quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

Segurança em primeiro lugar - Merval Pereira

O Globo

O Sistema Único de Segurança Pública, o SUS da segurança, precisa ser implementado imediatamente para libertar os estados do jugo de milicianos e narcotraficantes

Apesar de ser uma reafirmação do óbvio, o decreto do presidente Lula que regula o uso da força policial foi rejeitado por governadores conservadores do Centro-Sul e Sudeste do país, inclusive do Rio de Janeiro e São Paulo, estados dos mais atingidos pela violência policial, como se fosse uma intervenção do governo federal na autonomia dos governos estaduais. O que deveria ser uma cooperação nacional contra o inimigo comum transformou-se em instrumento político da polarização que nos envolve e tolhe a capacidade de reação da cidadania.

Essa atitude é mais uma etapa da disputa política que nubla a visão de longo prazo de políticos que têm interesses estreitos de curto prazo. O decreto presidencial, no entanto, tem uma amplitude que complementa a política nacional de segurança pública proposta pelo ministro da Justiça Ricardo Lewandowski, que não avança por absoluto descaso, quando não por influência da maioria conservadora que apoia o armamento dos cidadãos como solução.

Com o agravamento da crise de segurança pública, o governo federal retoma a tentativa de assumir o controle da situação, pois parte significativa do território nacional já está sob o domínio de milicianos e narcotraficantes, com relações não apenas nacionais, como fora do país. É o que afirmam ex-ministros da Justiça e da Segurança Pública que assinaram um manifesto de apoio ao decreto do presidente Lula.

Os ex-ministros da Justiça Aloysio Nunes Ferreira, Nelson Jobim e Miguel Reale Jr., que ocuparam o cargo nos governos de Fernando Henrique Cardoso; Tarso Genro, ministro no primeiro governo de Lula; Luiz Paulo Barreto e José Eduardo Cardoso, da gestão Dilma Rousseff; e Raul Jungmann, ministro da Segurança de Michel Temer, se uniram para mostrar quão grave é a crise.

O fato de recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) só poderem ser acessados caso as exigências de moderação e equilíbrio no combate à criminalidade sejam cumpridas significa apenas que o governo federal quer que a verba seja investida em políticas públicas que se coadunem com as exigências do governo federal, algo perfeitamente normal em um estado democrático.

Os ex-ministros apontam as discórdias como consequência de um embate ideológico que “jamais poderia guiar a análise séria sobre o tema”. A questão ideológica define-se pela posição desses governadores de que o combate à criminalidade tem de ser letal se preciso for, uma maneira de retomar a política de “bandido bom é bandido morto” reforçada nos últimos anos pelo governo Bolsonaro, a quem os governadores aderem.

O decreto representa, para esses ex-ministros, “uma evolução significativa na credibilidade das instituições, sobretudo as policiais, sem a qual a confiança é corroída, em prejuízo à construção de uma sociedade mais segura, justa e pacífica”. Também governadores do Nordeste apoiaram as medidas, na maioria aliados ao governo petista. Naquela região, crescem as famigeradas alianças de criminosos, filhotes de associações mais longevas, como Comando Vermelho e Primeiro Comando da Capital.

A contenção dos danos é necessária para que não se repitam os trágicos acontecimentos registrados diariamente, com cidadãos comuns fuzilados por engano, balas perdidas que matam inocentes, passageiros mortos ao entrar por engano em territórios dominados por bandidos. O Sistema Único de Segurança Pública, o SUS da segurança, precisa ser implementado imediatamente para libertar os estados do jugo de milicianos e narcotraficantes. Mas não é possível achar que apenas a selvageria pode combater a criminalidade desenfreada. A polícia tem de ser uma instituição de proteção ao cidadão, e não seu permanente temor.

 

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