terça-feira, 7 de outubro de 2025

Fundos de índice e bancos ‘sombra’. Por Luiz Gonzaga Belluzzo e Manfred Back

Valor Econômico

As estripulias do mercado financeiro encontraram seu destino na crise de 2007/2008

No labirinto chamado mercado financeiro, o investidor ao entrar e caminhar na miríade de inovações descobre os ETFs, fundos de índices e bancos sombras, estes administrados no Brasil e no mundo pelas Sombras das Fintechs.

O investidor se depara com as portas dos bancos sombras (shadow banks). São instituições não bancárias que fazem crédito às sombras do setor bancário. E vivem leve e soltas da regulação e fiscalização das autoridades monetárias.

O ETF (Exchange Traded Fund) é constituído por ativos negociados em bolsa. A atração para o investidor está na diversificação de ativos que compõem a “cesta” submetida à variação do índice nas bolsas de valores. A diferença para um fundo de investimento padrão está na facilidade regulatória.

Nas palavras de Jefferson Alvares, procurador do Banco Central do Brasil “sistemas financeiros sofisticados desconhecem a divisão outrora marcante entre os setores bancário, de capitais e securitário. Bancos, corretoras de valores e seguradoras mutualizam riscos no interior de conglomerados, utilizam os mesmos instrumentos contratuais, compartilham infraestruturas operacionais e ofertam produtos híbridos, o que os expõe a riscos comuns por mecanismos de interconexão, correlação e contágio”.

Annie Lowrey ensina: para milhões de americanos entrar no mercado não significa mais escolher ações ou contratar um gerente de portfólio para escolhê-las para você. Significa colocar dinheiro em um fundo de índice, oferecido por gigantes financeiros como Vanguard, BlackRock e State Street, também conhecidos como os Três Grandes.

Os fundos de índice dispensam as escolhas que oscilam entre investimentos ruins e os bons. Ninguém está apostando em operar vendido na Tesla ou comprado na Apple. Esses fundos são “gerenciados passivamente”, na linguagem dos investidores. Eles geralmente compram e vendem ações quando essas ações entram ou saem de índices, como o S&P 500, e dimensionam suas participações de acordo com métricas como valor de mercado.

Os ETFs ou fundos de índices encontram abrigo nos bancos sombra, sempre conectados com a demais instituições nos movimentos do dinheiro de crédito. Na mesma toada, os bancos “sombra” aproximaram-se das funções monetárias dos bancos comerciais, abastecendo seu funding com passivos nos “mercados atacadistas de dinheiro” (“Wholesale Money Markets”), amparados nas aplicações de curto prazo de empresas e famílias.

Ao longo da chamada Grande Moderação, os bancos sombra emitiram commercial papers para financiar posições em ativos securitizados — os Asset-Backed Commercial Papers. Instrumentos de curto prazo emitidos para “carregar” posições em papéis mais longos, os commercial papers são especialmente sensíveis às mudanças nas condições de liquidez dos mercados financeiros. Sendo assim, os bancos de depósito estavam constrangidos, nos momentos de estresse, a prover liquidez para manter suas criaturas à tona.

Não por acaso, nos anos 2000, a dívida intrafinanceira, como proporção do PIB americano, cresceu mais rapidamente que o endividamento das famílias e das empresas. A expansão do crédito chegou à perfeição em suas relações com o crescimento do estoque das “quase-moedas” abrigadas nos “Money Markets Funds”.

Alerta Thomas Ferguson: os ativos de instituições financeiras não bancárias dos EUA (também conhecidas como “bancos paralelos”), que consistem em empréstimos e investimentos financeiros, equivaleram a cerca de 93% do PIB americano durante 2006-2023, enquanto os ativos de bancos comerciais adicionam outros 81% (em média); portanto, a escala total de intermediação financeira é de cerca de 174% do PIB, enquanto o investimento fixo privado não residencial somou apenas 13% do PIB. É evidente que a maior parte da intermediação financeira dos bancos paralelos nos EUA não serve à formação de capital em nenhum sentido real.

Há quem acredite que as Sombras competem com a luz dos bancos de depósitos na concessão de crédito. Na verdade, as Sombras escondem a simbiose entre os bancos sombras e os bancos comerciais. Nessa rede monetária, os dutos que o dinheiro percorre desembocam a grana no mesmo oceano onde se acumula a riqueza monetária.

Boa parte dos produtos financeiros são negociados pelos bancos sombras nos mercados de balcão conhecido como OTC (Over-the-Counter), fora das normas de liquidação das bolsas. É um mercado descentralizado onde a negociação de ativos financeiros ocorre diretamente entre os participantes. A confiança entre as partes assume função primordial.

Observadas do ponto de vista das instituições e dos instrumentos financeiros, estas transformações na gestão da riqueza monetário-financeira espelham a maior importância da finança “securitizada” em relação ao crédito bancário.

A desregulamentação financeira permitiu que fossem apagadas as fronteiras demarcadas depois da crise dos anos 30 entre bancos comerciais, bancos de investimento, seguradoras e instituições de poupança (as “savings and loans”). Transformados agora em supermercados financeiros, os sistemas bancários — bancos de depósito e bancos sombra — cuidaram de avançar na “securitização” de créditos e se envolver no financiamento de posições nos mercados de capitais e em operações “fora do balanço” que envolvem derivativos. Isso foi acompanhado por uma espiral de alavancagem na cadeia alimentar da finança: bancos comerciais, fundos e bancos sombra.

Nos anos 2000, as tais estruturas revelam que a dívida entre as instituições financeiras cresceu mais rapidamente que o endividamento das famílias e das empresas. O ímpeto da concorrência e a liquidez abundante levaram o sistema bancário convencional e os bancos sombra à construção de “pirâmides de dívidas”, insuflando a má avaliação dos créditos.

No mesmo movimento, os grandes conglomerados financeiros buscaram escapar das regras prudenciais, promovendo o processo de alavancagem para elevar as perspectivas de ganhos ao impulsionar a “inflação de ativos”. Tais estripulias encontraram seu destino na crise de 2007/2008. Esse episódio de euforia global e alavancagem excessiva também terminaria em um crash espetacular não fossem as intervenções de última instância dos bancos centrais.

 

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