Correio Braziliense
Interlocutor de Eduardo
Bolsonaro e Paulo Figueiredo, que articularam o tarifaço sobre as exportações
brasileiras e as sanções às autoridades brasileiras, comandará as negociações
A conversa telefônica entre Luiz Inácio Lula
da Silva e Donald Trump deu início a negociações que podem redefinir o eixo das
relações entre Brasil e Estados Unidos. O telefonema, ocorrido após meses de
tensão comercial e desconfiança política, foi “cordial, mas tenso”, segundo
assessores. Há disposição para o diálogo, mas também uma consciência clara de
que os dois líderes partem de posições ideológicas e estratégicas muito
antagônicas. Será necessário um reposicionamento de ambos.
De qualquer forma, foi passo decisivo para equacionar impasses acumulados desde o anúncio, por parte do governo norte-americano, de tarifas de até 50% sobre o aço e o alumínio brasileiros. Para Washington, a taxação foi uma resposta à política industrial brasileira, vista como protecionista. A Casa Branca, entretanto, sinalizou disposição para rever as medidas caso o Brasil ofereça contrapartidas em temas como regulação digital, biocombustíveis e investimentos em semicondutores.
A situação exige pragmatismo para administrar
tensão política. No plano comercial, a retomada de acordos setoriais, a revisão
das tarifas e a cooperação tecnológica em energia limpa são prioridades
compartilhadas. No entanto, as divergências crescem em áreas como meio
ambiente, governança global e direitos humanos. Trump, alinhado ao lobby
petrolífero e às forças conservadoras, pressiona o Brasil por maior abertura ao
investimento privado em exploração de gás e petróleo, enquanto Lula defende o
fortalecimento da Petrobras e da transição energética verde.
Outro ponto sensível é geopolítico.
Washington quer conter o avanço chinês e russo na América Latina e vê no Brasil
uma peça-chave dessa contenção. Lula, por sua vez, insiste na autonomia
diplomática e na manutenção do Brics como contrapeso às potências ocidentais.
Essa diferença de perspectiva — entre a busca brasileira por multipolaridade e
o unilateralismo trumpista — será um obstáculo constante nas tratativas.
Tradicionalmente, a política externa brasileira é orientada pelos interesses
prioritários do Brasil. Neste momento, a prioridade é normalizar a relação com
a Casa Branca.
Um fator crítico dessas negociações é a
escolha de Marco Rubio como principal interlocutor da Casa Branca. Não deixa de
ser natural, por ser o secretário de Estado, cargo que equivale ao de chanceler
no Brasil, mas acontece que Rubio é o principal interlocutor do deputado
Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e do influenciador Paulo Figueiredo, que articularam
com ele o tarifaço de Trump sobre as exportações brasileiras e as sanções às
autoridades brasileiras.
Desafios
Senador pela Flórida e atual secretário de
Estado, Rubio é um dos republicanos mais experientes no campo da política
externa e figura central no eixo anticomunista do Partido Republicano. De
origem cubano-americana, construiu sua carreira com um discurso duro à esquerda
na América Latina e uma retórica muito agressiva em relação a Cuba, à Venezuela
e à Nicarágua. Rubio é pragmático no plano econômico, mas inflexível do ponto
de vista ideológico.
Defende o livre-mercado, mas adota a doutrina
da “pressão máxima” sobre governos que considera autoritários ou hostis aos
Estados Unidos. Em seu novo papel, comandará a interlocução da Casa Branca com
o vice-presidente Geraldo Alckmin e os ministros Mauro Vieira (Relações
Exteriores) e Fernando Haddad (Fazenda). Rubio tentará impor ao Itamaraty
condicionantes relativos à questão dos direitos humanos em Cuba e na Venezuela,
temas sobre os quais o governo Lula mantém uma posição crítica às sanções
norte-americanas.
A engenharia política dessa negociação é
delicada. Lula busca preservar o espaço do Brasil como mediador global e ator
autônomo; Trump quer reafirmar a supremacia americana e cooptar o Brasil para
sua cruzada antiglobalista. A presença de Rubio à frente das negociações
sinaliza uma abertura para a negociação, porém dentro de um marco ideológico
claramente definido. Para o Brasil, o desafio será converter a reaproximação em
ganhos concretos — na área comercial, energética e tecnológica —, sem ceder
soberania nem romper com o Sul Global.
A posição do Brasil na largada já está
definida: pragmatismo econômico e coerência diplomática na política externa
independente. A conversa entre Lula e Trump foi apenas o primeiro movimento de
uma longa partida de xadrez. O próximo lance — talvez um encontro bilateral na
Casa Branca — mostrará se prevalecerá a cooperação ou a imposição. Trump,
afirmou, nesta segunda-feira, na rede própria, a Truth Social, que teve uma
“muito boa” conversa telefônica com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do
Brasil.
Ele indicou que os dois devem se encontrar:
“Esta manhã tive uma ótima ligação telefônica com o presidente Lula, do Brasil.
Discutimos muitas coisas, mas o foco principal foi a economia e o comércio
entre nossos dois países”, escreveu o norte-americano. “Teremos novas
discussões e nos encontraremos em um futuro não muito distante, tanto no Brasil
quanto nos Estados Unidos. Gostei muito da conversa — nossos países farão
grandes coisas juntos”, completou Trump.
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