O Globo
Conversa entre Lula e Trump foi da forma que
a diplomacia desejava: diálogo à distância, clima sereno e possível encontro em
terreno neutro
Aconteceu como a diplomacia brasileira queria. Uma conversa à distância, um clima sereno, palavras construtivas e a expectativa de um encontro em terreno neutro, que pode ser a Malásia. O temor era de que se a primeira reunião fosse presencial, antes de as arestas serem aparadas, o risco seria de tudo desandar. Outro perigo era de um telefonema sem preparação prévia. A chance de diálogo entre os presidentes Donald Trump e Lula aumentou muito a partir da conversa de ontem.
Os efeitos negativos do tarifaço já estão
acontecendo lá e aqui. O comércio encolheu e alguns produtos que fornecemos
estão ficando mais caros nos Estados Unidos. Nosso comércio é pequeno para nós,
mas em alguns mercados somos relevantes, como carne, café e laranja. Os Estados
Unidos nada têm a ganhar impondo sobre o Brasil tarifas tão exorbitantes.
As dúvidas continuam, contudo. Há quem tema a
escolha do secretário de Estado, Marco Rubio, como o interlocutor. Ele é
conhecido pela hostilidade em relação à América Latina. Uma preocupação
razoável é com o estilo de Trump, impulsivo e imprevisível. A chance é de que
haja o encontro bilateral em Kuala Lumpur, à margem da reunião de cúpula da
Asean.
Para José Niemeyer, professor de Relações
Internacionais do Ibmec, a indicação de que as negociações ficarão a cargo de
Marco Rubio foi um “banho de água fria”. Já o professor Leonardo Paz Neves, do
Ibmec e da FGV, avalia que Rubio confirma o viés político do caso. Haveria
outros interlocutores de perfil mais técnico, como o secretário do Tesouro,
Scott Bessent.
O professor Leonardo Trevisan, da ESPM e
PUC-SP, avalia que houve influência do empresariado americano que investe no
Brasil. A relação é antiga, algumas empresas estão no Brasil há um século, e as
tarifas têm prejudicado esses interesses. Outra pressão, segundo Trevisan, vem
das mais de seis mil empresas envolvidas no comércio. O aumento do custo do
café, por exemplo, afetou bares e restaurantes. Trevisan observa que tanto a
nota do governo brasileiro, quanto o post de Trump mostraram que se falou de
economia e comércio, em vez das questões políticas. Isso torna possível o
diálogo.
Em suma, a diplomacia pragmática que soube
esperar a hora certa, e a aliança entre o setor privado do Brasil e dos Estados
Unidos estão avançando na tentativa de resolver a pior crise entre os dois
países em 200 anos.
O presidente Trump afirmou num post e depois
em entrevista no Salão Oval que pode haver um encontro entre os dois aqui ou
nos Estados Unidos. Haverá novos passos importantes e uma chance concreta de
superação desse estranho litígio entre os dois países, parceiros tradicionais.
O contato Trump-Lula é mais uma derrota para
o bolsonarismo, que apostou tanto nos ataques à economia brasileira como forma
de conseguir o impossível, uma submissão da democracia brasileira à imposição
externa. Não deu certo e agora pode ter um efeito bumerangue.
No mercado financeiro, o dólar caiu mais uma
vez no entendimento de que os riscos para a economia brasileira estão
diminuindo nesse novo momento da relação bilateral.
Houve muita pressão para que Lula ligasse
para Trump. A pergunta “por que ele não liga?” foi feita recorrentemente.
Qualquer pessoa com conhecimentos básicos de diplomacia sabe que não é desta
forma que se constrói a chance de solução de um conflito bilateral. É preciso
que haja preparação. O Brasil soube esperar o momento certo, enquanto
continuava dizendo estar disposto a negociar qualquer ponto de economia e
comércio.
Quanto à exigência de Trump de interromper o
processo judicial contra o ex-presidente brasileiro por tentativa de golpe,
essa nem entrou na conversa. Nunca esteve em questão, nem poderia. Seria moldar
decisões institucionais brasileiras a interesses comerciais.
Um fator importante para a mudança do tom
americano foi a derrubada na prática da tese vendida à Casa Branca de que havia
apoio majoritário a Jair
Bolsonaro no Brasil, e que a opinião pública condenava o julgamento
que ele teve que responder. Novas informações chegaram à Casa Branca derrubando
essa versão. A pressão do empresariado americano, a situação da economia
americana que não tem respondido bem ao tarifaço decretado contra o mundo, com
o PIB desacelerando e os preços subindo, ajudaram a levar ao dia de ontem. Mas
fundamentalmente mostrou o acerto da diplomacia brasileira contra a insensatez
da oposição.
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