terça-feira, 7 de outubro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais /Opiniões

Conversa entre Lula e Trump representa um bom começo

Por O Globo

Depois da quebra do gelo, negociação entre Brasil e Estados Unidos deve se concentrar em interesses comuns

Foi um avanço inegável a conversa de 30 minutos entre os presidentes do Brasil, Luiz Inácio da Silva, e dos Estados UnidosDonald Trump, nesta segunda-feira por videoconferência. Mais de dois meses depois de Trump ter oficializado a sobretaxa de 50% para as exportações brasileiras, enfim o gelo se quebrou, dando início a negociações. A esperança é que sejam produtivas. No mínimo, a conversa, resultado do breve contato que ambos mantiveram durante a Assembleia Geral da ONU no mês passado, representou uma bem-vinda distensão.

Entre os pontos abordados, Lula pediu a Trump que reveja o tarifaço e as sanções a autoridades brasileiras. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que acompanhou a conversa, afirmou que o diálogo foi positivo. O vice-presidente, Geraldo Alckmin, considerou o contato melhor do que se esperava. Lula e Trump, segundo nota do Palácio do Planalto, concordaram em manter um encontro em pessoa e trocaram telefones para estabelecer via direta de comunicação. Lula reiterou a Trump o convite para que participe da COP30, em Belém, e disse a ele considerar o contato direto “uma oportunidade para restauração de relações amigáveis de 201 anos entre as duas maiores democracias do Ocidente”. Lembrou, por fim, que o Brasil é um dos três países do G20 com que os Estados Unidos mantêm superávit na balança de bens e serviços. Trump afirmou que a ligação foi “muito boa” e que a conversa “focou principalmente na economia e no comércio entre os dois países”. Disse que os dois se reunirão “num futuro não muito distante”, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos. “Nossos países se darão muito bem juntos”, concluiu.

Trump designou o secretário de Estado, Marco Rubio, para dar sequência às negociações. A despeito da abertura de diálogo, o caminho pode ser espinhoso. Rubio tem sido implacável na aplicação de sanções a autoridades brasileiras e a seus familiares. Em julho, anunciou o cancelamento de vistos de ministros do Supremo Tribunal Federal, além de funcionários e ex-funcionários do governo brasileiro. As sanções têm sido incentivadas pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Tendo Rubio como intermediário, o Brasil precisará, nas negociações, contornar as pautas de natureza política, em especial a acusação descabida de perseguição política a Bolsonaro e o tratamento dado pelo Brasil às plataformas digitais americanas. Caso o tema se torne inescapável, Lula precisa dizer que os Poderes no Brasil são independentes e que a condenação de Bolsonaro seguiu a lei, cumprindo todos os ritos, foi transparente e puniu crimes graves. Deve tentar levar a conversa para questões em que a agenda possa ser mais produtiva.

A reação de Trump foi positiva ao enfatizar a economia. O desafio que se impõe é justamente concentrar-se em temas de comércio e da agenda bilateral e evitar que o diálogo descambe para as pautas bolsonaristas. Lula precisa fazer o possível para obter acordo com os americanos, uma vez que o tarifaço tem causado danos significativos aos exportadores, ainda que em dimensão inferior à expectativa. Há espaço para negociação nas áreas empresarial, tecnológica, científica, comercial e mineral. Não será difícil encontrar um acordo em torno de interesses comuns. A mera abertura de diálogo revela que Lula e Trump estão no bom caminho.

Privatização do Santos Dumont precisa entrar na agenda do governo

Por O Globo

Derramamento de óleo que paralisou aeroporto expõe dificuldades na gestão da Infraero

Na semana passada, um caminhão derramou óleo na pista do Aeroporto Santos Dumont, resultando em fechamento por 12 horas, cancelamento de mais de 160 voos e prejuízos de toda sorte a milhares de passageiros. Foi também um indício dos problemas que assolam a gestão do único dos grandes aeroportos brasileiros ainda sob as asas da Infraero, estatal que administra outros 23 pequenos aeroportos regionais.

Durante o governo Jair Bolsonaro, o Santos Dumont foi incluído na lista de aeroportos a privatizar, programa iniciado em 2012 que, apesar de percalços, é um sucesso indiscutível. A privatização foi suspensa em razão da perspectiva de relicitação do Tom Jobim/Galeão e da necessidade de elaborar um modelo conjunto para os dois terminais do Rio de Janeiro. Para corrigir o esvaziamento do Galeão — que andava às moscas —, o governo acertadamente impôs limitação aos voos do Santos Dumont. A estratégia funcionou, e o terminal internacional tem recuperado espaço como centro de conexões, enquanto o número de passageiros no Santos Dumont caiu. Desde então, não se cogitou mais a venda do doméstico.

Nem se pode dizer que seja por resistência ideológica, por mais que esse fator sempre tenha influência nas gestões petistas. A questão é financeira mesmo: o Santos Dumont é o aeroporto mais lucrativo da Infraero, ainda que em 2024 não tenha bastado para evitar um prejuízo de R$ 228,8 milhões da estatal (depois de lucrar R$ 490 milhões em 2023). Ela ainda sofreu um baque porque o governo do Ceará decidiu retirar de sua administração 11 aeroportos, provavelmente para privatizá-los. Como o novo contrato do Galeão prevê a possibilidade de aumento na quantidade de voos no Santos Dumont, ainda que continuem limitados, a estatal aposta nele para reequilibrar suas contas.

Há duas questões distintas quando se fala no Santos Dumont. A primeira é sua vocação: trata-se de terminal doméstico, com grande impacto urbano, por isso não pode estar sujeito a modelos demasiado ambiciosos de operação (chegou-se a falar no despropósito de autorizar voos internacionais).

A segunda é quem será responsável pela operação. Não faz sentido o Estado brasileiro, sem capacidade de investimento, arcar com o ônus das modernizações necessárias. O preço futuro da omissão poderá ir muito além do transtorno causado pelo derramamento de óleo. A missão do Santos Dumont não pode ser cobrir prejuízos da Infraero. “O poder público tem de estar onde não há interesse privado, prestando serviço de qualidade. A vocação da Infraero é infraestrutura aeroportuária regional”, diz Fernando Villela, coordenador do Comitê de Regulação de Infraestrutura Aeroportuária, da FGV Direito Rio. O serviço de aviação comercial é estratégico para o país. Por isso a transferência do Santos Dumont à iniciativa privada, com base num modelo que evite a canibalização de voos do Galeão, precisa voltar à agenda com urgência.

Economia americana ainda resiste a Trump

Por Folha de S. Paulo

Apesar da desaceleração, atividade mantém vigor com investimentos em inteligência artificial

Conversa do republicano com Lula não trouxe promessa de menos tarifas para o Brasil; intervenção no Fed pode ter efeito desastroso

A economia dos Estados Unidos ainda exibe neste ano uma vitalidade notável, apesar das sombras projetadas pelas políticas protecionistas e das ameaças de intervenção na autonomia do banco central por parte de Donald Trump.

PIB avançou a um ritmo anualizado de 1,2% no primeiro semestre, uma desaceleração em relação aos 2,8% de 2024. Em parte, tal desempenho decorre das ações intempestivas do mandatário, mas alguma perda de ritmo já seria de esperar.

inflação deve subir para 3% em 2025 com impulso das tarifas comerciais, que erodem o poder de compra das famílias. É razoável também antecipar que as taxas trarão ineficiência e perda de competitividade a médio prazo.

As restrições à imigração também impactam o mercado de trabalho, que mostrou geração de apenas 29 mil vagas mensais nos últimos três meses.

Mesmo assim, não há sinais de recessão. Pelo contrário, os indicadores mais recentes sugerem crescimento próximo de 2% na segunda metade do ano, com vigorosos investimentos em inteligência artificial, que abarcam a infraestrutura de semicondutores e de geração de energia.

O setor tem atraído cada vez mais aportes, na corrida das grandes empresas de tecnologia em competição ferrenha com a China. Estima-se que tais investimentos tenham adicionado 1 ponto percentual no PIB anualizado do segundo trimestre.

Atualmente, cerca de 75% da capacidade de processamento digital está nos EUA, liderança que deve se manter no curto prazo. O otimismo tem elevado os preços das ações do setor de tecnologia, atraindo o interesse de estrangeiros e impulsionando a riqueza das famílias americanas, mesmo que de forma concentrada.

Na soma geral, a desaceleração do mercado de trabalho domina a atenção do Fed, que parece considerar o impacto das tarifas na inflação como temporário.

A autoridade monetária iniciou no mês passado um ciclo de cortes de juros, que deve durar até meados de 2026. No próximo ano também deve haver algum impulso econômico por causa de cortes de impostos. O alívio fiscal e monetário, num contexto em que se expande o investimento em tecnologia, pode manter o crescimento tem torno de 2% mesmo diante das intempéries.

Os riscos são consideráveis, porém. A desconfiança quanto a Trump contribui para desvalorizar o dólar. O salto de quase 50% no preço do ouro é sinal de que investidores buscam proteção que já não encontram na moeda americana. Nomeações irresponsáveis para o comando do Fed teriam efeito desastroso.

O americano não dá sinais de recuo —numa pequena amostra, a conversa com Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nesta segunda (6) não trouxe a promessa de menos tarifas para o Brasil. Mesmo que a economia resista por ora, as políticas populistas e intervencionistas terão consequências difíceis de mensurar mais à frente.

França ingovernável

Por Folha de S. Paulo

Parlamento atravanca acordo sobre Orçamento para 2026, o que leva à queda do quarto premiê em um ano

Cada partido está encastelado em sua posição, como se fosse maioria, resumiu o ex-premiê; Macron fica em situação política vulnerável

Com a renúncia de mais um primeiro-ministro da França, a segunda maior economia da União Europeia corre o risco de descambar para a ingovernabilidade e uma crise fiscal sem paralelos em sua história recente. Na raiz do problema estão a fragmentação política do país e a aversão dos partidos ao diálogo com o governo do presidente Emmanuel Macron.

Sébastien Lecornu foi o quarto premiê a cair em um ano e o mais breve no cargo —só 27 dias. Pediu demissão, 14 horas depois de nomear seu gabinete, devido às intransigências partidárias em torno do Orçamento, assim como os três que o precederam no cargo.

Nada sugere que o próximo obterá aprovação da Assembleia Nacional ao projeto de receitas e gastos públicos para 2026 até o fim deste ano, como manda a Constituição. O cenário revela paralisia política e incertezas que podem se estender até o final do mandato de Macron, em 2027.

Os esforços de Lecornu para negociar com partidos e sindicatos uma proposta capaz de responder à precariedade das contas públicas foram em vão.

Cada sigla está encastelada em suas posições, como se fosse maioria no Legislativo, resumiu o ex-premiê. O centro aliado a Macron tampouco detém tal condição desde as eleições legislativas de julho de 2024 —cuja convocação assombra o líder francês como seu maior erro político. Desde o pleito, o Parlamento está divido em três blocos (esquerda, centro-direita e ultradireita) com forças similares.

A queda de Lecornu sugere que ele não teria em mãos um projeto orçamentário com mínima chance de aprovação para enviar à Assembleia Nacional nesta terça (7), como prometera. Alcançar consenso tornou-se difícil justamente quando não há outra solução econômica para o país senão a austeridade fiscal.

Os franceses no geral têm forte rejeição a cortes de gastos, mas a situação tornou-se insustentável desde a pandemia e tende a piorar a longo prazo com o envelhecimento da população, que pressiona o sistema previdenciário.

A dívida soberana da França equivale a 114% do seu Produto Interno Bruto —antes da crise sanitária, estava em 98%. O déficit público em 2024 foi de 5,8% do PIB. Há riscos de desinvestimentos e mercados já antecipam esse cenário. Mas os partidos à esquerda e à direita, notadamente os populistas, cegam-se diante da gravidade da conjuntura.

Com apenas 16% de aprovação popular, Macron tem como única alternativa a negociação política para tentar trazer o governo da França de volta aos trilhos.

Com juro alto, é caro o colchão de proteção do Tesouro

Por Valor Econômico

O custo médio acumulado em 12 meses do estoque da dívida pública federal fechou agosto em 11,65%, contra 11,63% ao ano registrado no mês imediatamente anterior

Após um início de ano amigável, as relações entre o Tesouro e o mercado financeiro se estressaram no segundo semestre com o aumento da oferta de títulos e alongamento de prazos dos papéis, que resultaram em pressão sobre as taxas. Como pano de fundo, estão a sinalização do Banco Central de que os juros continuarão elevados, o debate a respeito da mudança na tributação dos investimentos, o aumento da demanda por aplicações incentivadas e os resgates dos fundos multimercados.

Do seu lado, o Tesouro executa há meses uma política ativa para reforçar seu colchão de liquidez, reserva de caixa para pagar seus vencimentos, antecipando-se à expectativa de eventuais dificuldades de rolagem de dívida em 2026 por conta da possível maior volatilidade causada pelo ambiente eleitoral. No começo do ano, a política do Tesouro foi até elogiada e considerada uma atitude proativa, com a aceleração da colocação de papéis prefixados e atrelados à inflação (NTN-Bs), o que ajudou a acalmar temores com a piora na composição da dívida.

No primeiro semestre foram emitidos R$ 930,2 bilhões em títulos públicos, uma alta de 17,3% em relação ao volume do mesmo período de 2024. Além disso, houve um salto de 88,4% nas emissões de títulos prefixados (LTN e NTN-F) e de 184,7% em NTN-Bs, ao passo em que as colocações das pós-fixadas LFTs caíram 32%. A estratégia continuou no segundo semestre, e, ao final de agosto, o total de emissões de títulos públicos no ano chegou a R$ 1,317 trilhão, com emissões líquidas no ano de R$ 277,1 bilhões, após resgates de R$ 1,040 trilhão.

Com esse esforço, o colchão de liquidez atingiu R$ 1,1 trilhão em agosto, último dado disponível, suficiente para garantir 7,8 meses de vencimento, nível superior ao de 6,24 meses do fim de 2024. Nas eleições de 2022, o colchão de liquidez chegou a cobrir 9 meses.

A gota d’água no mau humor do mercado foi o mega leilão “off the run”, fora do calendário regular, realizado no início de setembro, que ofertou 4,5 milhões de papéis ultralongos, NTN-Bs, com vencimento em 2040, 2050 e 2055. Apesar de todos os papéis terem sido adquiridos, houve críticas ao momento em que foi realizado, com o mercado já “saturado”, e por pressionar os juros de longo prazo, inibindo o recuo das taxas.

O Tesouro rebateu as críticas, negando aumento de risco no mercado ou sobrecarga de papéis, e explicou que foi “uma medida pontual e necessária para corrigir falhas de liquidez, apoiar o mercado privado no uso de hedge, atender à demanda estrutural de investidores de longo prazo e assegurar a eficiência da curva de juros reais”.

Com a estratégia do Tesouro, o estoque da dívida pública federal no ano cresceu R$ 828,9 bilhões até agosto e ultrapassou o piso do Plano Anual de Financiamento (PAF) de R$ 8,1 trilhões, atingindo R$ 8,14 trilhões, 11,3% acima de dezembro de 2024. O PAF detalha as diretrizes do Tesouro para gerir a dívida. Seu descumprimento não gera sanções.

O Tesouro anunciou uma revisão da PAF deste ano. O piso da dívida pública federal foi elevado de R$ 8,1 trilhões para R$ 8,5 trilhões, e o teto passou de R$ 8,5 trilhões para R$ 8,8 trilhões. Não é a primeira vez na história que o Tesouro revisa o plano, mas isso não é tão comum assim. Desde 2003, ele fez sete revisões, segundo levantamento da Warren Investimentos.

Desta vez, a revisão era esperada diante do ritmo de emissões, de R$ 163,96 bilhões mensais até agosto. O ajuste do PAF também foi visto como tentativa do Tesouro de buscar maior transparência. O secretário do Tesouro, Rogério Ceron, procurou acalmar o mercado ao dizer que o colchão de liquidez já está em nível confortável e que a estratégia, a partir de agora, é priorizar sua manutenção, sem pressão adicional de vendas.

Além disso, o cronograma de leilões da dívida pública do quarto trimestre divulgado pelo Tesouro não contém a possibilidade de realização de mais leilões “off the run”, como ocorreu no segundo e no terceiro trimestres, escaldado pela chuva de críticas de que aumentou o risco do mercado com a venda realizada no início de setembro. A prova do pudim será feita nos próximos leilões, que demostrarão tanto a disposição genuína do Tesouro de reduzir a pressão quanto a disposição do mercado.

Preocupam mais do que tudo os reflexos da estratégia do Tesouro sobre a gestão da dívida pública. O custo médio acumulado em 12 meses do estoque da dívida pública federal fechou agosto em 11,65%, contra 11,63% ao ano registrado no mês imediatamente anterior, patamar salgado diante da inflação corrente e da prevista para o futuro. Mais salgadas ainda são as taxas das NTN-Bs, de mais de 7% acima da inflação. Qualquer folga para emitir dívida com os maiores juros em duas décadas, e taxa real perto de 10%, fatalmente é muito cara. Resta saber se o esforço para rechear o colchão de liquidez valerá a pena, inclusive por conta de seus reflexos nos custos da dívida a longo prazo e das dificuldades do governo de fazer um superávit primário nas contas públicas para reduzir esse endividamento.

A hora dos adultos na sala

Por O Estado de S. Paulo

Telefonema de Trump para Lula sinaliza que o interesse mútuo pode prevalecer na relação entre EUA e Brasil, intoxicada por arroubos antiamericanos do PT e pela sabotagem bolsonarista

A conversa telefônica travada ontem entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump foi um passo significativo para recolocar a relação Brasil-EUA nos trilhos. Há vários elementos positivos, a começar pelo fato de que o telefonema partiu de Trump, que até pouco tempo atrás parecia infenso à ideia de qualquer contato com o Brasil e com Lula. Além disso, ambos descreveram a conversa como “amistosa”, resultando em troca de telefones diretos e o aceno a um encontro presencial em breve, talvez ainda neste mês, na cúpula da Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean), na Malásia. Melhor ainda: segundo o Palácio do Planalto, a conversa focou em interesses comerciais, não em rusgas políticas.

Quando um telefonema banal entre os presidentes dos EUA e do Brasil, países que cultivam dois séculos de excelente relação, se torna notícia alvissareira, tem-se ideia do quão intoxicada estava a agenda bilateral. Por um lado, Lula cultivou cuidadosamente a imagem de líder antiamericano, alinhando-se a países e teses hostis aos EUA; por outro, Trump agrediu o Brasil com tarifas exorbitantes e sanções estapafúrdias sob o falso argumento, oferecido a ele por conselheiros instruídos por bolsonaristas, de que o ex-presidente Jair Bolsonaro é vítima de perseguição política.

O resultado foi a degradação das relações e a paralisia dos canais de alto nível. O telefonema de ontem indica que ambas as partes entenderam que abusaram do simbolismo à custa dos interesses de suas nações.

O mérito pertence menos à já folclórica “química” entre ambos e mais à diplomacia profissional e ao setor privado. Negociadores experientes – e empresários de ambos os lados preocupados com preços, cadeias de suprimento e empregos – fizeram o que a política não fazia: substituíram slogans por dados, neutralizaram sabotadores e restabeleceram fluxos de informações confiáveis. Ao romper o monopólio de versões convenientes a facções, criaram espaço para o que importa: solucionar problemas.

Há oportunidades à vista. O Brasil dispõe de reservas de minerais críticos; os EUA buscam reduzir dependências estratégicas. A pauta sobre a regulação de plataformas digitais exige diálogo – e não ultimatos. Cooperação em segurança alimentar ou energética e até missões de estabilização regional podem produzir ganhos recíprocos. Essa agenda não requer alinhamento automático com Washington, e sim previsibilidade, regras e disposição de negociar trocas que gerem empregos e investimentos de parte a parte.

Convém, claro, temperar o otimismo. Trump continua um político de temperamento volátil, que pega de surpresa até seus mais próximos assessores quando improvisa. Lula, por seu lado, investe pesado na transformação da agressão americana em ativo eleitoral, com as bravatas patrioteiras de praxe. É claro que nada disso ajuda a diplomacia, razão pela qual, da parte do Brasil, o Itamaraty terá de blindar o canal recém-aberto contra recaídas performáticas, e o Planalto deve resistir à tentação de transformar cada gesto técnico em comício.

É preciso ainda reconhecer um custo de aprendizado. A retórica antiamericana do governo petista e o empobrecimento dos canais de diálogo com Washington só facilitaram a vida de quem lucrava politicamente com a crise, caso do clã Bolsonaro. O telefonema não apaga esses erros, mas oferece a chance de corrigi-los. Pragmatismo, e não catecismos ideológicos, deve guiar os próximos passos: equipes técnicas com autonomia, metas mensuráveis, cronogramas e a humildade de operar por etapas – começando por listas de exceções tarifárias e arranjos setoriais que aliviem pressões sem violar cláusulas de soberania.

É imprudente arriscar futurologia. Nada impede que um tuíte desastrado, uma tirada marqueteira ou um vazamento oportunista reconduzam a relação ao labirinto das suspeitas. Ainda assim, a conversa de ontem importa. Ela sinaliza que, diante de custos econômicos visíveis e de resultados políticos pífios, prevaleceu por um instante a lógica do interesse mútuo. É assim que deveria ter sido desde o início – e assim deve ser daqui em diante.

Escola despreparada para a IA

Por O Estado de S. Paulo

Pesquisa mostra que 70% dos alunos do ensino médio já usam IA, mas poucos recebem orientações. Sinal de que o País precisa se preparar para melhor usar a tecnologia na educação

Sete em cada dez estudantes brasileiros do ensino médio utilizam ferramentas de inteligência artificial (IA) para realizar pesquisas escolares, mas apenas 32% afirmam ter recebido orientações sobre como usá-la, mostrou a pesquisa TIC Educação 2024, realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) e apresentada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil. No caso dos alunos do ensino fundamental, o porcentual de orientação recebida é ainda menor: 19% nos anos finais e 11% nos anos iniciais. Em suma, há muito uso de IA entre os jovens alunos brasileiros e pouquíssima mediação de professores, pais e especialistas – uma combinação preocupante quando se trata da tecnologia associada à educação.

A pesquisa revelou também que os estudantes usam vídeos publicados em redes sociais como fonte de informação e, pela primeira vez, esses canais e aplicativos, como TikTok e YouTube, são tão relevantes quanto navegadores de busca tradicionais na realização de pesquisas escolares. A transformação é acelerada, informam os dados da pesquisa, o que exige uma revisão de ideias e preconceitos. Durante muito tempo educadores, pesquisadores e gestores públicos resistiram à tecnologia no processo educativo – ainda que a humanidade, historicamente, tenha frequentemente depositado na tecnologia a esperança de um futuro libertador para democratizar o conhecimento. A internet, por exemplo, permitiu conectar o mundo, escancarar a janela da informação e assegurar benefícios aos atuais e futuros cidadãos. Não sem efeitos colaterais graves, como o vício em telas, a dependência da tecnologia, a perda de habilidades cognitivas, o controle dos algoritmos, a ansiedade e os perigos para a infância e a adolescência no vasto mundo da web e das redes sociais.

O desenvolvimento ainda mais acelerado da IA, em tão pouco tempo, aguçou o problema, amplificou as possibilidades e simultaneamente estimulou o debate sobre o uso da tecnologia na educação. Resistir a ela não se tornou uma opção. Um outro estudo, do Fórum Econômico Mundial, sobre o futuro dos empregos, elegeu o uso da IA e do big data como as competências mais importantes no mercado de trabalho de 2030 – um futuro bem próximo, por óbvio. Também são citadas como essenciais, mas menos importantes, alfabetização tecnológica, resiliência, flexibilidade, agilidade, criatividade, liderança, influência social, pensamento analítico e aprendizagem ao longo da vida. Essa tendência tem requerido atenção especial dos sistemas educacionais em todo o mundo, em que o papel do professor, a eficácia das formas mais tradicionais de ensino e mecanismos regulatórios estão no centro da mesa.

Num país de reconhecido atraso educacional e tecnológico, esse debate se torna ainda mais complexo e necessário. A começar por um necessário equilíbrio: não se pode aderir nem à euforia desmedida de tecnólogos, deslumbrados com a evolução acelerada da IA, nem a uma espécie de ceticismo reacionário que resiste a mudanças e tenta frear transformações e possibilidades. É uma linha tênue a separar a preservação de modelos tradicionais que têm contribuído para tornar a escola e a aprendizagem pouco atraentes para os alunos e a busca de ferramentas inovadoras que, se aplicadas com qualidade, podem aperfeiçoar as práticas pedagógicas, desenvolver competências adequadas às exigências do presente, ajudar a melhorar o desempenho dos alunos, ampliar o conhecimento e recuperar o prazer de ensinar e aprender.

Trata-se de um mundo novo diante de um problema antigo. A ausência de mediação, tanto na escola quanto em casa, já ocorreu em outras ondas tecnológicas. E em todas elas a falha está em preparar o velho para o novo. Formar gestores e professores para o seu uso é o elemento faltante e imprescindível nessa história. Afinal, tecnologia mediada por adultos preparados se transforma em objeto de conhecimento; sem isso, é entregar os estudantes ao deus-dará dos riscos, dispersões e desigualdades.

Insistindo no conteúdo local

Por O Estado de S. Paulo

Aumento para 50% do índice nacional na produção de navios-tanque aciona sinal de alerta

Resolução recente do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) elevou para 50% o índice de conteúdo local na construção de navios-tanque acima de 15 mil toneladas. Antes, o porcentual girava em torno de 30%. Trata-se de um tipo de embarcação de menor complexidade tecnológica do que equipamentos de exploração e produção, como sondas e plataformas, mas a exigência de alta proporção nacional na indústria naval em gestões do PT carrega um histórico temerário que não pode ser ignorado.

A produção centrada em equipamentos locais é defendida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva desde a campanha eleitoral de 2002. A reativação forçada de estaleiros, sem a necessária capacitação prévia da indústria naval, se coaduna com a agenda desenvolvimentista do PT, que já se provou atrasada e prejudicial ao País. A política de conteúdo local ganhou destaque na exploração dos campos de petróleo do pré-sal e, mais tarde, no governo Dilma Rousseff, chegou ao irrealizável patamar de 65%.

Foi uma imposição sem lastro técnico, destinada a encher de encomendas estaleiros – antigos e novos – claramente incapazes de atender à demanda. O resultado foram atrasos monumentais nas atividades de produção da Petrobras e equipamentos com inúmeros defeitos de fabricação. O esvaziamento posterior dos estaleiros foi a consequência previsível de uma política mal planejada e executada a toque de caixa para forjar a imagem de um governo gerador de empregos.

O índice de 50% fixado agora pelo CNPE é alto, mas ao menos se limitará às embarcações usadas como apoio. Mesmo de grande porte, os navios, nesse caso, operam na cabotagem, transportando petróleo e derivados, entre a plataforma e a refinaria e entre as refinarias e o mercado consumidor.

Na Noruega, após a descoberta de gás no Mar do Norte, na década de 1970, houve investimento pesado em capacitação na produção de equipamentos e, ao longo dos anos, as exigências de conteúdo local aumentaram gradativamente de 5% ao patamar atual em torno de 80%. Trata-se de um modelo de planejamento de longo prazo sustentável, ao contrário do que pretende o governo petista, que acredita ser capaz de estimular o desenvolvimento de um setor apenas com base em sua vontade, com retornos rápidos e vistosos – muito úteis em época de eleição.

Os exagerados porcentuais de nacionalização desorganizaram a indústria petroleira no passado recente. Na gestão de Dilma, muitas empresas reclamavam da dificuldade de conseguir comprar equipamentos no Brasil, que ficaram mais caros do que no exterior. O governo de Michel Temer reduziu os índices de conteúdo local, atendendo a apelos da indústria, e adotou escalas conforme a fase de exploração e de desenvolvimento da produção de petróleo.

A indústria nacional pode ser competitiva na fabricação de equipamentos para a indústria de petróleo – em alguns, inclusive, já é –, mas para isso não precisa de voluntarismo, e sim de planejamento, investimento e qualificação, o que não acontece do dia para a noite.

Sem recuo na defesa da soberania

Por Correio Braziliense

Há de se comemorar que, nessa tentativa de reaproximação entre Brasil e EUA, não há recuo por parte do governo brasileiro quanto à defesa da soberania nacional

De uma conversa de "uns 20 segundos" nos corredores da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, para uma "muito boa" videoconferência com duração de 30 minutos, na manhã de ontem. Sem dúvidas, Brasil e Estados Unidos deram um salto diplomático em um intervalo de 13 dias, considerando a crise instalada desde que o líder republicano retornou à Casa Branca. É cedo para assegurar que "os dois países se darão muito bem juntos", como escreveu o estadunidense na rede social Truth Social. Mas há de se comemorar que, nessa tentativa de reaproximação, não há recuo por parte do governo brasileiro quanto à defesa da soberania nacional.

A videoconferência teve como foco principal economia e comércio, relatou Donald Trump. Em nota, o Palácio do Planalto deu mais detalhes sobre o teor da conversa. Lula pediu a revogação das tarifas de 40% aplicadas a produtos brasileiros e o fim "das medidas restritivas aplicadas contra autoridades" — sem citar atingidos, como o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e sua esposa, alvos da Lei Magnitsky. Reforçou ainda a força financeira da relação entre os dois países — o Brasil é um dos três membros do G20 com quem os EUA mantêm superavit na balança de bens e serviços. Desligou convencido de que foi "uma oportunidade para a restauração das relações amigáveis de 201 anos entre as duas maiores democracias do Ocidente".

Também presente na videoconferência e otimista com os próximos capítulos, o vice-presidente Geraldo Alckmin acredita em uma redução das tarifas no curto prazo. Não se pode desconsiderar que a escolha do secretário de Estado americano, Marco Rubio, para conduzir as negociações preocupa — além de ligado ao bolsonarismo, ele tem um histórico de posições agressivas em relação à política externa dos EUA. Mas Alckmin, o chanceler Mauro Vieira e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que também estarão na mesa de negociação, têm os seus trunfos.

Podem favorecer os brasileiros a constatação de que o tarifaço, até o momento, prejudicou o país menos do que o esperado, como mostra levantamento recente da Câmara Americana de Comércio para o Brasil (Amcham Brasil), o fato de Jair Bolsonaro já ter sido condenado e até mesmo a existência de pressões internas para que Trump reveja o tarifaço. Diferentemente do que foi prometido pelo presidente republicano, a escalada tarifária tem resultado, por exemplo, em demissões em indústrias que seriam beneficiadas e no aumento do custo de vida. 

Nesse cenário, é prudente que o governo brasileiro mantenha a estratégia  adotada desde o começo da crise: abertura ao diálogo com pragmatismo, baseada em dados concretos e imune às provocações, como resumiu recentemente o chanceler Mauro Vieira. Minutos antes de a "boa química" entre Lula e Trump surgir, o líder brasileiro reafirmava, na abertura da 80ª Assembleia Geral da ONU,  que "nossa democracia e nossa soberania são inegociáveis". Devem  seguir, assim como a cautela diante das sinalizações de um líder conhecido pelo apreço à instabilidade.

A boa conversa entre Lula e Trump

Por O Povo (CE)

Aconteceu a primeira conversa entre os presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e seu colega dos Estados Unidos, Donald Trump. Foi na manhã de ontem e, segundo relatos, durou cerca de 30 minutos. Era o passo inicial esperado e, mesmo que ainda tenha sido algo tímido, as primeiras reações, de lado a lado, permitem um certo otimismo quanto às perspectivas de encontrarmos o caminho do fim para a crise injustificável na qual os dois países estão envolvidos.

Até agora predominou a falta de diálogo. Uma relação histórica importante, que se dá nos campos mais variados, é ameaçada por um desacordo de fundamento político e ideológico, inexistindo outra forma de justificar o que tem acontecido desde o anúncio das primeiras medidas punitivas contra o Brasil.

A partir do final de julho último, lembremos, os Estados Unidos impuseram um conjunto de sanções contra o governo e várias autoridades brasileiras. Produtos da nossa pauta de exportação tiveram tarifa extra de 50% aplicadas contra elas quando destinadas ao mercado norte-americano e, ao mesmo tempo, acionou-se a chamada Lei Magnitsky contra ministros do STF, parentes dele e também integrantes do governo Lula.

Medidas duras e que fazem ainda menos sentido quando, por um lado, o governo Trump pune um país com o qual mantém relações superavitárias, ou seja, compramos dos Estados Unidos mais do que vendemos. Por outro lado, ignorando questões de soberania, exige tratamento diferenciado da justiça para um aliado seu submetido a julgamento pela acusação grave de ter tentado um golpe de Estado.

Como seria normal esperar diante da natureza do evento, as notas que saíram acerca de sua realização, emitidas em Brasília e em Washington, são protocolares. Não permitem grande otimismo pelo conteúdo em si, sem que isso tire a relevância da esperado encontro entre os dois políticos pelo simples fato dele, enfim, ter acontecido.

Também merece atenção o fato, destacado nas manifestações oficiais dos dois lados, de a ligação ter partido da Casa Branca. Parece uma indicação eloquente de que a postura inicial de intransigência adotada pelo governo de Donald Trump está, aos poucos, sendo vencida por uma realidade que começa a se impor. Era previsível que isso aconteceria e há sinais de que pode já estar ocorrendo.

A crise não está superada, mas, é evidente, uma luz começa a surgir no fim do túnel. Especialmente se considerarmos as mensagens do presidente Trump reafirmando sua boa impressão quanto ao congênere brasileiro, existindo indicações de que uma reunião presencial entre os dois aconteça breve. Espera-se que já com resultados práticos mais objetivos e ações concretas pelo restabelecimento da normalidade nas relações entre Brasil e Estados Unidos. Apesar, infelizmente, de ainda haver muita gente trabalhando contra. 

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