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Aspirante a ditador, Trump também usa o
esporte como arma de propaganda e mira a Copa do Mundo de Futebol em 2026
O desmonte da Justiça, os ataques aos
direitos humanos e a censura fazem parte da cartilha de qualquer candidato a
ditador. Há ainda outro elemento que jamais fica fora da caixa de ferramentas
de um líder autoritário: a transformação do futebol (e outros esportes) em arma
de propaganda.
É exatamente este o caminho que Donald Trump
adotou com a instrumentalização
da Copa do Mundo em 2026, em seu país. Submissa e tradicionalmente
confortável sob governos autoritários, a Fifa não parece ver problema nisso.
Seu dirigente máximo, Gianni Infantino, tornou-se uma das personalidades
estrangeiras mais frequentes no Salão Oval.
Antes mesmo de o colégio eleitoral confirmar a vitória de Trump, em 2024, o cartola parabenizou o republicano pela eleição. Com isso, ganhou lugar de destaque na posse e, desde então, não poupa elogios ao projeto do líder autoritário dos EUA. Parte da estratégia de Infantino é o pragmatismo. Ele sabe que precisa manter boas relações com Trump para garantir o sucesso do torneio, o maior da história. Embora a Copa também envolva México e Canadá, 80% dos jogos ocorrerão em cidades norte-americanas.
Mas, desde janeiro, o que se viu foi uma
ingerência cada vez maior do presidente dos EUA nas decisões relacionadas ao
Mundial. Por pressão de Trump, o sorteio da Copa do Mundo, marcado para 5 de
dezembro, não será mais realizado em Las Vegas, como havia sido definido pela
Fifa. O novo local é o Kennedy Center, em Washington, presidido pelo
republicano.
Nas últimas semanas, Trump passou a usar a
Copa como instrumento de chantagem contra cidades governadas por democratas. O
presidente sugeriu que poderia declarar algumas delas como “não seguras” para o
torneio e, com isso, alterar a sede de jogos já confirmados pela Fifa em 2022.
Boston, Nova York, Los Angeles e São Francisco estão entre as ameaçadas.
Oficialmente, as 11 cidades selecionadas têm contratos firmados com a Fifa, e
retirar partidas desses locais significaria abrir uma guerra legal.
“É o torneio da Fifa, a jurisdição da Fifa, a
Fifa toma essas decisões”, reagiu o vice-presidente da entidade que representa
o futebol, Victor Montagliani. Trump retrucou: “Se alguém estiver fazendo um
trabalho ruim e se eu sentir que há condições inseguras, eu ligaria para Gianni
– o chefe da Fifa, que é fenomenal – e diria: ‘Vamos nos mudar para outro
local’, e eles fariam isso”. O presidente admitiu que o cartola “não adoraria
fazer isso, mas faria com muita facilidade”.
O soccer é apenas parte da estratégia do uso
do esporte por Trump, que passou a percorrer os coliseus modernos de uma
sociedade obcecada pela competição, fama e elitismo. Ainda em 2024, os esportes
foram uma zona vital para a campanha do republicano. Muitos democratas só se
deram conta do poder dessa estratégia quando era tarde demais.
Miriam Adelson, dona do Dallas Mavericks,
uma das mais valiosas franquias da NBA, destinou 100 milhões de dólares para a
campanha de Trump. Em junho de 2024, o republicano compareceu a um evento do
UFC em New Jersey, onde os fãs gritavam: “Nós amamos Trump!” O ex-lutador
profissional Hulk Hogan, falecido em julho último, abria cada um de seus
comícios.
Trump condicionou a destinação de verbas
federais para associações esportivas à proibição da participação de atletas
transgênero em competições femininas. No palanque, trouxe figuras populares,
como o presidente do UFC, Dana White, enquanto o astro da NHL, Wayne Gretzky,
exibia o boné do movimento MAGA. Ao longo do mandato, marcou presença no Super
Bowl, na Daytona 500, em lutas do UFC e nas finais do Mundial de Clubes.
Para analistas norte-americanos, o esporte
faz parte da estratégia de poder de Trump. Não se trata apenas de um ópio do
povo. Ali está também em jogo parte central de sua mensagem política. Enquanto
presidentes usaram o esporte como parte de uma diplomacia ou como uma
demonstração do softpower dos EUA pelo mundo, Trump utiliza os valores de
competições atléticas para solidificar sua agenda ultraconservadora e reacionária.
Trump transforma o esporte e sua indústria
bilionária em pilar de sua legitimidade no poder. Mais que entretenimento,
trata-se de uma extensão do projeto MAGA, que utiliza estádios como
amplificadores dos ressentimentos e valores ultraconservadores. Ele não esconde
o desejo de repetir essa instrumentalização na Copa do Mundo, e a Fifa parece
disposta a fornecer essa vitrine. Resta saber se o futebol, repleto de dribles
e até hoje pouco compreendido pelos norte-americanos, responderá a esse desafio.
Publicado na edição n° 1385 de CartaCapital, em 29 de outubro de 2025.

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