O Globo
O messianismo nos legou tipos como Jim Jones
e Antônio Conselheiro. Aonde o ‘bessianismo’ nos levará, temos até 2055 para
descobrir
Um messias é o salvador, o ungido, o enviado
divino que trará a libertação para seu povo. O conceito existe, há séculos,
entre judeus, cristãos, muçulmanos, budistas, zoroastristas, rastafáris, bem
como em algumas seitas apocalípticas.
O bessias surgiu bem mais recentemente — para
ser exato, pouco depois das 13h32 do dia 16 de março de 2016 — como o salvador
de uma pessoa em particular. Seu advento se deu num telefonema da então
presidenta Dilma
Rousseff:
— Seguinte, eu tô mandando o Bessias junto com o papel pra gente ter ele, e só usa em caso de necessidade, que é o termo de posse, tá?
O “papel” não era a página de algum livro
sagrado, mas a nomeação de Lula como
ministro-chefe da Casa Civil, a fim de lhe garantir prerrogativa de foro e
impedir que fosse preso ou investigado sem autorização do STF —
permanecendo a salvo da sanha da finada Lava-Jato.
Quem se prestou ao papel de levar “o papel”
foi o então subchefe para assuntos jurídicos da Casa Civil e atual advogado-geral
da União, Jorge Rodrigo Araújo Messias (“Bessias”, no dialeto dilmês). E o fez
em vão, porque a medida foi suspensa pelo ministro Gilmar
Mendes, que viu ali desvio de finalidade e intenção de fraudar.
Os judeus creem que o Messias virá para
redimir a Humanidade em geral e Israel em particular — agora com o trabalho
dobrado de enfrentar o Hamas e a
onda de antissemitismo que engolfou universidades, intelectuais de esquerda, a
imprensa e até a política externa brasileira.
Os cristãos acham que o Messias já veio:
chamava-se Jesus, morreu na cruz pelos nossos pecados e um dia retornará para
acertar as contas com os que mais praticaram crimes em seu nome: a Igreja
Católica, que teve especial empenho contra mulheres, homossexuais e crianças
(estas, as vítimas preferenciais) e os charlatães neopentecostais, novos
vendilhões do templo.
Na religião dos patriotas, o Messias chegou
em 2019, após derrotar o Mal nas urnas eletrônicas (equipamentos que, numa
espécie de transmutação de vinho em água, deixaram de ser confiáveis na eleição
seguinte). Sua missão era livrar o país das sete pragas que o afligiam: a
cultura, a ciência, o meio ambiente, a ideologia de gênero, o desarmamento e,
pior de tudo, os bons modos e a democracia. Deu ruim, e o Messias verde e
amarelo hoje está entornozeleirado, em prisão domiciliar (breve, em novo
endereço), com um filho fora do país e fora de controle.
Os liberais aguardam, sem muita esperança,
que até 2026 surja, por geração espontânea, o Messias que galvanizará os 54% de
brasileiros invisíveis, que não se consideram lulistas nem bolsonaristas, muito
pelo contrário. E que elegeriam um presidente já no primeiro turno, se
quisessem — e se houvesse um candidato que os representasse.
Enquanto isso, estamos todos à espera do
Bessias, que virá não para proteger a Constituição (e barrar desvios de
finalidade e intenções de fraudar), mas para garantir que Lula não passe de
novo pelo perrengue de ter de responder pelos eventuais delitos que tenha
cometido, esteja cometendo ou venha a cometer.
O messianismo nos legou tipos como Antônio
Conselheiro e Jim Jones. Aonde o bessianismo nos levará, temos até 2055 para
descobrir.

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