Correio Braziliense
Há exatos dois anos, o Hamas fez seu ataque
ignóbil e prestou o último serviço à direita israelense, abrindo caminho para a
total destruição da Faixa de Gaza
Israel matou cerca de 66 mil palestinos, a
maioria, mulheres e crianças, na Faixa de Gaza. Dois milhões de pessoas são
empurradas de um lugar a outro, feito gado, e morrem por bombas, famintas,
pisoteadas, sob escombros, como se fossem baratas. É difícil haver tanto terror
e violência por parte de um Estado contra um povo indefeso, só comparável ao
cerco nazista a 350 mil judeus no Gueto de Varsóvia, nos anos de 1940.
O ataque do Hamas a Israel em 7 de outubro de 2023 é crime bárbaro, totalmente condenável. Mas também é crime gravíssimo condenar e dizimar todo um povo pelos atos de um grupo terrorista. Por suas ações em Gaza, Israel foi acusado de cometer crimes de genocídio e contra a humanidade e crime de guerra, segundo resolução aprovada pela Associação Internacional de Acadêmicos de Genocídio (IAGS) em 1º de setembro último. Não há como entender a omissão da "civilização cristã ocidental" por dois anos diante dessa matança insana.
Em Gaza, não há guerra, como na Ucrânia, pois
só há o Exército israelense, armado pelos Estados Unidos, que destrói
impunemente um país e extermina uma nação e um povo faminto, indefeso e
encurralado. Essa matança jamais levará à paz duradoura, pois cria milhares de
órfãos e vítimas que não esquecerão essas atrocidades. Mas o partido Likud, os
radicais de direita e os religiosos, que formam o governo de Benjamin Netanyahu
não querem paz. Querem vitória, expulsar as pessoas, ocupar suas terras e
impedir que seja criado um Estado palestino, como prevê a ONU.
Criar um Estado judeu em toda a palestina é o
projeto dessa frente de direita que dirige Israel desde 1999, com a morte dos
grandes líderes moderados, como Golda Meir, Chaim Herzog, Ezer Weisman, Menagen
Begin, Shimon Peres e Yitzhak Rabin. Projeto que vem sendo construído desde a
criação de Israel. Já na guerra de 1948, foram expulsos 5,6 milhões de
palestinos da Cisjordânia — a maior região palestina, a outra é a Faixa de
Gaza. Eles vivem em acampamentos em Jordânia, Líbano, Síria, Faixa de Gaza,
enquanto 700 mil colonos judeus ocupam suas terras.
O golpe de mestre da direita israelense foi
criar o Hamas na Faixa de Gaza, ocupada militarmente por Israel de 1967 a 2005.
Nessa época, a perspectiva de criar o Estado palestino era forte graças à
liderança de Yasser Arafat, líder da Organização de Libertação da Palestina
(OLP). Em 1974, os países árabes fizeram da OLP a representante dos palestinos,
e a Assembleia Geral da ONU a aceitou como apta a falar pela Palestina.
O governo militar na Faixa de Gaza se aliou
ao Sheik Ahmed Yassin, líder da Irmandade Muçulmana, grupo radical expulso do
Egito, para somar forças contra a OLP, de Arafat, com orientação política
secular — não religiosa, sediada na Cisjordânia. Israel jogou sujo para forçar
a divisão entre a Cisjordânia e a Faixa de Gaza. O então presidente do Egito,
Hosni Mubarak, alertou Israel sobre os riscos da atuação do Sheik Yassin e da
Irmandade Muçulmana. Para eles, "fora do Alcorão não há salvação". Em
24 de setembro de 2009, o general Yitzhak Segev, que chefiou o governo de Gaza,
disse que sabia dos "perigos do Islã político, mas essa era a política de
seu país".
Em Tel Aviv, o governo trabalhista buscava a
paz. Em 1993, com mediação de Bill Clinton, foram assinados os Acordos de Oslo
entre o líder palestino Yasser Arafat, o premier Isaac Rabin e o chanceler
Shimon Peres, os dois últimos, isralenses. Os acordos previam a retirada das
tropas de Israel da Faixa de Gaza e da Cisjordânia, que seriam dirigidas pela
Autoridade Palestina. Por seus esforços pela paz, Arafat, Rabin e Peres
receberam o Prêmio Nobel da Paz em 1994. A paz parecia próxima.
Mas na Faixa de Gaza, no fim dos anos 1990,
radicais israelenses e muçulmanos prepararam, em surdina, uma bomba para os
pacifistas: foi criado o Hamas, com apoio de Israel, e militantes da OLP foram
expulsos da região. O Hamas dominou Gaza. Dividindo os palestinos, prestou
grande serviço à direita israelense, vitoriosa com a ajuda dos radicais
islâmicos. Só faltava calar os líderes que insistiam na paz. O premiê
israelense Isaac Rabin foi morto em 4 de novembro de 1995, em Telavive, por Yigal
Amir, judeu ortodoxo de direita. E Yasser Arafat morreu envenenado em 2005.
Serviço feito, Israel saiu de Gaza em 2005,
deixando a região para o Hamas, que revelou seu radicalismo e ódio a Israel.
Mas isso era previsto. Como a Autoridade Palestina na Cisjordânia era pacífica,
a direita precisava de um inimigo por perto para manter o povo de Israel com
medo e facilitar a obtenção de armas e recursos do exterior. Há exatos dois
anos, o Hamas atacou Israel e prestou o último serviço à direita israelense, abrindo
caminho para a total destruição da Faixa de Gaza e do sonho de um Estado
palestino.
A paz virá agora? Se depender de Netanyahu, é certo que não!
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