O Globo
Direita quer conseguir a adesão dos Estados
Unidos para o combate ao que chamam de “narcoterrorismo”.
A insistência da direita em classificar de “terrorismo” as ações do crime organizado no país tem seu lado eleitoreiro, mas inclui também uma visão estratégica que parece inteligente até que seja revelada estúpida. Trata-se de conseguir a adesão dos Estados Unidos para o combate ao que chamam de “narcoterrorismo”. É o mesmo que pretendiam com os militares, em nível interno, com a decretação da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) depois da baderna golpista de janeiro de 2023 na Praça dos Três Poderes, em Brasília. Ou com a atuação de Eduardo Bolsonaro nos Estados Unidos, que culminou com o tarifaço contra a economia brasileira, em busca da proteção a Bolsonaro por Trump, como queriam.
Procuram brechas legais para justificar uma
intervenção que, imaginam, os beneficiaria. Se não fosse assim, o que o
governador do Rio, Cláudio Castro, ganha em insinuar ajuda do governo americano
no combate às drogas? O exemplo que dão é a Colômbia, mas, naquele caso, houve
um acordo oficial entre os governos dos Estados Unidos e da Colômbia, e havia
explicação técnica para a intervenção americana. As Farc, grupo terrorista que
atuava naquele país, se financiava com o dinheiro do tráfico de drogas, num
movimento de retroalimentação que juntava o terror com o tráfico.
Embora as facções criminosas brasileiras
tenham nascido de uma estranha combinação aleatória entre guerrilheiros
políticos brasileiros presos na Ilha Grande e traficantes, as táticas
eventualmente aprendidas e a organização da ação foram o que restou da
influência política, e um lema populista “Paz, justiça e liberdade”, em desuso
há muito tempo. Não há nenhum vínculo político, religioso, dogmático que
justifique a ação de nossos pretensos terroristas, a não ser ganhar dinheiro
com atividades ilegais, sejam elas quais forem: drogas de vários tipos, jogos
de azar, “gatonet”, construções ilegais e assim por diante.
A questão da segurança pública já deveria ser
tratada como prioritária há muito tempo — e não foi por estratégias políticas
rasas. Vários governos, de esquerda ou direita, passaram pelo problema e
fingiram que não era com eles. Jogaram para cima dos governos estaduais,
alegando que assim cumpriam a Constituição. Mas não queriam mesmo é estar
próximos de um possível fracasso no combate ao crime organizado. Perdemos, com
isso, um tempo enorme. Não fizemos uma legislação adequada, permitimos que as
facções criminosas se fortalecessem e se espalhassem pelo país, dominando
territórios; não punimos rigorosamente os envolvidos no tráfico de drogas, de
armamentos; deixamos que eles se infiltrassem na política, no Judiciário e em
órgãos públicos.
Agora, temos de tentar recuperar o atraso,
com uma ação muito mais ampla do que simplesmente invadir comunidades. No
Complexo do Alemão, vimos a cena histórica dos traficantes fugindo, e a polícia
colocando uma bandeira nacional. Em todos os locais, os bandidos voltaram,
continuam dominado os mesmos territórios.
Temos de fazer uma reformulação completa na
legislação criminal. Não pode haver progressão de regime penal para criminoso
perigoso envolvido em ações letais; o tratamento com os criminosos precisa ter
proporção. Perdemos tempo com uma política de complacência com o crime,
atribuindo tudo à injustiça da sociedade brasileira — o que é verdade, a
desigualdade prejudica a cidadania e faz com que algumas pessoas procurem um
caminho aparentemente mais fácil para subir na vida.
Mas não é matando que se resolve, embora
confrontos armados sejam inevitáveis. Resolve-se com legislação rigorosa, ação
de inteligência, informação sobre quem financia os crimes, exemplos vindos de
cima, prisão dos financiadores. Tem havido alguns avanços recentemente, mas as
ações precisam ser coordenadas. Os governadores fazem politicagem quando
rejeitam a coordenação do governo federal. Alguém tem de coordenar. Afinal
descobrimos que deixamos o problema se tornar muito maior no país todo — e
teremos de atuar mais rigorosa e organizadamente.

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