O Globo
O Sistema Único de Segurança Pública, o SUS da segurança, precisa ser implementado imediatamente para libertar os estados do jugo de milicianos e narcotraficantes
Apesar de ser uma reafirmação do óbvio, o
decreto do presidente Lula que regula o uso da força policial foi rejeitado por
governadores conservadores do Centro-Sul e Sudeste do país, inclusive do Rio de
Janeiro e São Paulo, estados dos mais atingidos pela violência policial, como
se fosse uma intervenção do governo federal na autonomia dos governos
estaduais. O que deveria ser uma cooperação nacional contra o inimigo comum
transformou-se em instrumento político da polarização que nos envolve e tolhe a
capacidade de reação da cidadania.
Essa atitude é mais uma etapa da disputa política que nubla a visão de longo prazo de políticos que têm interesses estreitos de curto prazo. O decreto presidencial, no entanto, tem uma amplitude que complementa a política nacional de segurança pública proposta pelo ministro da Justiça Ricardo Lewandowski, que não avança por absoluto descaso, quando não por influência da maioria conservadora que apoia o armamento dos cidadãos como solução.
Com o agravamento da crise de segurança
pública, o governo federal retoma a tentativa de assumir o controle da
situação, pois parte significativa do território nacional já está sob o domínio
de milicianos e narcotraficantes, com relações não apenas nacionais, como fora
do país. É o que afirmam ex-ministros da Justiça e da Segurança Pública que
assinaram um manifesto de apoio ao decreto do presidente Lula.
Os ex-ministros da Justiça Aloysio Nunes
Ferreira, Nelson Jobim e Miguel Reale Jr., que ocuparam o cargo nos governos de
Fernando Henrique Cardoso; Tarso Genro, ministro no primeiro governo de Lula;
Luiz Paulo Barreto e José Eduardo Cardoso, da gestão Dilma Rousseff; e Raul
Jungmann, ministro da Segurança de Michel Temer, se uniram para mostrar quão
grave é a crise.
O fato de recursos do Fundo Nacional de
Segurança Pública (FNSP) só poderem ser acessados caso as exigências de
moderação e equilíbrio no combate à criminalidade sejam cumpridas significa
apenas que o governo federal quer que a verba seja investida em políticas
públicas que se coadunem com as exigências do governo federal, algo
perfeitamente normal em um estado democrático.
Os ex-ministros apontam as discórdias como
consequência de um embate ideológico que “jamais poderia guiar a análise séria
sobre o tema”. A questão ideológica define-se pela posição desses governadores
de que o combate à criminalidade tem de ser letal se preciso for, uma maneira
de retomar a política de “bandido bom é bandido morto” reforçada nos últimos
anos pelo governo Bolsonaro, a quem os governadores aderem.
O decreto representa, para esses
ex-ministros, “uma evolução significativa na credibilidade das instituições,
sobretudo as policiais, sem a qual a confiança é corroída, em prejuízo à
construção de uma sociedade mais segura, justa e pacífica”. Também governadores
do Nordeste apoiaram as medidas, na maioria aliados ao governo petista. Naquela
região, crescem as famigeradas alianças de criminosos, filhotes de associações
mais longevas, como Comando Vermelho e Primeiro Comando da Capital.
A contenção dos danos é necessária para que
não se repitam os trágicos acontecimentos registrados diariamente, com cidadãos
comuns fuzilados por engano, balas perdidas que matam inocentes, passageiros
mortos ao entrar por engano em territórios dominados por bandidos. O Sistema
Único de Segurança Pública, o SUS da segurança, precisa ser implementado
imediatamente para libertar os estados do jugo de milicianos e
narcotraficantes. Mas não é possível achar que apenas a selvageria pode
combater a criminalidade desenfreada. A polícia tem de ser uma instituição de
proteção ao cidadão, e não seu permanente temor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário