Valor Econômico
Telefonema de Trump a Lula mostra avanço na aproximação e escancara o erro do bolsonarismo em fazer do presidente americano sua âncora
É uma incógnita o quórum da manifestação
bolsonarista desta terça em Brasília em pleno horário comercial (16h), mas uma
aposta dá pra fazer: depois do telefonema entre os dois presidentes, Donald
Trump e Luiz Inácio Lula da Silva, não deverá haver bandeira americana. Aquela
de 36 metros estendida em frente ao Masp no dia da Pátria foi a de pior
custo-benefício da história.
Lula disse que falaram do comércio entre os dois países, Trump confirmou. O presidente brasileiro disse ter mencionado a cúpula da Asean, na Malásia, como uma oportunidade de encontro, o convidou para vir à COP30 e se dispôs a ir aos EUA. Trump não excluiu nenhuma das possibilidades e colocou um ponto de exclamação depois de dizer que os dois países “vão trabalhar juntos”.
Lula explorou a condição de octogenário,
comum a ambos, Trump pegou a deixa para, numa tirada típica do presidente
brasileiro, dizer que estavam melhor que aos 40. Só faltou Lula discorrer sobre
as prerrogativas dos 20 anos que ainda mantém.
O presidente americano apareceu sozinho na
tela. Já o brasileiro levou um time de futebol de salão (Geraldo Alckmin, Mauro
Vieira, Fernando Haddad, Celso Amorim e Sidônio Pereira). O vice-presidente
disse que foi melhor do que esperavam, Trump registrou duas vezes que tinha
gostado do telefonema. E nada de Jair Bolsonaro.
A nota dissonante ficou por conta da designação
do secretário do Departamento de Estado, Marco Rubio, como interlocutor. Rubio
também é o principal canal da dupla Paulo Figueiredo/Eduardo Bolsonaro. Se a
pauta é econômica, seria natural que recaísse sobre Scott Bessent (Tesouro),
Jamieson Greer (USTR) ou Howard Lutnik (Comércio).
Como Lula mencionou a suspensão de vistos,
tema de Rubio, não dá para reclamar. Como os dois presidentes trocaram seus
números de celular, não dá para dizer que a interlocução será monopolizada pelo
Departamento de Estado.
Mais tarde, ao receber jornalistas no Salão
Oval, Trump disse e repetiu que Lula era um “homem bom” e reafirmou a
possibilidade de encontro entre os dois presidentes - “Em algum momento devo ir
lá e ele vir aqui” - e a perspectiva de “bons negócios”.
Tanto Eduardo Bolsonaro quanto Paulo
Figueiredo têm se apegado à ideia de que a interlocução não prosperará, dado o
viés ideológico do secretário de Estado. Há menos de um mês, Rubio disse que o
Brasil “rompeu o Estado de direito” com a condenação de Bolsonaro e que os EUA
responderiam à “caça às bruxas”. Já mostrou, porém, que não tem problema em dar
meia volta volver. Rubio já chamou Vladimir Putin de criminoso de guerra,
quando estava no Senado, e acabou participando da recepção que Trump ofereceu
ao presidente russo, com todas as honras militares, no Alasca.
A conversa seguiu o script montado pelo
Itamaraty desde o tarifaço. O encontro nas coxias da Assembleia Geral da ONU em
setembro foi mencionado como uma possibilidade por uma alta autoridade da
diplomacia brasileira em julho a um parlamentar da comitiva que esteve em
Washington. O chanceler Mauro Vieira chegou a dizer, no Senado, que a proposta
de Trump para Gaza era tudo que o Brasil sempre havia defendido. A
desinterdição do contato também passa ainda pelo freio de mão em duas
iniciativas legislativas, a de um projeto de lei anti-Magnitsky e da regulação
das redes.
Além de colocar a bola do tarifaço no chão, o
telefonema de Trump para Lula tem consequências domésticas nada desprezíveis.
Chega num momento de uma tripla crise - no bolsonarismo, no Centrão e na
aliança entre ambos. Os irmãos Bolsonaro não se conformam com a possibilidade
de a ex-primeira-dama, Michelle Bolsonaro, ser o nome mais viável da família
para 2026.
Depois de ter sua indicação a líder da
minoria negada pela presidência da Camara, Eduardo Bolsonaro não terá como
escapar de cassação por falta. Seu irmão, Carlos Bolsonaro, vereador no Rio,
tem sua postulação ao Senado por Santa Catarina rechaçada pela imprensa local.
Editorial do ND, um dos maiores grupos de comunicação do Estado, estampou:
“Santa Catarina não é - e jamais será - um curral eleitoral”.
Desfeito o maior ativo do bolsonarismo, a
exclusividade de interlocução com o governo trumpista, o Centrão poderia tomar
a dianteira desta aliança não fosse sua própria entropia. Montada para arrancar
a vice de uma chapa do governador Tarcísio de Freitas (SP) à Presidência, com
as maiores bancadas do Congresso, a federação PP/União permanece sem registro
no TSE seis meses depois de lançada.
Para valer nas eleições de 2026 terá que
fazê-lo até abril, o que também parece improvável depois das farpas entre o
principal nome do União à Presidência, o governador Ronaldo Caiado (GPO), e o
presidente do PP, o senador Ciro Nogueira (PI). Não bastasse, os dois ministros
da federação, Celso Sabino (Turismo) e André Fufuca (Esportes) desafiam o
comando de suas legendas para permanecer no governo.
No meio de toda essa barafunda, quem deu o tom mesmo foi o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que na segunda-feira à tarde, foi à casa do pai em Brasília, o encontrou “apagado” mas aproveitou para gravar um vídeo convocando para a manifestação desta terça. “Não temos mais a quem apelar”, disse. Pelo menos, desta vez, a bandeira, foi o que ele prometeu, será a do Brasil.
Nenhum comentário:
Postar um comentário