sábado, 25 de outubro de 2025

Razões das coincidências, por André Gustavo Stumpf

Correio Braziliense

Há um grupo de estudiosos que não acredita em coincidências porque elas sempre indicam tendências ou verdades escondidas; bem escondidas, aliás

Os últimos dias revelaram surpresas interessantes ou coincidências reveladoras. Há um grupo de estudiosos que não acredita em coincidências porque elas sempre indicam tendências ou verdades escondidas; bem escondidas, aliás. Não chega a ser surpresa o presidente Lula anunciar, na sua visita à Indonésia, que será candidato pela quarta vez à Presidência da República. Surpresa é ele declarar que está com saúde igual aos de seus longínquos 30 anos, mas não revelar que continua a pensar da mesma maneira que há 50 anos. Ele mantém sua visão da sociedade dividida e protegida por sindicatos. Longe da disputa pelo melhor preço e maior qualidade.

Lula tem a mesma idade de Donald Trump. Mas o presidente dos Estados Unidos não esconde o que pensa sobre mercado livre. Sustenta que os Estados Unidos vêm sendo roubados, o termo é este, por países mais pobres que não aceitam a norma do livre-comércio. Ele pretende forçar a reindustrialização do país por meio da imposição de tarifas escandalosas a seus parceiros. É um simples discurso, com efeitos superpostos e complexos, porque o homem forte do vizinho do norte pretende, na realidade, aumentar sua fortuna. Ele, como o brasileiro, precisa de um discurso incisivo que permita negociações acrobáticas na mesa em que os dois deverão se encontrar na reunião dos países asiáticos a partir de amanhã.

Trump cometeu a heresia que ninguém poderia prever. Entregou 40 bilhões de dólares para salvar a economia da Argentina. E justificou: "Eles estão quebrados". O dinheiro vai chegar a Buenos Aires, mas poderá ser aplicado em investimentos extremamente rentáveis. A Argentina possui longas extensões de terras raras, petróleo em grande quantidade e carne de ótima qualidade, de que é um dos maiores produtores mundiais. Um negócio perfeito para quem enxerga oportunidades comerciais a longo prazo. E ainda oferece a chance de incomodar os chineses que, nos últimos tempos, têm feito bons negócios com os vizinhos do sul. Eles podem ser levados a deixar de investir no país e fechar a base de monitoramento de satélites que mantêm no sul do país.

Outro sinal interessante, coincidência intrigante, foi a súbita pressão de Washington sobre o governo de Israel para acabar com o conflito em Gaza. O território palestino deverá ser administrado por uma coligação internacional, da qual Telaviv não fará parte. Garantida a segurança do Estado Judeu, o genro Jared Kosher, que não tem cargo no governo de Washington, viaja como negociador oficial dos Estados Unidos para fechar um dos grandes negócios do século: a reconstrução de Gaza. O outro negócio espetacular é a reconstrução da Ucrânia, que agora começa a incomodar Trump. Ele julgava que as principais providências já tinham sido tomadas. No entanto, Putin demonstrou pensar diferente. Ele quer mesmo refazer a velha União Soviética. Há um conflito no ar, na terra e outro nos gabinetes por onde corre o dinheiro. Os valores russos depositados em bancos ocidentais podem ser utilizados para a aquisição de material bélico a ser utilizado contra a própria Rússia. Coisa de profissional.

O mundo ocidental passou nesta semana por instabilidade em diversos aplicativos importantes no cotidiano do brasileiro. McDonald's, Mercado Livre, Pinterest, Wellhub e a rede social Snapchat estiveram entre os diversos serviços com problemas de acesso, quando o Amazon Web Services apresentou instabilidades. O AWS é uma plataforma de computação em nuvem para uso de desenvolvedores de aplicativos e sites, com pagamento sob demanda. A instabilidade do AWS virou notícia em todo o mundo porque influenciou o comportamento de usuários e afetou o faturamento de diversas empresas. O episódio coloca foco no fato de que no mundo cibernético atual há excessiva concentração de poder em poucas empresas. E também são pouquíssimas empresas que possuem capacidade efetiva de trabalhar nesse ambiente extremamente competitivo e desenvolvido. Em bom português, além dos americanos, só russos, chineses, talvez alemães e israelenses, têm capacidade para navegar com segurança neste segmento. É uma guerra permanente, que só aparece nos jornais quando os sistemas param de funcionar.

Uma grande empresa precisa demonstrar para outra enorme que possui a capacidade de desligar seu computador, ouvir suas conversas mais secretas e fazer seu dinheiro sumir da conta no banco. E fazê-lo reaparecer depois de receber algumas, digamos, vantagens. As coincidências estão muito coincidentes. Forças navais norte-americanas, poderosas, estão atacando barcos com motor de popa em águas internacionais no Caribe e no Pacífico. Dizem ser traficantes de drogas. Mataram todos. Não prenderam ninguém. E agora ameaçam com invasão por terra. Colômbia e Venezuela, com especial destaque para esta última, são grandes produtores de petróleo perto do sul dos Estados Unidos. O pretexto de perseguir o tráfico é importante, relevante e razoável. Exceto por um único detalhe: o maior mercado consumidor do mundo de drogas é o norte-americano. As coincidências possuem razões bem definidas.

 

Nenhum comentário: