CartaCapital
Frear a economia neste momento é, ao mesmo
tempo, desnecessário e indesejável
O investimento em capacidade produtiva cresceu mais que o PIB em 2024, algo pouco destacado no debate
O Brasil cresceu 3,3% entre 2023 e 2024, mas entrou em ritmo mais lento no segundo trimestre de 2025, segundo o IBGE. Consumo das famílias, do governo e os investimentos esfriaram. Os dados do indicador de atividade mensal do Banco Central, o IBC–Br, apontam que tal desaceleração persiste no mês de julho, reforçando a percepção de que o fôlego inicial do ciclo de retomada perdeu intensidade. Para alguns, essa desaceleração seria condição necessária para controlar a inflação. Discordamos. Frear a economia neste momento é, ao mesmo tempo, desnecessário e indesejável.
É desnecessário porque a resposta da inflação
no Brasil a variações no nível de atividade econômica parece ser
negligenciável. A ideia de que o freio seria necessário apoia-se no diagnóstico
de que a inflação decorre de o PIB crescer acima da taxa de crescimento do
chamado “produto potencial”, cujas estimativas variam entre 1,9% pela OCDE e
2,4% pelo Banco Central. Mas o que é esse produto potencial? Pela teoria
convencional, seria o nível mais elevado de produção que uma economia poderia
atingir sem gerar pressões inflacionárias. Entender esse conceito, portanto, é
essencial para a compreensão da condução das políticas monetária e fiscal e dos
debates sobre crescimento sustentável.
O cálculo do produto potencial, entretanto, é problemático. Na prática, as principais métricas desse indicador nada mais são do que uma tendência ou média suavizada da série do próprio PIB corrente. Há também metodologias de cálculo do produto potencial que incorporam tendências suavizadas a partir de dados de mercado de trabalho e do estoque de capital que, por sua vez, são sensíveis ao próprio ciclo econômico. O problema é que isso pressupõe exatamente aquilo que se quer demonstrar: que a economia sempre retorna sozinha ao equilíbrio e que o PIB real nunca se afasta muito do “potencial”. Assim, políticas monetária e fiscal restritivas, ao contribuírem para a desaceleração do crescimento da economia, invariavelmente reduzem as estimativas de média ou tendência da série do PIB, impactando negativamente os indicadores que medem o produto potencial. De forma análoga, o crescimento do PIB efetivo tenderia a elevar as medidas de produto potencial. Logo, o potencial de crescimento do Brasil certamente foi ampliado com o investimento em capacidade produtiva crescendo mais fortemente que o PIB em 2024, algo pouco destacado no debate público.
Mesmo aceitando essas métricas, a literatura
internacional mais recente não apresenta evidências robustas de que inflação
responda ao hiato entre produto observado e potencial. Estudo recente do
Made–FEA/USP vai na mesma linha ao mostrar que a inflação no Brasil não parece
ser sensível ao nível de atividade da economia; o estudo também analisa os
dados de inflação desagregados e mostra que a maioria dos grupos de bens que
compõem o índice geral de inflação não responde a variações na medida de hiato
do produto. Esses resultados sugerem que, por aqui, a inflação parece reagir
mais a outros fatores, como as observações passadas da própria inflação e ao
câmbio, do que ao PIB. Em 2025, apesar de maior instabilidade no cenário
externo, o real valorizou 15% ante o dólar até o início de outubro de 2025 (a
título de comparação, o peso argentino desvalorizou 38% no mesmo período). Essa
valorização do real já vem segurando preços de alimentos e bens
comercializáveis, com queda mais clara inicialmente no atacado (tal como medido
pelo IGP–M), e que, com alguma defasagem, vem chegando no consumidor. Se a
inflação vem cedendo, e dada a incerteza sobre a resposta dos preços ao atual
nível de atividade, a desaceleração do crescimento mostra-se, portanto,
desnecessária.
Ela também é indesejável se feita à custa dos
gastos sociais e do emprego, como defendem vozes mais próximas ao mercado. Para
essa visão, o arrocho deveria vir acompanhado de austeridade adicional,
inclusive congelando o salário mínimo e importantes políticas de assistência
social. O objetivo desse tipo de política, de forma mais ou menos declarada, no
fim das contas sempre é o de esfriar a economia até elevar o desemprego,
freando o aumento dos salários e seus efeitos nos custos de produção. Contudo,
convém lembrar que os salários formais, medidos pelo Caged, só voltaram a se
recuperar a partir de 2023 e ainda estão 4% abaixo do nível de 2020 em poder de
compra, o que evidencia o risco de aprofundar desigualdades, caso medidas
adicionais de restrição avancem.
Além disso, é incorreto afirmar que a
política fiscal do governo federal siga expansionista. O impulso de 2023–2024,
que ajudou no crescimento do PIB, deveu-se à PEC da Transição em 2023, ao
pagamento de precatórios e gastos emergenciais com enchentes e queimadas que
não foram contabilizados na regra fiscal. Em 2025, sem esses gastos
excepcionais, a despesa primária caiu 2,4% no primeiro semestre em relação a
2024, segundo dados do Tesouro Nacional apresentados no Boletim Fiscal dos
Estados Brasileiros, do Centro Celso Furtado, que será publicado nas próximas
semanas. Portanto, a combinação de políticas monetária e fiscal mais
contracionistas, em um cenário internacional mais complicado para as
exportações brasileiras, poderia diminuir o crescimento a níveis inferiores aos
estabelecidos pelas métricas de crescimento do produto potencial. Tal cenário
só não é tão certo, pois estados e municípios, assim como as empresas estatais
federais, continuam investindo em ritmo forte em 2025, garantindo algum
dinamismo ao conjunto da economia.
Comemorar a desaceleração e ainda apostar em
um ajuste que gere impactos negativos sobre o mercado de trabalho, portanto,
não interessa a quem defende a continuidade do breve ciclo recente de retomada
do PIB com recuperação de salários, redução das desigualdades e queda da
pobreza. É preciso reconhecer que, em um país historicamente marcado por
desigualdades estruturais, insistir em políticas que sacrificam crescimento e
inclusão social em nome de diagnósticos frágeis é, no mínimo, um erro de
prioridade. •
Ricardo Summa é professor do Instituto de
Economia da UFRJ. Rafael Ribeiro é professor do Cedeplar/UFMG e do
Made/FEA–USP.
Publicado na edição n° 1385 de CartaCapital, em 29 de outubro de 2025.

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