quinta-feira, 6 de novembro de 2025

As lições da derrota, em casa, do inimigo da COP30, por Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Presidente americano intensifica pressão contra a cúpula do clima; para enfrentá-lo, a política ambiental terá que aprender, com Mamdani, a ouvir as pessoas antes de tentar convencê-las

Donald Trump não será o único ausente da COP30, que terá sua largada nesta quinta com a cúpula dos líderes em Belém, mas caminha para ser aquele do qual mais se falará pelas costas. Não exatamente pelo anfitrião, que acabou de conseguir seu celular, mas pelos demais. Além de não enviar representantes, o governo americano estaria a pressionar delegados de outros países a também abandonar o acordo de Paris, que fixou as metas de mitigação do aquecimento global.

Nesta quarta, a economista francesa Laurence Tubiana, enviada especial da União Europeia para a COP30 e mentora do acordo de Paris, confirmou a Victoria Netto, do Valor, a postura agressiva do governo americano sobre negociadores para que abandonem a ideia do financiamento climático.

Na semana passada, Trump conseguiu uma adesão importante à sua pregação, Bill Gates, fundador da Microsoft e militante da causa ambiental, na qual investiu tempo, bilhões de dólares e até um livro (“Como evitar um desastre climático”, Cia das Letras, 2021). Em outros anos, Gates participou da COP. Neste ano, preferiu mandar uma carta dizendo que os fundos climáticos não estavam sendo bem geridos, que as metas não eram uma boa métrica de bem-estar. Propôs redirecionar os recursos para vacinas e redução da pobreza.

De pronto, Trump celebrou em sua rede social: “Acabamos de ganhar a guerra na farsa da mudança climática. Bill Gates finalmente admitiu que ele estava completamente errado nesta matéria. Foi corajoso de sua parte e por isso estamos agradecidos. MAGA!”.

O bilionário americano se reaproximou de Trump depois de uma longa e mútua hostilidade e é um dos mais vocais representantes da indústria de tecnologia de ponta que, altamente intensiva em energia, é, também, uma das mais visadas pela proposta de uma taxa global para o financiamento climático. Com este movimento, demonstra a intenção do setor de fazer o negacionismo climático sobreviver ao trumpismo para que nenhuma conta lhe venha a ser apresentada.

A meta de U$ 1,3 trilhão para o financiamento climático dos países em desenvolvimento, lançado pela COP30, é o sonho de uma noite de verão na Baía do Guarajá. Espera contar com contribuições de grandes empresas. Na condição de porta-voz, Gates deixou claro que devem bater em outra freguesia.

É bem verdade que o clima do planeta não depende apenas dos EUA. Tome-se a Noruega como exemplo do que se passa na Europa, continente vanguarda do ambientalismo mundial. Maior doadora do Fundo Amazônia, a Noruega tem mais de 90% de sua frota composta de carros elétricos. Por outro lado, é um dos maiores exportadores mundiais de petróleo que entra na conta da emissão de carbono do país que o consome e não da daquele que o produz.

China e Índia, com as duas maiores populações do planeta, são as maiores consumidoras de carvão. Seus chefes de Estado não estão em Belém, mas enviaram robustas delegações. Nenhuma delas é capaz de negar que toda a redução do uso do carvão no resto do mundo, especialmente nos EUA e na União Europeia, é compensado por seu aumento naqueles países. E, finalmente, o Brasil, que tem na transição energética seu melhor figurino internacional, também recepciona os participantes com muitas contas a prestar, inclusive na Foz do Amazonas.

Por mais pecadores que a cúpula abrigue, porém, é natural que a cobrança maior recaia sobre Trump e seu poder de influência sobre bilionários americanos. Nesta terça, seu país ofereceu um exemplo de como lidar com ambos: Zohran Mamdani, 34 anos, deputado estadual pelo Queens, eleito prefeito de Nova York.

O tom desafiante do discurso de posse - “Sou jovem, apesar de meus melhores esforços para ficar mais velho, muçulmano, democrata socialista e, pior que tudo, me recuso a me desculpar por tudo isso” - contrasta com um sorriso que rasga o rosto.

Se Nova York não representa os EUA ou a capacidade de regeneração dos democratas, dirá o resto do mundo, mas a campanha de Mamdani mostrou como a política pode retomar a capacidade de reengajar se tiver foco. O dele mirou em três propostas práticas, congelamento de aluguéis, tarifa zero e universalização de creche.

Fez promessas de difícil execução, como de um imposto adicional sobre rendas superiores a US$ 1 milhão. À medida que a eleição se aproximava, a elite econômica da cidade que pariu Trump o procurou. Abriu-se para conversas, sem abrir mão, por exemplo, de chamar a guerra em Gaza de genocida, o que acabou por afastar, pelo menos, um deles, Michael Bloomberg, hoje na COP30. Ao longo do dia, empresários ouvidos pelo FT o elogiaram na expectativa das indicações que fará para as agências municipais.

O viés etário foi mais determinante que o de renda. Ganhou com 50,5% dos votos, mas teve a adesão de 81% das mulheres e 65% dos homens abaixo de 30 anos. Colocou na equipe de transição, só de mulheres, Lina Khan, 36 anos. Chefe da agência antitruste de Joe Biden, foi cortada de cara pelos embates com “big techs”.

Mamdani não fez campanha na internet, mas na rua. Não falou de desigualdade, mas da capacidade de fechar as contas. A lição não vem da agenda ambiental, tímida até. Vem da capacidade de ouvir as pessoas antes de convencê-las, como contou seu estrategista, Andrew Epstein - na mão contrária da política tradicional, a começar pela ambiental.

 

Nenhum comentário: