sábado, 25 de outubro de 2025

À espera do Bessias, por Eduardo Affonso

O Globo

O messianismo nos legou tipos como Jim Jones e Antônio Conselheiro. Aonde o ‘bessianismo’ nos levará, temos até 2055 para descobrir

Um messias é o salvador, o ungido, o enviado divino que trará a libertação para seu povo. O conceito existe, há séculos, entre judeus, cristãos, muçulmanos, budistas, zoroastristas, rastafáris, bem como em algumas seitas apocalípticas.

O bessias surgiu bem mais recentemente — para ser exato, pouco depois das 13h32 do dia 16 de março de 2016 — como o salvador de uma pessoa em particular. Seu advento se deu num telefonema da então presidenta Dilma Rousseff:

— Seguinte, eu tô mandando o Bessias junto com o papel pra gente ter ele, e só usa em caso de necessidade, que é o termo de posse, tá?

O “papel” não era a página de algum livro sagrado, mas a nomeação de Lula como ministro-chefe da Casa Civil, a fim de lhe garantir prerrogativa de foro e impedir que fosse preso ou investigado sem autorização do STF — permanecendo a salvo da sanha da finada Lava-Jato.

Quem se prestou ao papel de levar “o papel” foi o então subchefe para assuntos jurídicos da Casa Civil e atual advogado-geral da União, Jorge Rodrigo Araújo Messias (“Bessias”, no dialeto dilmês). E o fez em vão, porque a medida foi suspensa pelo ministro Gilmar Mendes, que viu ali desvio de finalidade e intenção de fraudar.

Os judeus creem que o Messias virá para redimir a Humanidade em geral e Israel em particular — agora com o trabalho dobrado de enfrentar o Hamas e a onda de antissemitismo que engolfou universidades, intelectuais de esquerda, a imprensa e até a política externa brasileira.

Os cristãos acham que o Messias já veio: chamava-se Jesus, morreu na cruz pelos nossos pecados e um dia retornará para acertar as contas com os que mais praticaram crimes em seu nome: a Igreja Católica, que teve especial empenho contra mulheres, homossexuais e crianças (estas, as vítimas preferenciais) e os charlatães neopentecostais, novos vendilhões do templo.

Na religião dos patriotas, o Messias chegou em 2019, após derrotar o Mal nas urnas eletrônicas (equipamentos que, numa espécie de transmutação de vinho em água, deixaram de ser confiáveis na eleição seguinte). Sua missão era livrar o país das sete pragas que o afligiam: a cultura, a ciência, o meio ambiente, a ideologia de gênero, o desarmamento e, pior de tudo, os bons modos e a democracia. Deu ruim, e o Messias verde e amarelo hoje está entornozeleirado, em prisão domiciliar (breve, em novo endereço), com um filho fora do país e fora de controle.

Os liberais aguardam, sem muita esperança, que até 2026 surja, por geração espontânea, o Messias que galvanizará os 54% de brasileiros invisíveis, que não se consideram lulistas nem bolsonaristas, muito pelo contrário. E que elegeriam um presidente já no primeiro turno, se quisessem — e se houvesse um candidato que os representasse.

Enquanto isso, estamos todos à espera do Bessias, que virá não para proteger a Constituição (e barrar desvios de finalidade e intenções de fraudar), mas para garantir que Lula não passe de novo pelo perrengue de ter de responder pelos eventuais delitos que tenha cometido, esteja cometendo ou venha a cometer.

O messianismo nos legou tipos como Antônio Conselheiro e Jim Jones. Aonde o bessianismo nos levará, temos até 2055 para descobrir.

 

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