Conversa entre Lula e Trump representa um bom começo
Por O Globo
Depois da quebra do gelo, negociação entre
Brasil e Estados Unidos deve se concentrar em interesses comuns
Foi um avanço inegável a conversa de 30
minutos entre os presidentes do Brasil, Luiz Inácio da Silva, e dos Estados Unidos, Donald Trump,
nesta segunda-feira por videoconferência. Mais de dois meses depois de Trump
ter oficializado a sobretaxa de 50% para as exportações brasileiras, enfim o
gelo se quebrou, dando início a negociações. A esperança é que sejam
produtivas. No mínimo, a conversa, resultado do breve contato que ambos
mantiveram durante a Assembleia Geral da ONU no mês passado, representou uma
bem-vinda distensão.
Entre os pontos abordados, Lula pediu a Trump que reveja o tarifaço e as sanções a autoridades brasileiras. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que acompanhou a conversa, afirmou que o diálogo foi positivo. O vice-presidente, Geraldo Alckmin, considerou o contato melhor do que se esperava. Lula e Trump, segundo nota do Palácio do Planalto, concordaram em manter um encontro em pessoa e trocaram telefones para estabelecer via direta de comunicação. Lula reiterou a Trump o convite para que participe da COP30, em Belém, e disse a ele considerar o contato direto “uma oportunidade para restauração de relações amigáveis de 201 anos entre as duas maiores democracias do Ocidente”. Lembrou, por fim, que o Brasil é um dos três países do G20 com que os Estados Unidos mantêm superávit na balança de bens e serviços. Trump afirmou que a ligação foi “muito boa” e que a conversa “focou principalmente na economia e no comércio entre os dois países”. Disse que os dois se reunirão “num futuro não muito distante”, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos. “Nossos países se darão muito bem juntos”, concluiu.
Trump designou o secretário de Estado, Marco
Rubio, para dar sequência às negociações. A despeito da abertura de diálogo, o
caminho pode ser espinhoso. Rubio tem sido implacável na aplicação de sanções a
autoridades brasileiras e a seus familiares. Em julho, anunciou o cancelamento
de vistos de ministros do Supremo Tribunal Federal, além de funcionários e
ex-funcionários do governo brasileiro. As sanções têm sido incentivadas pelo
deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Tendo Rubio como intermediário, o Brasil
precisará, nas negociações, contornar as pautas de natureza política, em
especial a acusação descabida de perseguição política a Bolsonaro e o
tratamento dado pelo Brasil às plataformas digitais americanas. Caso o tema se
torne inescapável, Lula precisa dizer que os Poderes no Brasil são
independentes e que a condenação de Bolsonaro seguiu a lei, cumprindo todos os
ritos, foi transparente e puniu crimes graves. Deve tentar levar a conversa
para questões em que a agenda possa ser mais produtiva.
A reação de Trump foi positiva ao enfatizar a
economia. O desafio que se impõe é justamente concentrar-se em temas de
comércio e da agenda bilateral e evitar que o diálogo descambe para as pautas
bolsonaristas. Lula precisa fazer o possível para obter acordo com os
americanos, uma vez que o tarifaço tem causado danos significativos aos
exportadores, ainda que em dimensão inferior à expectativa. Há espaço para
negociação nas áreas empresarial, tecnológica, científica, comercial e mineral.
Não será difícil encontrar um acordo em torno de interesses comuns. A mera
abertura de diálogo revela que Lula e Trump estão no bom caminho.
Privatização do Santos Dumont precisa entrar
na agenda do governo
Por O Globo
Derramamento de óleo que paralisou aeroporto
expõe dificuldades na gestão da Infraero
Na semana passada, um caminhão derramou óleo
na pista do Aeroporto Santos Dumont, resultando em fechamento por 12 horas,
cancelamento de mais de 160 voos e prejuízos de toda sorte a milhares de
passageiros. Foi também um indício dos problemas que assolam a gestão do único
dos grandes aeroportos brasileiros ainda sob as asas da Infraero, estatal que
administra outros 23 pequenos aeroportos regionais.
Durante o governo Jair Bolsonaro, o Santos
Dumont foi incluído na lista de aeroportos a privatizar, programa iniciado em
2012 que, apesar de percalços, é um sucesso indiscutível. A privatização foi
suspensa em razão da perspectiva de relicitação do Tom Jobim/Galeão e da
necessidade de elaborar um modelo conjunto para os dois terminais do Rio de
Janeiro. Para corrigir o esvaziamento do Galeão — que andava às moscas —, o
governo acertadamente impôs limitação aos voos do Santos Dumont. A estratégia
funcionou, e o terminal internacional tem recuperado espaço como centro de
conexões, enquanto o número de passageiros no Santos Dumont caiu. Desde então,
não se cogitou mais a venda do doméstico.
Nem se pode dizer que seja por resistência
ideológica, por mais que esse fator sempre tenha influência nas gestões
petistas. A questão é financeira mesmo: o Santos Dumont é o aeroporto mais
lucrativo da Infraero, ainda que em 2024 não tenha bastado para evitar um
prejuízo de R$ 228,8 milhões da estatal (depois de lucrar R$ 490 milhões em
2023). Ela ainda sofreu um baque porque o governo do Ceará decidiu retirar de
sua administração 11 aeroportos, provavelmente para privatizá-los. Como o novo
contrato do Galeão prevê a possibilidade de aumento na quantidade de voos no
Santos Dumont, ainda que continuem limitados, a estatal aposta nele para
reequilibrar suas contas.
Há duas questões distintas quando se fala no
Santos Dumont. A primeira é sua vocação: trata-se de terminal doméstico, com
grande impacto urbano, por isso não pode estar sujeito a modelos demasiado
ambiciosos de operação (chegou-se a falar no despropósito de autorizar voos
internacionais).
A segunda é quem será responsável pela operação. Não faz sentido o Estado brasileiro, sem capacidade de investimento, arcar com o ônus das modernizações necessárias. O preço futuro da omissão poderá ir muito além do transtorno causado pelo derramamento de óleo. A missão do Santos Dumont não pode ser cobrir prejuízos da Infraero. “O poder público tem de estar onde não há interesse privado, prestando serviço de qualidade. A vocação da Infraero é infraestrutura aeroportuária regional”, diz Fernando Villela, coordenador do Comitê de Regulação de Infraestrutura Aeroportuária, da FGV Direito Rio. O serviço de aviação comercial é estratégico para o país. Por isso a transferência do Santos Dumont à iniciativa privada, com base num modelo que evite a canibalização de voos do Galeão, precisa voltar à agenda com urgência.
Economia americana ainda resiste a Trump
Por Folha de S. Paulo
Apesar da desaceleração, atividade mantém
vigor com investimentos em inteligência artificial
Conversa do republicano com Lula não trouxe
promessa de menos tarifas para o Brasil; intervenção no Fed pode ter efeito
desastroso
A economia dos Estados
Unidos ainda exibe neste ano uma vitalidade notável, apesar das
sombras projetadas pelas políticas protecionistas e das ameaças de
intervenção na autonomia do banco central por parte de Donald Trump.
O PIB avançou
a um ritmo anualizado de 1,2% no primeiro semestre, uma desaceleração em
relação aos 2,8% de 2024. Em parte, tal desempenho decorre das ações
intempestivas do mandatário, mas alguma perda de ritmo já seria de esperar.
A inflação deve
subir para 3% em 2025 com impulso das tarifas comerciais, que erodem o poder de
compra das famílias. É razoável também antecipar que as taxas trarão ineficiência
e perda de competitividade a médio prazo.
As restrições
à imigração também impactam o mercado de trabalho, que mostrou
geração de apenas 29 mil vagas mensais nos últimos três meses.
Mesmo assim, não há sinais de recessão. Pelo
contrário, os indicadores mais recentes sugerem crescimento próximo de 2% na
segunda metade do ano, com vigorosos investimentos em inteligência
artificial, que abarcam a infraestrutura de semicondutores e de
geração de energia.
O setor tem atraído cada vez mais aportes, na
corrida das grandes empresas de tecnologia em
competição ferrenha com a China.
Estima-se que tais investimentos tenham adicionado 1 ponto percentual no PIB
anualizado do segundo trimestre.
Atualmente, cerca de 75% da capacidade de
processamento digital está nos EUA, liderança que deve se manter no curto
prazo. O otimismo tem elevado os preços das ações do setor de tecnologia,
atraindo o interesse de estrangeiros e impulsionando a riqueza das famílias
americanas, mesmo que de forma concentrada.
Na soma geral, a desaceleração do mercado de
trabalho domina a atenção do Fed, que parece
considerar o impacto das tarifas na inflação como temporário.
A autoridade monetária iniciou no mês passado
um ciclo de cortes de juros,
que deve durar até meados de 2026. No próximo ano também deve haver algum
impulso econômico por causa de cortes de impostos. O alívio fiscal e monetário,
num contexto em que se expande o investimento em tecnologia, pode manter o
crescimento tem torno de 2% mesmo diante das intempéries.
Os riscos são consideráveis, porém. A
desconfiança quanto a Trump contribui para desvalorizar o dólar.
O salto de quase 50% no preço do ouro é sinal de que investidores buscam
proteção que já não encontram na moeda americana. Nomeações irresponsáveis para
o comando do Fed teriam efeito desastroso.
O americano não dá sinais de recuo —numa
pequena amostra, a conversa com Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
nesta segunda (6) não trouxe a promessa de menos tarifas para o Brasil. Mesmo
que a economia resista por ora, as políticas populistas e intervencionistas
terão consequências difíceis de mensurar mais à frente.
França ingovernável
Por Folha de S. Paulo
Parlamento atravanca acordo sobre Orçamento
para 2026, o que leva à queda do quarto premiê em um ano
Cada partido está encastelado em sua posição,
como se fosse maioria, resumiu o ex-premiê; Macron fica em situação política
vulnerável
Com a
renúncia de mais um primeiro-ministro da França,
a segunda maior economia da União
Europeia corre o risco de descambar para a ingovernabilidade e
uma crise fiscal sem paralelos em sua história recente. Na raiz do problema
estão a fragmentação política do país e a aversão dos partidos ao diálogo com o
governo do presidente Emmanuel
Macron.
Sébastien Lecornu foi o quarto premiê a cair
em um ano e o mais breve no cargo —só 27 dias. Pediu demissão, 14 horas depois
de nomear seu gabinete, devido às intransigências partidárias em torno do
Orçamento, assim como os
três que o precederam no cargo.
Nada sugere que o próximo obterá aprovação da
Assembleia Nacional ao projeto de receitas e gastos públicos para 2026 até o
fim deste ano, como manda a Constituição. O cenário revela paralisia política e
incertezas que podem se estender até o final do mandato de Macron, em 2027.
Os esforços de Lecornu para negociar com
partidos e sindicatos uma proposta capaz de responder à precariedade das contas
públicas foram em vão.
Cada sigla está encastelada em suas posições,
como se fosse maioria no Legislativo, resumiu o ex-premiê. O centro aliado a
Macron tampouco detém tal condição desde as eleições legislativas de julho de
2024 —cuja convocação assombra o líder francês como seu maior erro político. Desde o
pleito, o Parlamento está divido em três blocos (esquerda,
centro-direita e ultradireita) com forças similares.
A queda de Lecornu sugere que ele não teria
em mãos um projeto orçamentário com mínima chance de aprovação para enviar à
Assembleia Nacional nesta terça (7), como prometera. Alcançar consenso
tornou-se difícil justamente quando não há outra solução econômica para o país
senão a austeridade fiscal.
Os franceses no geral têm forte rejeição a
cortes de gastos, mas a situação tornou-se insustentável desde a pandemia e
tende a piorar a longo prazo com o envelhecimento da
população, que pressiona o sistema previdenciário.
A dívida soberana da França equivale a 114%
do seu Produto Interno Bruto —antes da crise sanitária, estava em 98%. O
déficit público em 2024 foi de 5,8% do PIB. Há riscos
de desinvestimentos e mercados já antecipam esse cenário. Mas os partidos à
esquerda e à direita, notadamente os populistas, cegam-se diante da gravidade
da conjuntura.
Com apenas 16% de aprovação popular, Macron tem como única alternativa a negociação política para tentar trazer o governo da França de volta aos trilhos.
Com juro alto, é caro o colchão de proteção
do Tesouro
Por Valor Econômico
O custo médio acumulado em 12 meses do
estoque da dívida pública federal fechou agosto em 11,65%, contra 11,63% ao ano
registrado no mês imediatamente anterior
Após um início de ano amigável, as relações
entre o Tesouro e o mercado financeiro se estressaram no segundo semestre com o
aumento da oferta de títulos e alongamento de prazos dos papéis, que resultaram
em pressão sobre as taxas. Como pano de fundo, estão a sinalização do Banco
Central de que os juros continuarão elevados, o debate a respeito da mudança na
tributação dos investimentos, o aumento da demanda por aplicações incentivadas
e os resgates dos fundos multimercados.
Do seu lado, o Tesouro executa há meses uma
política ativa para reforçar seu colchão de liquidez, reserva de caixa para
pagar seus vencimentos, antecipando-se à expectativa de eventuais dificuldades
de rolagem de dívida em 2026 por conta da possível maior volatilidade causada
pelo ambiente eleitoral. No começo do ano, a política do Tesouro foi até
elogiada e considerada uma atitude proativa, com a aceleração da colocação de
papéis prefixados e atrelados à inflação (NTN-Bs), o que ajudou a acalmar
temores com a piora na composição da dívida.
No primeiro semestre foram emitidos R$ 930,2
bilhões em títulos públicos, uma alta de 17,3% em relação ao volume do mesmo
período de 2024. Além disso, houve um salto de 88,4% nas emissões de títulos
prefixados (LTN e NTN-F) e de 184,7% em NTN-Bs, ao passo em que as colocações
das pós-fixadas LFTs caíram 32%. A estratégia continuou no segundo semestre, e,
ao final de agosto, o total de emissões de títulos públicos no ano chegou a R$
1,317 trilhão, com emissões líquidas no ano de R$ 277,1 bilhões, após resgates
de R$ 1,040 trilhão.
Com esse esforço, o colchão de liquidez atingiu
R$ 1,1 trilhão em agosto, último dado disponível, suficiente para garantir 7,8
meses de vencimento, nível superior ao de 6,24 meses do fim de 2024. Nas
eleições de 2022, o colchão de liquidez chegou a cobrir 9 meses.
A gota d’água no mau humor do mercado foi o
mega leilão “off the run”, fora do calendário regular, realizado no início de
setembro, que ofertou 4,5 milhões de papéis ultralongos, NTN-Bs, com vencimento
em 2040, 2050 e 2055. Apesar de todos os papéis terem sido adquiridos, houve
críticas ao momento em que foi realizado, com o mercado já “saturado”, e por
pressionar os juros de longo prazo, inibindo o recuo das taxas.
O Tesouro rebateu as críticas, negando
aumento de risco no mercado ou sobrecarga de papéis, e explicou que foi “uma
medida pontual e necessária para corrigir falhas de liquidez, apoiar o mercado
privado no uso de hedge, atender à demanda estrutural de investidores de longo
prazo e assegurar a eficiência da curva de juros reais”.
Com a estratégia do Tesouro, o estoque da
dívida pública federal no ano cresceu R$ 828,9 bilhões até agosto e ultrapassou
o piso do Plano Anual de Financiamento (PAF) de R$ 8,1 trilhões, atingindo R$
8,14 trilhões, 11,3% acima de dezembro de 2024. O PAF detalha as diretrizes do
Tesouro para gerir a dívida. Seu descumprimento não gera sanções.
O Tesouro anunciou uma revisão da PAF deste
ano. O piso da dívida pública federal foi elevado de R$ 8,1 trilhões para R$
8,5 trilhões, e o teto passou de R$ 8,5 trilhões para R$ 8,8 trilhões. Não é a
primeira vez na história que o Tesouro revisa o plano, mas isso não é tão comum
assim. Desde 2003, ele fez sete revisões, segundo levantamento da Warren
Investimentos.
Desta vez, a revisão era esperada diante do
ritmo de emissões, de R$ 163,96 bilhões mensais até agosto. O ajuste do PAF
também foi visto como tentativa do Tesouro de buscar maior transparência. O
secretário do Tesouro, Rogério Ceron, procurou acalmar o mercado ao dizer que o
colchão de liquidez já está em nível confortável e que a estratégia, a partir
de agora, é priorizar sua manutenção, sem pressão adicional de vendas.
Além disso, o cronograma de leilões da dívida
pública do quarto trimestre divulgado pelo Tesouro não contém a possibilidade
de realização de mais leilões “off the run”, como ocorreu no segundo e no
terceiro trimestres, escaldado pela chuva de críticas de que aumentou o risco
do mercado com a venda realizada no início de setembro. A prova do pudim será
feita nos próximos leilões, que demostrarão tanto a disposição genuína do
Tesouro de reduzir a pressão quanto a disposição do mercado.
Preocupam mais do que tudo os reflexos da estratégia do Tesouro sobre a gestão da dívida pública. O custo médio acumulado em 12 meses do estoque da dívida pública federal fechou agosto em 11,65%, contra 11,63% ao ano registrado no mês imediatamente anterior, patamar salgado diante da inflação corrente e da prevista para o futuro. Mais salgadas ainda são as taxas das NTN-Bs, de mais de 7% acima da inflação. Qualquer folga para emitir dívida com os maiores juros em duas décadas, e taxa real perto de 10%, fatalmente é muito cara. Resta saber se o esforço para rechear o colchão de liquidez valerá a pena, inclusive por conta de seus reflexos nos custos da dívida a longo prazo e das dificuldades do governo de fazer um superávit primário nas contas públicas para reduzir esse endividamento.
A hora dos adultos na sala
Por O Estado de S. Paulo
Telefonema de Trump para Lula sinaliza que o
interesse mútuo pode prevalecer na relação entre EUA e Brasil, intoxicada por
arroubos antiamericanos do PT e pela sabotagem bolsonarista
A conversa telefônica travada ontem entre os
presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump foi um passo significativo
para recolocar a relação Brasil-EUA nos trilhos. Há vários elementos positivos,
a começar pelo fato de que o telefonema partiu de Trump, que até pouco tempo
atrás parecia infenso à ideia de qualquer contato com o Brasil e com Lula. Além
disso, ambos descreveram a conversa como “amistosa”, resultando em troca de
telefones diretos e o aceno a um encontro presencial em breve, talvez ainda
neste mês, na cúpula da Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean), na
Malásia. Melhor ainda: segundo o Palácio do Planalto, a conversa focou em
interesses comerciais, não em rusgas políticas.
Quando um telefonema banal entre os
presidentes dos EUA e do Brasil, países que cultivam dois séculos de excelente
relação, se torna notícia alvissareira, tem-se ideia do quão intoxicada estava
a agenda bilateral. Por um lado, Lula cultivou cuidadosamente a imagem de líder
antiamericano, alinhando-se a países e teses hostis aos EUA; por outro, Trump
agrediu o Brasil com tarifas exorbitantes e sanções estapafúrdias sob o falso
argumento, oferecido a ele por conselheiros instruídos por bolsonaristas, de
que o ex-presidente Jair Bolsonaro é vítima de perseguição política.
O resultado foi a degradação das relações e a
paralisia dos canais de alto nível. O telefonema de ontem indica que ambas as
partes entenderam que abusaram do simbolismo à custa dos interesses de suas
nações.
O mérito pertence menos à já folclórica
“química” entre ambos e mais à diplomacia profissional e ao setor privado.
Negociadores experientes – e empresários de ambos os lados preocupados com
preços, cadeias de suprimento e empregos – fizeram o que a política não fazia:
substituíram slogans por dados, neutralizaram sabotadores e restabeleceram
fluxos de informações confiáveis. Ao romper o monopólio de versões convenientes
a facções, criaram espaço para o que importa: solucionar problemas.
Há oportunidades à vista. O Brasil dispõe de
reservas de minerais críticos; os EUA buscam reduzir dependências estratégicas.
A pauta sobre a regulação de plataformas digitais exige diálogo – e não
ultimatos. Cooperação em segurança alimentar ou energética e até missões de
estabilização regional podem produzir ganhos recíprocos. Essa agenda não requer
alinhamento automático com Washington, e sim previsibilidade, regras e
disposição de negociar trocas que gerem empregos e investimentos de parte a
parte.
Convém, claro, temperar o otimismo. Trump
continua um político de temperamento volátil, que pega de surpresa até seus
mais próximos assessores quando improvisa. Lula, por seu lado, investe pesado
na transformação da agressão americana em ativo eleitoral, com as bravatas
patrioteiras de praxe. É claro que nada disso ajuda a diplomacia, razão pela
qual, da parte do Brasil, o Itamaraty terá de blindar o canal recém-aberto
contra recaídas performáticas, e o Planalto deve resistir à tentação de
transformar cada gesto técnico em comício.
É preciso ainda reconhecer um custo de
aprendizado. A retórica antiamericana do governo petista e o empobrecimento dos
canais de diálogo com Washington só facilitaram a vida de quem lucrava
politicamente com a crise, caso do clã Bolsonaro. O telefonema não apaga esses
erros, mas oferece a chance de corrigi-los. Pragmatismo, e não catecismos
ideológicos, deve guiar os próximos passos: equipes técnicas com autonomia,
metas mensuráveis, cronogramas e a humildade de operar por etapas – começando
por listas de exceções tarifárias e arranjos setoriais que aliviem pressões sem
violar cláusulas de soberania.
É imprudente arriscar futurologia. Nada
impede que um tuíte desastrado, uma tirada marqueteira ou um vazamento
oportunista reconduzam a relação ao labirinto das suspeitas. Ainda assim, a
conversa de ontem importa. Ela sinaliza que, diante de custos econômicos
visíveis e de resultados políticos pífios, prevaleceu por um instante a lógica
do interesse mútuo. É assim que deveria ter sido desde o início – e assim deve
ser daqui em diante.
Escola despreparada para a IA
Por O Estado de S. Paulo
Pesquisa mostra que 70% dos alunos do ensino
médio já usam IA, mas poucos recebem orientações. Sinal de que o País precisa
se preparar para melhor usar a tecnologia na educação
Sete em cada dez estudantes brasileiros do
ensino médio utilizam ferramentas de inteligência artificial (IA) para realizar
pesquisas escolares, mas apenas 32% afirmam ter recebido orientações sobre como
usá-la, mostrou a pesquisa TIC Educação
2024, realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da
Sociedade da Informação (Cetic.br) e apresentada pelo Comitê Gestor da Internet
no Brasil. No caso dos alunos do ensino fundamental, o porcentual de orientação
recebida é ainda menor: 19% nos anos finais e 11% nos anos iniciais. Em suma,
há muito uso de IA entre os jovens alunos brasileiros e pouquíssima mediação de
professores, pais e especialistas – uma combinação preocupante quando se trata
da tecnologia associada à educação.
A pesquisa revelou também que os estudantes
usam vídeos publicados em redes sociais como fonte de informação e, pela
primeira vez, esses canais e aplicativos, como TikTok e YouTube, são tão
relevantes quanto navegadores de busca tradicionais na realização de pesquisas
escolares. A transformação é acelerada, informam os dados da pesquisa, o que
exige uma revisão de ideias e preconceitos. Durante muito tempo educadores,
pesquisadores e gestores públicos resistiram à tecnologia no processo educativo
– ainda que a humanidade, historicamente, tenha frequentemente depositado na
tecnologia a esperança de um futuro libertador para democratizar o conhecimento.
A internet, por exemplo, permitiu conectar o mundo, escancarar a janela da
informação e assegurar benefícios aos atuais e futuros cidadãos. Não sem
efeitos colaterais graves, como o vício em telas, a dependência da tecnologia,
a perda de habilidades cognitivas, o controle dos algoritmos, a ansiedade e os
perigos para a infância e a adolescência no vasto mundo da web e das redes
sociais.
O desenvolvimento ainda mais acelerado da IA,
em tão pouco tempo, aguçou o problema, amplificou as possibilidades e
simultaneamente estimulou o debate sobre o uso da tecnologia na educação.
Resistir a ela não se tornou uma opção. Um outro estudo, do Fórum Econômico
Mundial, sobre o futuro
dos empregos, elegeu o uso da IA e do big data como as competências mais importantes no
mercado de trabalho de 2030 – um futuro bem próximo, por óbvio. Também são citadas
como essenciais, mas menos importantes, alfabetização tecnológica, resiliência,
flexibilidade, agilidade, criatividade, liderança, influência social,
pensamento analítico e aprendizagem ao longo da vida. Essa tendência tem
requerido atenção especial dos sistemas educacionais em todo o mundo, em que o
papel do professor, a eficácia das formas mais tradicionais de ensino e
mecanismos regulatórios estão no centro da mesa.
Num país de reconhecido atraso educacional e
tecnológico, esse debate se torna ainda mais complexo e necessário. A começar
por um necessário equilíbrio: não se pode aderir nem à euforia desmedida de
tecnólogos, deslumbrados com a evolução acelerada da IA, nem a uma espécie de
ceticismo reacionário que resiste a mudanças e tenta frear transformações e
possibilidades. É uma linha tênue a separar a preservação de modelos
tradicionais que têm contribuído para tornar a escola e a aprendizagem pouco
atraentes para os alunos e a busca de ferramentas inovadoras que, se aplicadas
com qualidade, podem aperfeiçoar as práticas pedagógicas, desenvolver
competências adequadas às exigências do presente, ajudar a melhorar o
desempenho dos alunos, ampliar o conhecimento e recuperar o prazer de ensinar e
aprender.
Trata-se de um mundo novo diante de um problema
antigo. A ausência de mediação, tanto na escola quanto em casa, já ocorreu em
outras ondas tecnológicas. E em todas elas a falha está em preparar o velho
para o novo. Formar gestores e professores para o seu uso é o elemento faltante
e imprescindível nessa história. Afinal, tecnologia mediada por adultos
preparados se transforma em objeto de conhecimento; sem isso, é entregar os
estudantes ao deus-dará dos riscos, dispersões e desigualdades.
Insistindo no conteúdo local
Por O Estado de S. Paulo
Aumento para 50% do índice nacional na
produção de navios-tanque aciona sinal de alerta
Resolução recente do Conselho Nacional de
Política Energética (CNPE) elevou para 50% o índice de conteúdo local na
construção de navios-tanque acima de 15 mil toneladas. Antes, o porcentual
girava em torno de 30%. Trata-se de um tipo de embarcação de menor complexidade
tecnológica do que equipamentos de exploração e produção, como sondas e
plataformas, mas a exigência de alta proporção nacional na indústria naval em
gestões do PT carrega um histórico temerário que não pode ser ignorado.
A produção centrada em equipamentos locais é
defendida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva desde a campanha eleitoral
de 2002. A reativação forçada de estaleiros, sem a necessária capacitação
prévia da indústria naval, se coaduna com a agenda desenvolvimentista do PT,
que já se provou atrasada e prejudicial ao País. A política de conteúdo local
ganhou destaque na exploração dos campos de petróleo do pré-sal e, mais tarde,
no governo Dilma Rousseff, chegou ao irrealizável patamar de 65%.
Foi uma imposição sem lastro técnico,
destinada a encher de encomendas estaleiros – antigos e novos – claramente incapazes
de atender à demanda. O resultado foram atrasos monumentais nas atividades de
produção da Petrobras e equipamentos com inúmeros defeitos de fabricação. O
esvaziamento posterior dos estaleiros foi a consequência previsível de uma
política mal planejada e executada a toque de caixa para forjar a imagem de um
governo gerador de empregos.
O índice de 50% fixado agora pelo CNPE é
alto, mas ao menos se limitará às embarcações usadas como apoio. Mesmo de
grande porte, os navios, nesse caso, operam na cabotagem, transportando
petróleo e derivados, entre a plataforma e a refinaria e entre as refinarias e
o mercado consumidor.
Na Noruega, após a descoberta de gás no Mar
do Norte, na década de 1970, houve investimento pesado em capacitação na
produção de equipamentos e, ao longo dos anos, as exigências de conteúdo local
aumentaram gradativamente de 5% ao patamar atual em torno de 80%. Trata-se de
um modelo de planejamento de longo prazo sustentável, ao contrário do que
pretende o governo petista, que acredita ser capaz de estimular o
desenvolvimento de um setor apenas com base em sua vontade, com retornos
rápidos e vistosos – muito úteis em época de eleição.
Os exagerados porcentuais de nacionalização
desorganizaram a indústria petroleira no passado recente. Na gestão de Dilma,
muitas empresas reclamavam da dificuldade de conseguir comprar equipamentos no
Brasil, que ficaram mais caros do que no exterior. O governo de Michel Temer
reduziu os índices de conteúdo local, atendendo a apelos da indústria, e adotou
escalas conforme a fase de exploração e de desenvolvimento da produção de
petróleo.
A indústria nacional pode ser competitiva na fabricação de equipamentos para a indústria de petróleo – em alguns, inclusive, já é –, mas para isso não precisa de voluntarismo, e sim de planejamento, investimento e qualificação, o que não acontece do dia para a noite.
Sem recuo na defesa da soberania
Por Correio Braziliense
Há de se comemorar que, nessa tentativa de
reaproximação entre Brasil e EUA, não há recuo por parte do governo brasileiro
quanto à defesa da soberania nacional
De uma conversa de "uns 20
segundos" nos corredores da Assembleia Geral da Organização das Nações
Unidas (ONU), em Nova York, para uma "muito boa" videoconferência com
duração de 30 minutos, na manhã de ontem. Sem dúvidas, Brasil e Estados Unidos
deram um salto diplomático em um intervalo de 13 dias, considerando a crise
instalada desde que o líder republicano retornou à Casa Branca. É cedo para
assegurar que "os dois países se darão muito bem juntos", como
escreveu o estadunidense na rede social Truth Social. Mas há de se comemorar
que, nessa tentativa de reaproximação, não há recuo por parte do governo
brasileiro quanto à defesa da soberania nacional.
A videoconferência teve como foco principal
economia e comércio, relatou Donald Trump. Em nota, o Palácio do Planalto deu
mais detalhes sobre o teor da conversa. Lula pediu a revogação das tarifas de
40% aplicadas a produtos brasileiros e o fim "das medidas restritivas
aplicadas contra autoridades" — sem citar atingidos, como o ministro do
Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e sua esposa, alvos da Lei
Magnitsky. Reforçou ainda a força financeira da relação entre os dois países —
o Brasil é um dos três membros do G20 com quem os EUA mantêm superavit na
balança de bens e serviços. Desligou convencido de que foi "uma
oportunidade para a restauração das relações amigáveis de 201 anos entre as
duas maiores democracias do Ocidente".
Também presente na videoconferência e
otimista com os próximos capítulos, o vice-presidente Geraldo Alckmin acredita
em uma redução das tarifas no curto prazo. Não se pode desconsiderar que a
escolha do secretário de Estado americano, Marco Rubio, para conduzir as
negociações preocupa — além de ligado ao bolsonarismo, ele tem um histórico de
posições agressivas em relação à política externa dos EUA. Mas Alckmin, o
chanceler Mauro Vieira e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que também
estarão na mesa de negociação, têm os seus trunfos.
Podem favorecer os brasileiros a constatação
de que o tarifaço, até o momento, prejudicou o país menos do que o esperado,
como mostra levantamento recente da Câmara Americana de Comércio para o Brasil
(Amcham Brasil), o fato de Jair Bolsonaro já ter sido condenado e até mesmo a
existência de pressões internas para que Trump reveja o tarifaço.
Diferentemente do que foi prometido pelo presidente republicano, a escalada tarifária
tem resultado, por exemplo, em demissões em indústrias que seriam beneficiadas
e no aumento do custo de vida.
Nesse cenário, é prudente que o governo brasileiro mantenha a estratégia adotada desde o começo da crise: abertura ao diálogo com pragmatismo, baseada em dados concretos e imune às provocações, como resumiu recentemente o chanceler Mauro Vieira. Minutos antes de a "boa química" entre Lula e Trump surgir, o líder brasileiro reafirmava, na abertura da 80ª Assembleia Geral da ONU, que "nossa democracia e nossa soberania são inegociáveis". Devem seguir, assim como a cautela diante das sinalizações de um líder conhecido pelo apreço à instabilidade.
A boa conversa entre Lula e Trump
Por O Povo (CE)
Aconteceu a primeira conversa entre os
presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e seu colega dos Estados
Unidos, Donald Trump. Foi na manhã de ontem e, segundo relatos, durou cerca de
30 minutos. Era o passo inicial esperado e, mesmo que ainda tenha sido algo
tímido, as primeiras reações, de lado a lado, permitem um certo otimismo quanto
às perspectivas de encontrarmos o caminho do fim para a crise injustificável na
qual os dois países estão envolvidos.
Até agora predominou a falta de diálogo. Uma relação
histórica importante, que se dá nos campos mais variados, é ameaçada por um
desacordo de fundamento político e ideológico, inexistindo outra forma de
justificar o que tem acontecido desde o anúncio das primeiras medidas punitivas
contra o Brasil.
A partir do final de julho último, lembremos,
os Estados Unidos impuseram um conjunto de sanções contra o governo e várias
autoridades brasileiras. Produtos da nossa pauta de exportação tiveram tarifa
extra de 50% aplicadas contra elas quando destinadas ao mercado norte-americano
e, ao mesmo tempo, acionou-se a chamada Lei Magnitsky contra ministros do STF,
parentes dele e também integrantes do governo Lula.
Medidas duras e que fazem ainda menos sentido
quando, por um lado, o governo Trump pune um país com o qual mantém relações
superavitárias, ou seja, compramos dos Estados Unidos mais do que vendemos. Por
outro lado, ignorando questões de soberania, exige tratamento diferenciado da
justiça para um aliado seu submetido a julgamento pela acusação grave de ter
tentado um golpe de Estado.
Como seria normal esperar diante da natureza
do evento, as notas que saíram acerca de sua realização, emitidas em Brasília e
em Washington, são protocolares. Não permitem grande otimismo pelo conteúdo em
si, sem que isso tire a relevância da esperado encontro entre os dois políticos
pelo simples fato dele, enfim, ter acontecido.
Também merece atenção o fato, destacado nas
manifestações oficiais dos dois lados, de a ligação ter partido da Casa Branca.
Parece uma indicação eloquente de que a postura inicial de intransigência
adotada pelo governo de Donald Trump está, aos poucos, sendo vencida por uma
realidade que começa a se impor. Era previsível que isso aconteceria e há
sinais de que pode já estar ocorrendo.
A crise não está superada, mas, é evidente, uma luz começa a surgir no fim do túnel. Especialmente se considerarmos as mensagens do presidente Trump reafirmando sua boa impressão quanto ao congênere brasileiro, existindo indicações de que uma reunião presencial entre os dois aconteça breve. Espera-se que já com resultados práticos mais objetivos e ações concretas pelo restabelecimento da normalidade nas relações entre Brasil e Estados Unidos. Apesar, infelizmente, de ainda haver muita gente trabalhando contra.
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