada entre os governos federal e estaduais. Em vez de insistir em ideias demagógicas que sempre deram errado, todos os governadores — de oposição ou não — deveriam entender a necessidade de cooperação com o governo federal para que a realidade mude. A alternativa será o poder crescente do crime organizado sobre o Estado e as instituições.

Surto de gripe aviária nos Estados Unidos não é motivo para desespero

O Globo

Infecções pelo H5N1 têm sido brandas, não há registro de contágio humano, e vacinas estão avançadas

gripe aviária, transmitida pela variante H5N1 do vírus influenza, tem preocupado os epidemiologistas. Entre 2003 e 2023 foram registrados 878 casos no mundo. Só neste ano, os Estados Unidos já somam 66 casos em humanos, 11 mil em aves selvagens e 128,9 milhões em aves de criação. O salto do vírus para mamíferos foi constatado em março pela infecção de vacas leiteiras e, em seguida, pela contaminação de trabalhadores rurais. Há 913 rebanhos contaminados em 16 estados americanos. O governador da Califórnia, Gavin Newsom, decretou emergência para facilitar a atuação das agências governamentais.

Por enquanto, não há registro de transmissão entre humanos. O contágio pelo leite pode ser evitado pela pasteurização, mas tendências da medicina alternativa valorizam o leite cru, cuja venda é permitida nos Estados Unidos. A partir do momento em que o vírus der o salto evolutivo necessário à transmissão entre humanos, estarão dadas condições para uma pandemia.

Dos 878 casos de H5N1 registrados entre 2003 e 2023, 458 resultaram em mortes, uma letalidade elevadíssima. Quase todos os casos americanos neste ano foram leves, semelhantes a uma gripe comum, mas um caso grave detectado na Louisiana se revela preocupante. Cientistas supõem que, para infectar humanos mais facilmente, o vírus se torna menos agressivo, como aconteceu com variantes da Covid-19.

Mas, ainda que que o H5N1 cruze a barreira de espécies numa versão branda, o impacto sobre a saúde pública pode ser relevante. Os novos casos graves sugerem que haveria pressão sobre os sistemas de saúde. “Os países devem estar atentos e se preparar com plataformas de diagnóstico adequadas para fazer mapeamento de casos e, mais que tudo, como já fizeram governos europeus e os Estados Unidos, começar a montar seus estoques de vacinas”, diz o virologista Fernando Spilki, da Universidade Feevale, coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Vigilância Genômica de Vírus.

Caso a epidemia se alastre, não há motivo para desespero. O H5N1 é conhecido, e as pesquisas sobre vacinas estão em estágio avançado. No Brasil, o Instituto Butantan desenvolveu a sua em 2023. Só espera sinal verde da Anvisa para começar testes clínicos com humanos. Os casos de contaminação nos Estados Unidos são um motivo para acelerar a tramitação desses testes.

Em abril, a Anvisa criou regras para registro e atualização de vacinas contra a gripe aviária. Os laboratórios poderão protocolar registros que depois precisarão ser apenas atualizados diante de novas variantes. Com essa aprovação, o Butantan pode adaptar a vacina para a versão do vírus que estiver circulando. “A ideia é ter pelo menos uma quantidade mínima caso o vírus comece a se disseminar”, afirma o infectologista e diretor do Butantan Esper Kallás.

Por enquanto, a situação no Brasil é tranquila. Não houve surtos entre aves silvestres no segundo semestre, diz Helena Lage, presidente da Sociedade Brasileira de Virologia. Ela própria, no entanto, afirma que num mundo globalizado tudo muda rapidamente.

Com apreensão, mundo aguarda decisões de Trump

Valor Econômico

O sistema de pesos e contrapesos dos EUA será testado até seu limite - para o bem da democracia global, espera-se que resista

O ano de 2025 começa sob o signo de Donald Trump. Ao tomar posse na Presidência da maior economia e maior potência militar do mundo, em 20 de janeiro, suas decisões marcarão os rumos globais já no curto prazo. Os acordes iniciais, expressos nos desejos e ações manifestadas antes da posse, mostram uma melodia ruidosa para o futuro. Trump externou sua vontade imperial de governar os destinos do mundo, disparando ameaças e ultimatos para aliados e adversários, supostos ou reais. Sua equipe foi escolhida a dedo desta vez, e composta por aliados fiéis, cuja marca comum é a obediência a um chefe cuja coerência de propósitos é instável. As tensões geopolíticas estão com forte viés de alta.

As políticas ou aspirações de Trump sugerem fortes turbulências econômicas nos mercados mundiais. Seu desejo de elevar tarifas, em primeiro lugar de seus maiores parceiros comerciais - México, Canadá, União Europeia -, não faz sentido, e os que lhe atribuem aura de estadista afirmam que as ameaças tarifárias não são para valer - são “transacionais”, como dizem, e visam a obter concessões aos EUA.

Trump ordenou à UE que compre mais petróleo e gás americanos se quiser escapar de impostos de importação. A exigência é descabida à luz das regras do comércio internacional, que o presidente eleito americano desrespeitou em seu primeiro mandato, e é anacrônica: com o corte do fornecimento russo após a invasão da Ucrânia, a Europa já se dirigiu ao mercado americano para abastecer-se de energia.

O acesso ao maior mercado consumidor do mundo estará condicionado às idiossincrasias de Trump. O aumento generalizado de tarifas elevará os preços nos EUA, obrigará o Fed (o banco central americano) a cortar menos os juros, ou até elevá-los novamente, fortalecerá o dólar e retirará competitividade dos exportadores americanos. O enorme déficit comercial, que se aproxima de US$ 1 trilhão, não deverá cair, como quer Trump, mas subir.

Outras peças da política econômica parecem igualmente desajustadas. A manutenção dos cortes de impostos do primeiro mandato, que expiram em 2025, é certa. Trump pretende reduzir os impostos sobre empresas a 15%, adicionando mais US$ 7,5 trilhões em dez anos à divida de US$ 36 trilhões do país. Os credores - um dos grandes é a China - tenderão a exigir mais juros para a rolagem do débito, e será interessante ver como agirá, desta vez do outro lado do balcão, o bilionário secretário do Tesouro, Scott Bessent, ex-operador do fundo de George Soros e criador do hedge fund Key Square Capital Management. Os hedge funds estão entre os mais agressivos operadores dos mercados globais.

O corolário de EUA em primeiro lugar e a agenda isolacionista de Trump querem subordinar os demais países a sua vontade mutante. Trump disse ao governo panamenho, de repente, que pode querer de volta o Canal do Panamá, se o país beneficiar a China. Mostrou o desejo de comprar a Groenlândia, território administrado pela Dinamarca. Ameaçou o Brics caso queira livrar-se da dependência do dólar em suas transações. Afirmou que o orçamento da Otan, da qual sempre ameaça se retirar, deveria ser dobrado.

O mundo tornou-se mais perigoso com a explosão de conflitos militares, como a invasão da Ucrânia pela Rússia. O Oriente Médio vive mudança do mapa de poder com as incursões de Israel em Gaza, Líbano, Iêmen, Síria e Irã. Trump escolheu para encarar esses desafios o ex-apresentador da CNN e ex-oficial de infantaria Pete Hegseth. “Pete é durão, inteligente e um verdadeiro crente no America First”, escreveu Trump ao nomeá-lo. E isso basta.

Trump disse que acabará rapidamente com a guerra na Ucrânia, possivelmente cortando a ajuda militar ao último e fazendo acordo com o presidente russo, Vladimir Putin, a quem admira, entregando-lhe territórios.

Na política doméstica, Trump prometeu prosseguir sua obra de destruição das instituições. Disse que no primeiro dia de seu novo mandato libertará os “patriotas” condenados por tentarem impedir à força a posse de um presidente eleito, Joe Biden, em 6 de janeiro, além de usar o FBI para perseguir seus adversários e o Exército para caçar imigrantes ilegais.

Trump faz o contrário do que se espera de um estadista. Suas ações são intempestivas, quando regras e previsibilidade baseiam o funcionamento da sociedade e dos mercados. Sua vitória, à primeira vista, o teria tornado inexpugnável, mas não é assim. Com maioria na Câmara e no Senado, Trump poderá ver rebeliões dos republicanos moderados. Isso aconteceu quando ele e Elon Musk tentaram eliminar o teto de endividamento do governo e pôr abaixo um acordo com os democratas para evitar um shutdown. Foram derrotados com a debandada de 35 republicanos a favor do controle de gastos. A pequena margem de vantagem nas duas Casas pode transformar pequenas defecções em grandes derrotas do Executivo.

Após a eleição de meio de mandato, Trump caminhará para o fim de sua carreira política, abrindo disputa sucessória que não lhe facilitará a vida no Congresso. Por isso, deverá ter pressa agora. O sistema de pesos e contrapesos dos EUA será testado até seu limite - para o bem da democracia global, espera-se que resista.

Ano começa com mais atrito entre Poderes

Folha de S. Paulo

Veto correto de Lula à farra de emendas não muda o fato de que Executivo precisa do Legislativo se quiser conter gastos

Não houve trégua de Ano Novo no conflito que envolve os três Poderes em torno das despesas que deputados e senadores incluem, no mais das vezes em benefício próprio, no Orçamento federal —as famigeradas emendas parlamentares.

No apagar das luzes de 2024, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PTsancionou a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) com vetos que atingem diretamente interesses dos partidos representados no Congresso. No mérito, as decisões foram corretas.

Saiu do texto o dispositivo, aprovado pelos congressistas, que impedia o bloqueio de verbas destinadas a emendas individuais e de bancada em caso de necessidade de contenção de gastos. Fora dessa hipótese, essas rubricas continuam sendo de execução impositiva.

Emendas atingiram valores aberrantes. Foram R$ 47,9 bilhões em 2024, dos quais R$ 33,6 bilhões nas modalidades impositivas. Limitar a contenção dessas despesas —em geral, de péssima qualidade, sem atenção a critérios de prioridade e transparência— dificultaria o já precário programa de ajuste das contas públicas e forçaria cortes mais profundos em outros setores.

Outro veto de Lula atingiu o fundo partidário, que, como o nome indica, direciona recursos para o custeio das legendas. A regra aprovada pelo Congresso, que adotava como base a correção dos valores fixados em 2016, permitira um aumento em relação ao R$ 1,33 bilhão previsto na proposta do governo.

Nesse caso as cifras são pequenas diante das dimensões do Orçamento, mas há um princípio em jogo. O fundo de sustentação dos partidos políticos —que deveriam buscar filiados, em vez de depender do dinheiro do contribuinte— cresceria mais que o total dos demais programas da Justiça Eleitoral, o que caracterizaria uma iniquidade.

As razões não mudam o fato, porém, de que o governo Lula precisará dos votos do Congresso se quiser aprofundar o controle dos gastos federais e reduzir o risco de uma crise econômica anunciado pelo dólar acima de R$ 6. Tampouco as decisões do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, que amparam vetos de Lula, mudam esse quadro.

O governo é politicamente frágil, dadas a vitória por margem mínima na eleição presidencial, a predominância de forças ao centro e à direita no Congresso e a decisão de privilegiar petistas e seus satélites na composição do primeiro escalão federal.

Apesar do aumento inaudito de gastos públicos, a aprovação da gestão do mandatário entre os brasileiros aptos a votar (35%) é quase idêntica à reprovação (34%), segundo pesquisa realizada em dezembro pelo Datafolha.

A batalha para disciplinar as emendas parlamentares é de interesse de todo o país. Lula ajudaria a causa se desse um exemplo de austeridade orçamentária e se dividisse poder em uma coalizão partidária mais sólida. A saída para o conflito é política.

Barganha política ameaça agências reguladoras

Folha de S. Paulo

Disputa entre governo e Congresso traz riscos para eficiência de serviços prestados, que precisam de investimento seguro

É notório que há negociação na escolha de diretores das agências reguladoras no Brasil, mas ainda assim espanta o nível de interferência política na recente rodada de escolhas. Em seu terceiro mandato, Luiz Inácio Inácio Lula da Silva (PT), que nunca foi um entusiasta da autonomia dessas entidades, tem agora a concorrência do fisiologismo fortalecido no Congresso.

O caso da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) evidencia o problema. Ela tem vaga aberta na cúpula desde maio de 2024, e outra estará disponível em maio deste ano. Não há indicação formalizada, entretanto, por causa de um embate por ingerência nas decisões do setor.

Na ausência de um dos cinco diretores, não foram poucos os impasses que terminaram empatados e paralisaram ações. Para piorar, o risco de inoperância não só parece desprezado como ainda é usado como munição contra a Aneel, tanto do lado do governo quanto do Congresso.

De acordo com a legislação, os cargos de comando nas agências —responsáveis por regular serviços públicos sem subordinação a ditames políticos— devem ser indicados pelo Palácio do Planalto e submetidos ao Senado. Uma vez aprovados, têm mandatos não coincidentes entre si.

Em um único dia, 16 de dezembro, o governo Lula apresentou nada menos que 17 indicações para nove agências diferentes, o que já é um indicador do tumulto político em torno do processo.

Como a Folha noticiou, porém, barganhas políticas ameaçam o preenchimento das vagas. Em ao menos um dos casos, o da Agência Nacional de Mineração (ANM), o nome escolhido não agradou ao senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), favorito para comandar a Casa legislativa a partir de fevereiro.

Instituídas a partir dos anos 1990, agências reguladoras precisam realizar uma delicada mediação para equilibrar o interesse público e o de empresas estatais e privadas que assumiram a prestação de serviços essenciais.

O modelo é sujeito a falhas, do aparelhamento político à vulnerabilidade dos órgãos a lobbies dos setores que devem monitorar. Em qualquer hipótese, é responsabilidade de Executivo e Legislativo zelar pela nomeação de dirigentes capacitados.

Sem autonomia e credibilidade, as agências reguladoras terão dificuldades para garantir eficiência em áreas tão diferentes como vigilância sanitária, transporte, segurança nuclear, saneamento, energia e telecomunicações —e também deixarão de servir como garantias de estabilidade para os investidores.

Uma reforma contra a mediocridade

O Estado de S. Paulo

Lula admite que mudará ministros, repetindo o que antecessores fizeram para redistribuir poder. A novidade é que a reforma ministerial é também uma exigência contra a ineficiência

No almoço em que reuniu seus ministros, em 20 de dezembro, o presidente Lula da Silva admitiu o que já se avizinhava: fará mudanças no primeiro escalão do governo. Uma inevitável reforma ministerial deve ocorrer no início de 2025 – resta saber se ainda em janeiro ou se fatiada de acordo com as circunstâncias políticas. Como muitas reformas promovidas por Lula e seus antecessores, o manejo da coalizão multipartidária puxa o cordão das mudanças. É um modo de acomodar novos aliados, redistribuir cargos e orçamentos conforme o tamanho do apoio de cada legenda, adquirir musculatura para aprovar agendas de interesse do Executivo, repactuar acordos conforme as eleições recém-ocorridas e preparar a coalizão para a próxima disputa.

A reforma não fugirá à regra, mas desta vez há também outra razão, e claramente desabonadora para Lula e sua equipe: a ineficiência. O terceiro mandato de Lula é uma constrangedora soma de ministérios medíocres. Na última pesquisa realizada pelo Ipec, oito de nove áreas analisadas tiveram avaliação negativa superando a positiva, mesmo considerando áreas com evidente impacto, como saúde, educação, economia, meio ambiente, segurança pública e política social. Em 2023, no marco dos dez primeiros meses de governo, outra pesquisa, do Instituto Paraná, questionou eleitores sobre que nota dariam – de zero a dez – a ministros. Simone Tebet (Planejamento) e Camilo Santana (Educação) obtiveram as maiores médias: modestos 5,4.

No Alvorada, Lula não hesitou em deixar recados sobre sua insatisfação. Márcio Macêdo (Secretaria-Geral) e Nísia Trindade (Saúde) foram citados em tom de cobrança. José Múcio Monteiro (Defesa) também, mas neste caso por seu pedido para deixar o governo, alegando cansaço. No almoço, Paulo Pimenta (Comunicação Social) teve a sombra do marqueteiro Sidônio Palmeira, cuja presença chamou a atenção por não ser ministro e estar na condição de provável substituto numa área já criticada abertamente por Lula. Ministros responsáveis pela articulação tiveram seus serviços sistematicamente questionados nos dois primeiros anos de mandato.

Reformas ministeriais são comuns desde a democratização. José Sarney abriu a série entre o fim de 1985 e o início de 1986, para retirar parte dos ministros que herdara de Tancredo Neves, morto antes de assumir a Presidência, e parte que disputaria as eleições nos meses seguintes. Fernando Henrique também fez a sua. Chegou a criar uma pasta para compensar o PFL, à época o principal partido de sustentação do governo e queixoso por perder o Ministério da Saúde. Em 2017, PP, PR e PTB davam um ultimato a Michel Temer, ameaçando obstruir votações caso o presidente não adiantasse mudanças. “Ou muda ou não vota mais nada aqui”, alertava o então líder da bancada do PP, Arthur Lira, com a forma e o conteúdo típicos do Centrão. Razão similar levaria Lula a realizar mudanças ainda nos primeiros meses de 2023, trocando Ana Moser por André Fufuca (PP) no Esporte e indicando Silvio Costa Filho (Republicanos) para Portos e Aeroportos.

O apetite dos partidos é um fator de instabilidade adicional para a ineficiência, um nó a mais numa já vasta, heterogênea e disfuncional coalizão que marca o atual mandato. Como mostrou o cientista político Carlos Pereira no Estadão, a coalizão de Lula tem hoje 18 partidos, enquanto seus dois governos anteriores tinham 8 e 9 partidos, respectivamente. É mais amplo em quantidade, mais heterogêneo na ideologia e mais desproporcional na distribuição da Esplanada dos Ministérios. O PT tem 43% das pastas (17) e apenas 13% das cadeiras na Câmara, número que traduz a histórica incapacidade petista de dividir o poder com aliados.

Se o presidente mudará o comando de todas as áreas reconhecidamente ineficientes, ainda é difícil saber, até porque, se essa razão prevalecesse, no limite ele precisaria começar a reforma por si mesmo, o que obviamente não fará. A esta altura, nominar demissionários e eventuais substitutos é o menos importante, sobretudo diante das razões que justificam as mudanças. O certo mesmo é o inevitável ceticismo acerca de um possível – e cada vez menos improvável – aprendizado de Lula para os erros que ele próprio cometeu até aqui.

A credibilidade do STF em queda livre

O Estado S. Paulo

Ignorando críticas de corporativismo, ativismo e partidarismo, a Corte diz que está ‘salvando a democracia’ e ‘civilizando o País’. Mas a percepção popular parece ser a de que faz o oposto

Em sua posse como presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), em setembro de 2023, Luís Roberto Barroso citou sua fórmula predileta para descrever a magistratura – a “vanguarda iluminista que empurra a história na direção do processo civilizatório” – e a ilustrou com uma lista de prioridades: combate à pobreza, desenvolvimento sustentável, liderança ambiental do Brasil e investimentos em educação, ciência, saneamento e moradia. Com altas autoridades, celebridades e magnatas, a festa que se seguiu consumou a autocelebração da Corte. Pudera: os ministros não se cansam de repetir que o STF “salvou a democracia”. Parecia chegado o momento de reformá-la.

No entanto, em dois anos, a credibilidade da Corte despencou. Segundo pesquisa do PoderData, o contingente de brasileiros que consideram o desempenho do STF “ótimo” ou “bom” diminuiu de 31% para 12%. Os que consideram “ruim” ou “péssimo” passaram de 31% para 43%. A pesquisa não indaga as razões. Mas este jornal tem algumas hipóteses.

A percepção de que as cortes judiciárias são cortes aristocráticas conta muito. Os juízes, que deveriam garantir que a lei seja igual para todos, são especialistas em pervertê-la a seu favor. Com o teto constitucional de remuneração depredado sob a complacência da Corte constitucional, o céu é o limite para a concentração de benefícios inimagináveis para o resto do funcionalismo, e ainda mais para os cidadãos comuns, que bancam o Judiciário mais caro do mundo.

Mas o subdesenvolvimento não se improvisa e esse patrimonialismo não é obra de dois anos, mas de décadas. De resto, outras pesquisas mostram que o descrédito do STF é maior que o do Judiciário. Logo, há de haver outras razões para ele.

Uma delas é o afã pelos holofotes. Sentenças são anunciadas fora dos autos, até antes dos autos. Convescotes com poderosos de Brasília ou empresários são propagandeados como “discussões sobre o Brasil”, mas não poucos brasileiros leem nas entrelinhas lobby e conflito de interesses.

Quem dera os ministros quisessem só “discutir” o Brasil e não reconfigurá-lo. Ora atuando como moderador entre os outros Poderes, ora extrapolando suas competências, o STF age como um poder imperial, determinando ao Executivo políticas públicas (de câmeras em uniformes policiais até o modo de combater incêndios ou abrigar moradores de rua) e dispondo-se a reescrever leis (sobre aborto, drogas, internet e demarcação de terras indígenas, entre outros temas).

Mas quem dera a Corte só se intrometesse nos afazeres dos representantes eleitos, sem favorecer lados. No entanto, garantismo e punitivismo flutuam ao sabor da conveniência partidária. Condenações de réus confessos pela Operação Lava Jato são anuladas a rodo. A Lei das Estatais, criada após esses escândalos, foi temporariamente suspensa para que o governo lulopetista forrasse empresas estatais com correligionários. O vale-tudo “contra a corrupção” do lavajatismo renasceu mais forte no vale-tudo “pela democracia” dos inquéritos intermináveis e sigilosos contra bolsonaristas. Mesmo críticos que nada têm a ver com o bolsonarismo são censurados como “extremistas” e suas críticas são tomadas como “ataques às instituições”.

Patrimonialismo, paternalismo, corporativismo, protagonismo, autoritarismo, partidarismo quadram mal com a sobriedade e a imparcialidade que se esperam da Justiça, e a reprovação popular parece decorrer disso.

Viradas de ano são propícias para rever posições e corrigir rumos. A época do Natal evoca palavras do Evangelho: médico, cura-te a ti mesmo. Os ministros fariam bem em se ocupar menos com os ciscos nos olhos dos outros Poderes e mais com as traves nos seus. A “vanguarda iluminista” do Supremo pode ignorar olimpicamente conselhos como esses e também o sentimento público. Mas, se continuar semeando vento, que não se surpreenda quando colher tempestade.

Tragédia que não chama a atenção

O Estado de S. Paulo

O caos no Sudão, negligenciado pelo mundo, pode deflagrar uma guerra regional

Em 2006, milhares de pessoas em Washington protestaram com celebridades e políticos contra o genocídio em Darfur, no Sudão, perpetrado pelo ditador Omar al-Bashir contra etnias não árabes. “Se nos importarmos, o mundo se importará”, disse o então senador Barack Obama. Seu colega Joe Biden instou a intervenção da Otan. O Conselho de Segurança da ONU impôs embargos e sanções, o Tribunal Penal Internacional deu ordem de prisão a Bashir, a ONU e a União Africana despacharam uma força de paz. Hoje, a história está se repetindo, mas o mundo dá as costas ao Sudão.

As crises humanitárias na Ucrânia ou em Gaza são pavorosas, mas, dadas as suas implicações geopolíticas, atraem os holofotes planetários. Já a pior e mais desesperada das crises em 2024, e que deve se agravar em 2025, passa despercebida.

Desde a independência, em 1956, o Sudão sobrevive a ciclos de golpes e guerras civis, incluindo a que o fracionou, criando o Sudão do Sul, em 2011. Após uma revolta popular ter derrubado Bashir em 2019, o país entrou numa rota tênue para a democracia. Mas em 2021, as Forças Armadas do Sudão (SAF) e o grupo paramilitar Forças de Suporte Rápido (RSF) tomaram o poder do governo civil de transição. A deterioração dessa parceria se intensificou até explodir numa guerra civil, em 2023.

Estima-se que até 150 mil tenham morrido, 12 milhões tenham se deslocado e 3,2 milhões, fugido do país. Quase 80% dos hospitais não estão funcionando. Metade da população, 25 milhões, precisa de socorro humanitário; 750 mil estão à beira da inanição. Ambos os lados são acusados de bloquear auxílio humanitário e de saques, estupros e execuções de civis. A RSF, dissidente das milícias de Bashir, já praticou limpeza étnica e dá sinais de que iniciará – se já não iniciou – outro genocídio em Darfur, caso conquiste as últimas fortalezas da SAF na região.

“O pior dos cenários no Sudão é uma versão de 20 a 25 anos da Somália com esteroides”, disse Tom Perriello, o enviado especial dos EUA, à revista Foreign Policy, referindo-se ao país africano que se tornou sinônimo de catástrofe humanitária. “A velocidade com que esse conflito pode ir de uma guerra entre dois lados para sete ou oito lados, sugando países vizinhos” pode torná-la “ainda pior que uma Líbia 2.0″, em referência a outro país africano que está em guerra civil desde 2014.

Egito e Arábia Saudita apoiam a SAF, que tem estreitado laços com Irã e Rússia. A RSF é apoiada pelos Emirados Árabes e pelo vizinho Chade, e emprega mercenários russos. Os piores problemas da África podem infectar o Oriente Médio e vice-versa.

Um cessar-fogo não está no horizonte, mas pode despontar com mobilizações entre esses apoiadores, dos quais depende a ajuda humanitária. Será preciso desenhar sanções especialmente duras para a RSF em Darfur. A guerra civil pode se tornar uma guerra regional. A degradação do controle do narcotráfico, as pressões migratórias e novos refúgios para terroristas islâmicos teriam impacto global.

Na revolução de 2019, protestos em todo o mundo repetiam um canto: “Não são as balas que o povo do Sudão teme, é o silêncio do mundo”. Esse silêncio já é cúmplice de muitas mortes e, caso se perpetue, imporá um custo brutal à África e a todo o mundo.

Segurança não pode ser refém da mesquinharia

Correio Braziliense

O decreto do governo federal não tem a arrogância de ser definitivo. Mas abre uma boa e necessária discussão, infelizmente contaminada por interesses eleitorais

A preocupação com a segurança pública não passa de um discurso eleitoral dos governantes, seja para dar ao eleitor a impressão de que o combate à criminalidade é uma prioridade na gestão pública, seja para acenar às corporações do setor, reforçando-lhes quase sempre os vícios e as virtudes cada vez mais escassas. Entende-se isso ao observar a discussão em torno do decreto do governo federal sobre o uso da força em operações policiais. Governadores de oposição acusam o Ministério da Justiça e o Palácio do Planalto de interferirem nas políticas de segurança dos estados.

Mas esse aparato está funcionando tão bem assim a ponto de rechaçarem completamente os termos do decreto? Ou o que está falando mais alto são os interesses políticos — uma vez que essas corporações têm capilaridade eleitoral e interesses a defender nos Poderes Legislativo e Executivo? O noticiário de poucas semanas atrás trouxe uma sequência de ações brutais da Polícia Militar de São Paulo — em uma delas, uma idosa foi agredida dentro da própria casa e, noutra, um homem foi jogado em um córrego, de cima de uma ponte.

Da mesma forma, as operações policiais no Rio de Janeiro estão longe de serem exemplos de eficiência. Primeiramente, porque, não raro, tornam-se chacinas. Em segundo, porque apesar de tamanha violência, não impediram o avanço do tráfico nem o surgimento das milícias. E, em terceiro, porque sucedem-se os registros nos quais suspeitos são detidos apenas por causa da cor da pele — ou seja, exercícios explícitos de racismo.

Ações brutais, porém, não são exclusividade de unidades da Federação governadas pela oposição. Mas, na atual discussão, há uma grande diferença em relação às anteriores: os governadores do Consórcio Nordeste deram apoio à iniciativa federal, da mesma forma que ex-ministros da Justiça se manifestaram favoravelmente a ela. Isso representa que o decreto, se não tem os predicados necessários para conter a violência nem intimidar as facções criminosas, ao menos chama a atenção para o fato de que muita gente tem morrido porque as forças de segurança perderam a capacidade de diferenciar o bandido do cidadão — sobretudo aquele que vive nas comunidades mais pobres — e não são exemplos de profissionalismo — a contaminação politiqueira que as assola confirma isso.

O decreto do governo federal não tem a arrogância de ser definitivo. Mas abre uma boa e necessária discussão, infelizmente contaminada por interesses eleitorais. Segurança pública é um tema que pertence à sociedade e cabe a ela como um todo discutir — cada ator expõe seu ponto de vista, todos em busca de um consenso. A captura por nichos ideológicos amesquinha um assunto de imensa relevância. E afasta as soluções inteligentes. 

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