Vitória nos EUA expõe dilemas dos democratas
Por O Globo
Seria uma lástima se, para derrotar o populismo de direita, os americanos abraçassem o populismo de esquerda
A vitória democrata nas eleições de terça-feira nos Estados Unidos foi inquestionável. Duas governadoras foram eleitas — a ex-piloto de helicóptero da Marinha Mikie Sherrill, em Nova Jersey, e a ex-agente da CIA Abigail Spanberger, que será a primeira mulher a governar a Virgínia. A maior cidade do país, Nova York, elegeu o primeiro prefeito muçulmano e o mais jovem em sua História, Zohran Mamdani, representante da ala radical dos autointitulados “socialistas democráticos”. E, na Califórnia, o governador Gavin Newsom conseguiu aprovar seu plano de redivisão distrital cujo objetivo é render mais cinco cadeiras ao Partido Democrata na Câmara.
O resultado reflete a insatisfação crescente
do eleitor americano com o governo Donald Trump e
representa o ressurgimento dos democratas nas urnas. Embora as regiões onde
houve votação não sejam conhecidas exatamente como redutos trumpistas, as
vitórias democratas alcançaram margens expressivas. Mais que isso, porém, elas
expõem os dilemas do partido. Nada os simboliza melhor que a ascensão
fulminante de Mamdani — ele pontuava mero 1% nas pesquisas de fevereiro.
Mamdani venceu graças ao desempenho notável
nas redes sociais e ao resgate de uma plataforma voltada a interesses de ordem
prática do eleitor. Seu discurso é repleto de demagogia e de políticas
comprovadamente ineficazes, como passe livre no transporte, congelamento de
aluguéis e até supermercados estatais com produtos mais baratos. No passado,
ele chegou a defender cortar verbas de policiamento, embora tenha recuado da
pretensão. Foi tachado de antissemita em virtude de seu antissionismo vocal —
na segunda cidade com mais judeus no mundo, recusou-se reiteradas vezes a
reconhecer Israel como Estado judaico.
Mamdani é a expressão da esquerda mais
radical do Partido Democrata, que tem sido derrotada nas primárias
presidenciais com Bernie Sanders. Sua ascensão ao poder na maior metrópole do
país é vista por essa ala como caminho para derrotar o trumpismo e recuperar o
poder também em Washington. Mas é inevitável que sua agenda de promessas
inexequíveis esbarre na realidade. A mais evidente: o que agrada ao eleitor
nova-iorquino — mais cosmopolita, mais educado e mais rico que a média nacional
— não necessariamente funciona no resto do país.
É o que mostra a eleição de Spanberger e
Sherrill. Ambas têm perfil centrista, alinhado com a tradição partidária. Ambas
venceram em estados onde, apesar da inclinação democrata, o avanço republicano
fora notável na eleição de 2024. E ambas derrotaram os adversários com ataques
frontais a Trump. Em contraste com o radicalismo de Mamdani, oferecem um
caminho próximo do americano médio.
Quanto ao californiano Newsom, ele não
esconde suas pretensões presidenciais. Em reação a legislação similar aprovada
pelos republicanos no Texas, obteve êxito no redesenho das fronteiras entre
distritos no estado já predominantemente democrata. A medida, de óbvio
interesse eleitoreiro, terá impacto no cenário nacional e decerto despertará
reação republicana. Num ambiente polarizado, em que todos querem a vitória a
qualquer preço, seria uma lástima se as propostas radicais ganhassem espaço e
se, para escapar do populismo de direita de Trump, os americanos se vissem
obrigados a abraçar o populismo de esquerda defendido por Mamdani e sua turma.
Licença-paternidade é avanço, mas é preciso
mitigar seu impacto fiscal
Por O Globo
Brasil é pródigo em programas sociais sem fonte de recursos. Senado deve analisar questão sem paixões
A Câmara
dos Deputados aprovou sem dificuldades na terça-feira o Projeto de Lei
que estende a licença-paternidade gradualmente, dos atuais cinco dias para 20
dias, com direito a salário integral e estabilidade. Não surpreende que a
proposta tenha sido abraçada por representantes das mais diferentes tendências
políticas, já que amplia benefícios sociais e fortalece os laços familiares
desde a primeira infância. Faltou só combinar com o INSS,
onde mais essa conta inevitavelmente acabará.
Pelo projeto original, a licença-paternidade
seria de 60 dias, período claramente fora da realidade do país. Em nova versão,
o relator, deputado Pedro Campos (PSB-PE), estabeleceu 30 dias vigorando de
forma escalonada a partir de 2027. Nas negociações de última hora, o prazo caiu
para 20 dias. Pelo texto aprovado, serão dez dias do primeiro ao segundo ano de
vigência da lei, 15 dias do segundo ao terceiro e 20 dias a partir do quarto. O
salário-paternidade será custeado pelo INSS. Mesmo com os ajustes, o impacto na
Previdência não será desprezível. A estimativa é de R$ 5,4 bilhões até 2030.
É verdade que o Congresso está atrasado na
regulamentação da licença-paternidade. A Constituição de 1988 concedeu cinco
dias com base num dispositivo transitório, determinando que a matéria fosse
regulamentada. Passaram décadas, e os parlamentares não se mexeram. Em 2023, o
Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu prazo para que agissem, sob pena de
a própria Corte tomar uma decisão. O prazo expirou em julho deste ano.
São inegáveis os efeitos da
licença-paternidade para aumentar o vínculo entre pais e filhos recém-nascidos
e dividir responsabilidades com as mães. É certo também que a medida produz
impactos positivos no mercado de trabalho, contribuindo para reduzir a
desigualdade de gênero. Não é segredo que a licença-maternidade pode se tornar
empecilho para contratar mulheres em idade fértil, e um benefício similar para
os pais ajuda a equilibrar a situação, ainda que parcialmente.
A licença para pais é concedida em diferentes
países, embora o tempo e a proporção do salário variem. Na França, eles têm
direito a até 30,2 semanas de licença, 4,2 com pagamento integral e o restante
com remuneração reduzida. Na Itália, são duas semanas com salário integral. Os
Estados Unidos não têm licença-paternidade remunerada em nível federal, mas
estados como Califórnia e Nova York concedem de seis a 12 semanas com
remuneração de 60% a 90% do salário.
O problema está no custo do benefício para o Estado. O Brasil é pródigo em programas sociais sem fontes de recursos para sustentá-los. Ainda que o projeto estabeleça o cumprimento de metas fiscais como condição para ampliar a licença, o impacto será inexorável. A reforma da Previdência feita em 2019 já se mostra insuficiente para responder aos gastos já contratados. Que dizer dos novos? É sempre fundamental avaliar os custos dos direitos sociais, ainda mais quando o Estado brasileiro atravessa crise fiscal aguda. O Senado precisa analisar a questão sem demagogia.
Gestão de Mamdani será vitrine para
republicanos e democratas
Por Valor Econômico
Os pleitos de 4 de novembro mostraram resultados francamente desfavoráveis ao presidente Trump e seu Partido Republicano
É algo inédito na história dos Estados
Unidos: o democrata socialista e muçulmano Zohran Mamdani reinará sobre Wall
Street, após ser eleito prefeito de Nova York, com folgada maioria. Mamdani, 34
anos, o mais jovem alcaide, terá sob sua administração a cidade que concentra a
maior quantidade de judeus fora de Israel e berço do presidente republicano
Donald Trump. Ele e outro muçulmano, Sadiq Khan, social-democrata moderado
inglês e prefeito de Londres, governarão as duas mais importantes e influentes
metrópoles anglo-saxônicas do mundo.
O movimento de radicalização política nos
Estados Unidos produziu agora uma reação mais incisiva à esquerda no Partido
Democrata, cuja liderança de centro encontra-se sem rumo desde a folgada
vitória de Donald Trump sobre Kamala Harris, em 2024. A guinada ao
ultraconservadorismo republicano, configurada pelo Tea Party, que desembocou no
domínio absoluto de Trump sobre o partido, impulsionou reativamente a esquerda
democrata, que agora tem como vitrine em Nova York um jovem esquerdista que
propõe medidas populistas e com um receituário que já se provou ineficaz. Em
sua plataforma, estão o congelamento dos aluguéis, supermercados públicos,
creches e transportes gratuitos e impostos maiores para quem ganha acima de US$
2 milhões por ano naquela que é a Meca do capitalismo.
Apesar de seus inegáveis méritos, Mamdani
pode ser antes o sintoma de um problema do que uma solução para os dilemas do
Partido Democrata. Com o centro carente de renovação, desacorçoado e sob
pressão da radicalização republicana, a esquerda democrata tem uma plataforma
política que dificilmente terá grande apoio fora do eleitorado liberal de Nova
York. Mamdani não contou com apoio do establishment democrata, ainda que tenha
recebido apoio de outro político bem-sucedido em furar as crostas da burocracia
da legenda, o ex-presidente Barack Obama.
As eleições para o governo de alguns Estados,
como Virginia e New Jersey, para cargos no Judiciário e prefeituras de várias
cidades delinearam um movimento tradicional na política americana. As eleições
legislativas de meio de mandato do presidente costumam favorecer a oposição,
como ocorreu com o domínio da Câmara dos Deputados pelos democratas no primeiro
governo de Trump. Os pleitos de 4 de novembro mostraram resultados francamente
desfavoráveis aos republicanos, cujos candidatos foram derrotados por mais de
10 pontos percentuais de vantagem na Virgínia e em Nova Jersey, com a vitória
de duas democratas, Abigail Spanberger e Mikie Sherrill, respectivamente.
Uma proposição aprovada na Califórnia também
se revelou nefasta aos desígnios de Trump. Para reagir à mudança de distritos
eleitorais feita pelos republicanos no Texas, que concentrará votos na legenda
e deverá proporcionar mais 5 cadeiras na Câmara na próxima eleição, o voto
californiano também refez a geografia eleitoral e propiciará igual vantagem no
Estado para os democratas.
A vantagem democrata se nutriu, em primeiro
lugar, do desgaste de Trump, retratado pelas últimas pesquisas de opinião. A da
CNN aponta que 37% dos americanos aprovam seu governo, ante 63% que o
desaprovam. Suas posições radicais não o favorecem: com os republicanos jogando
duro contra os democratas, o governo dos EUA está paralisado há 36 dias, um
recorde histórico, por falta de acordo sobre o orçamento. O eleitorado latino,
que esboçou movimento em direção aos republicanos na eleição de Trump, se
retraiu, inquieto com as batidas de caça a imigrantes ilegais em todo o país.
Mas especialmente Mamdani, em Nova York,
soube realizar uma campanha que atraiu os eleitores da cidade com temas que
lhes diziam diretamente respeito - o custo de vida e, em especial no caso
nova-iorquino, o preço muito alto dos aluguéis. Os democratas em Nova Jersey,
na Virgínia e em toda a parte também centraram sua campanha na carestia, tema
usado por Trump contra Biden em 2024. É um ponto bastante frágil do republicano
- a guerra comercial, com suas elevadas tarifas, aumentou o preço de uma série
de produtos massivamente consumidos pelos americanos. A inflação parou de cair
e aos poucos encostou em 3%.
Embora nada esteja definido de antemão, as
eleições legislativas podem encerrar o ativismo frenético de Trump e seus
atropelos às instituições. Uma maioria democrata na Câmara dos Deputados
retiraria dele boa parte da liberdade de ação. A perda do Senado o tornaria um
presidente sem poder. E uma administração mal avaliada tornaria muito difícil
que ele elegesse seu sucessor.
Mamdani também não terá vida fácil, pois não tem apoio firme dos democratas, e sua polêmica plataforma política tem tudo para atrair ampla oposição. Sua administração será a vitrine diária a ser exibida pelos republicanos, seja por seu suposto radicalismo, seja por eventuais fracassos. Ainda que Mamdani esteja distante de representar o ideário democrata e as opiniões do eleitorado médio americano, forçará uma redefinição de rumos do partido democrata e talvez a renovação de seus quadros, levando-o a buscar reconectar-se aos interesses da maioria, dos quais se distanciou.
Haddad, como Lula, dificulta a redução dos
juros
Por Folha de S. Paulo
Ministro critica BC e deixa de lado as
preocupações com a escalada dos gastos e da dívida do governo
Nesta gestão, o Tesouro terá déficit primário
(sem contar juros) em todos os anos; em 2025, o rombo esperado ronda os R$ 70
bilhões
Fernando
Haddad foi a voz solitária da racionalidade econômica no
governo e no PT até
a primeira metade do mandato de Luiz Inácio Lula da
Silva. Ao longo deste ano, contudo, vai deixando de lado os reparos à gestão
das contas públicas e compartilhando críticas oportunistas ao Banco Central.
Na terça-feira (4), disse que, se fosse
presidente do BC, votaria pela redução dos juros.
Nesta quarta (5), para surpresa de ninguém, a instituição manteve sua taxa,
a Selic,
em 15% anuais.
No atual patamar, os juros são
insustentáveis, diz o ministro da Fazenda —é fato. No entanto ele não aborda as
condições para que eles possam começar a cair, como afirma desejar, para já.
Na hipótese menos ruim, Haddad apenas prepara
discurso para a campanha eleitoral de 2026, ameaçando a credibilidade do BC e
dificultando o corte da taxa. Se não é o caso, mostra compreensão precária dos
problemas macroeconômicos do país.
A economia ainda está inflacionada. A
variação do IPCA deve terminar o ano perto de 4,5%, longe da meta de 3%. A
expectativa para o fim de 2027, mesmo com a Selic nas alturas, é de 3,8%.
Continua difícil conter a alta dos preços de serviços, pressionados pelo
mercado de trabalho aquecido.
O déficit com o exterior sobe, em boa parte
devido à queda do saldo comercial, pois as importações crescem, dada a escassez
de oferta, sintoma de atividade econômica acima do potencial.
O IPCA melhor do que o esperado deste ano
deve-se a safra, clima melhor, preços mundiais bem comportados e queda do dólar por
efeito de medidas de Donald Trump.
No mais, a carestia e a desvalorização do real são contidas pelo arrocho
monetário.
As taxas de juros seriam menores caso
houvesse contribuição da política de gastos, que pressiona a demanda. No ano
passado, o afrouxamento da meta fiscal e o pacote frustrante de ajuste deram
impulso a um movimento de alta de dólar, inflação e
juros.
Haddad tergiversa sobre os erros, preferindo
atribuir responsabilidades a administrações passadas ou ao Congresso
Nacional. De fato, o governo herdou gastos contratados e isenções
fiscais —muitas delas, diga-se, de outras administrações petistas. Porém o que
fez foi agravar o quadro.
Sob Lula, o Tesouro terá déficit primário
(sem contar juros) em todos os anos —neste 2025, o rombo esperado ronda os R$
70 bilhões, dos quais a maior parte não será considerada para o cumprimento da
meta oficial.
A despesa federal já aumentou 14%, em termos
reais, cerca de R$ 290 bilhões ao ano, e no momento avança no Congresso um
reajuste salarial para os servidores do Judiciário mais caro do mundo. A dívida
pública subiu de 71,7% para 78,1% do PIB.
O governo criou as condições que levaram os
juros ao insustentável. Baixar a Selic agora ou sem mais causaria danos no
dique que contém deterioração macroeconômica ainda maior, se não for o gatilho
de tumulto imediato.
Mais tempo entre pais e filhos
Por Folha de S. Paulo
Aumento da licença-paternidade é um passo na
redução da desigualdade salarial entre os sexos
O ideal seria expansão maior do que 20 dias
ou licença parental compartilhada, mas as contas públicas dificultam tais
modelos no Brasil
A desigualdade salarial entre homens e
mulheres é
causada principalmente pelo impacto da maternidade nos estudos
e no trabalho delas. Por isso medidas que tentam instituir à base de canetada
uma paridade na remuneração entre os sexos tendem, na melhor hipótese, a ser
inócuas e, na pior, a dificultar a empregabilidade.
Nesse sentido, o projeto de
lei que aumenta o tempo da licença-paternidade, aprovado pela Câmara dos
Deputados na terça-feira (4), é um avanço, mesmo que modesto
—sua limitação se deve, sobretudo, à elevação de gastos num Orçamento já
deficitário.
O benefício, que
hoje dura apenas 5 dias, será expandido de forma gradual até 20
dias. Segundo o texto, serão 10 dias nos dois primeiros anos de vigência da
mudança, 15 dias no 3º ano e, finalmente, 20 dias no 4º ano.
Atualmente, servidores públicos têm direito a
pedir mais 15 dias, e o custo é pago pelo erário. Já as empresas são
responsáveis pelos custos, que, pela proposta, passarão à Previdência
Social por meio de descontos na contribuição ao INSS —o
intuito é evitar resistências no setor privado.
Para reduzir impactos para micro e pequenas
empresas, os valores serão compensados com mais agilidade no recolhimento de
qualquer tributo federal.
Por óbvio, haverá impacto fiscal. O custo
estimado com despesas e perda de receitas é de R$ 3,3 bilhões em 2027, de R$
4,35 bilhões no ano seguinte, e chega a R$ 5,44 bilhões em 2029. O projeto
determina, ainda, que o benefício só poderá ser ampliado de 15 para 20 dias em
2029 se o governo alcançar a meta fiscal em 2027.
O ideal seria uma expansão maior da licença
paternidade ou até mesmo uma licença parental compartilhada entre pais e mães
—como é comum em países nórdicos, bem menores e mais ricos. A situação das
contas públicas no Brasil, porém, evidencia a dificuldade em adotar tais
modelos.
Ampliar a duração do benefício para o sexo
masculino também não é bala de prata. São necessárias outras ações integradas,
além de mudanças culturais que levem os homens a contribuírem mais para o
cuidado do lar e dos filhos, reduzindo assim a sobrecarga da dupla jornada de
trabalho que recai sobre as mulheres.
É fundamental que governos municipais expandam o acesso a creches, e tal medida envolve mais gestão racional de recursos do que aumento de gasto público. No país, só 38,7% das crianças entre 0 e 3 anos estavam matriculadas em creches em 2024, enquanto a meta do Plano Nacional de Educação de 2014 era atingir 50% no ano passado.
Crime organizado não é terrorismo
Por O Estado de S. Paulo
Classificar PCC e CV como ‘terroristas’ é
erro conceitual e prático que mascara a incompetência dos Estados na segurança.
Pode dar votos, mas não resolve o problema e cria vários outros
Um projeto de lei que classifica facções
criminosas como o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC)
como “organizações terroristas” instalou no País um debate que mistura
oportunismo político, erro conceitual e imprudência.
Tramitando na Comissão de Constituição e
Justiça (CCJ) da Câmara, o projeto, apresentado pelo deputado Danilo Forte
(União-CE), propõe a inclusão de facções e milícias no rol de grupos
terroristas previsto na Lei Antiterrorismo, de 2016. A proposta ganhou tração
após a operação policial nos Complexos da Penha e do Alemão, no Rio, que
terminou com mais de 120 mortos.
De fato, aquela incursão policial expôs um
nível de poder bélico e operacional dos criminosos que deve ensejar uma
reflexão sobre o tipo de confronto travado entre as forças do Estado e as
organizações criminosas. Está-se diante de um problema de segurança pública ou
já se trata de uma guerra pela soberania nacional? Esse debate não só é
legítimo, como necessário. Mas dele não decorre a conclusão precipitada de que
a solução possa passar por uma falácia: chamar de “terroristas” organizações
criminosas que, fundamentalmente, são movidas pelo enriquecimento ilícito.
O projeto em questão, portanto, parte de um
erro conceitual. O terrorismo pressupõe motivação política, ideológica ou
religiosa. Terroristas fazem da violência a tática para constranger o Estado
e/ou a sociedade a agir ou deixar de agir de certa forma, disseminando o medo
generalizado como instrumento de pressão. As facções brasileiras até podem,
eventualmente, praticar atos de terror, mas não o fazem por manifesto interesse
político, ideológico ou religioso, e sim financeiro. Não têm uma causa – têm um
caixa. Não buscam transformar o Estado, mas desafiá-lo para ampliar seus ganhos
ilícitos. A violência que semeiam é derivada da disputa pelo controle de
mercados criminosos.
Além desse vício de origem, o projeto está
eivado de problemas de ordem prática insanáveis. O Brasil já dispõe de um
arcabouço jurídico para combater o crime organizado – do Código Penal à Lei das
Organizações Criminosas, passando por acordos de cooperação internacional
contra o tráfico de drogas e a lavagem de dinheiro. Mais bem dito: nenhuma
organização criminosa surgida aqui chegou aonde chegou por falta de legislação
adequada para impedir sua ascensão, mas sim pelas falhas na aplicação das leis
em vigor – para dizer o mínimo. Recorde-se que, quando o Estado atuou com
inteligência e cooperação federativa, obteve resultados expressivos. Aí está a
Operação Carbono Oculto como exemplo virtuoso desse enfrentamento ao PCC sem
pirotecnias retóricas ou legislativas.
Caso classifique as facções como grupos
terroristas, o Congresso ainda criará um problema institucional gravíssimo. A
competência para investigar e julgar terrorismo migraria para a esfera federal,
deslocando inquéritos e ações penais das mãos de policiais, promotores e juízes
estaduais que, há décadas, acumulam expertise no enfrentamento direto desses
grupos criminosos. No caso do PCC, ninguém conhece melhor sua estrutura e
seu modus operandi do
que o promotor Lincoln Gakiya, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime
Organizado (Gaeco) de São Paulo, para citar apenas o exemplo mais notável.
Retirar de autoridades como ele o protagonismo no combate ao crime organizado
será um retrocesso. A Polícia Federal, por sua vez, não tem estrutura nem
efetivo para absorver, de um dia para o outro, o volume colossal de
investigações que a mudança acarretaria.
Por fim, a retórica do terrorismo pode render
votos, mas não salva a vida de ninguém, além de prestar um desserviço ao debate
público. Em vez de fortalecer as instituições de combate ao crime organizado,
serve para escamotear a incompetência dos governos estaduais para prover
segurança à população. A citação, na justificação do projeto, ao tratamento
dado pelo presidente dos EUA, Donald Trump, ao tráfico internacional de drogas
coroa o grau de desorientação das discussões. Com a maior naturalidade do
mundo, flerta-se com a violação da soberania brasileira, como fez o senador
Flávio Bolsonaro (PL-RJ) ao sugerir que os EUA bombardeassem barcos suspeitos
na Baía de Guanabara. É isso o que se pretende para o Brasil?
O pulso da democracia americana
Por O Estado de S. Paulo
Muito vai se falar da vitória da extrema
esquerda em NY, mas em outras eleições os democratas moderados se saíram bem. A
polarização ainda predomina, mas há sinais de alternativas viáveis
O punhado de eleições realizadas anteontem
nos Estados Unidos funcionou como um termômetro político e um laboratório para
os dilemas que marcarão as disputas legislativas nacionais de 2026. Os
resultados delinearam não só o humor do eleitorado, mas os caminhos e
armadilhas que se abrem para democratas e republicanos em um país cada vez mais
fragmentado entre populismos opostos, agendas identitárias e o apelo ainda vivo
do pragmatismo centrista.
O caso mais ruidoso foi a eleição do
socialista Zohran Mamdani como prefeito de Nova York. Jovem, carismático e
radical, Mamdani representa o que há de mais ambicioso – e temerário – no
arsenal ideológico da nova esquerda. Com um programa maximalista que inclui
ônibus grátis, supermercados estatais, congelamento de aluguéis e sobretaxas
para os ricos, ele capturou a imaginação dos eleitores urbanos mais jovens. Mas
sua vitória também revelou a vulnerabilidade do Partido Democrata à sua ala de
extrema esquerda.
Mamdani não é só um gestor inexperiente em
uma cidade em crise fiscal. Ele é o rosto mais visível de um experimento que
será explorado nacionalmente por seus adversários. Sua eleição não transforma a
extrema esquerda em maioria, mas amplia sua influência simbólica num partido
cuja coesão depende de manter juntos os eleitores de Manhattan, Atlanta,
Detroit ou Omaha. Se Mamdani fracassar, será um fardo para democratas em
Estados decisivos. Se tiver sucesso, o que dependerá mais de sorte e contenção
do que de seu programa tresloucado, poderá consolidar a radicalização à
esquerda. Nenhuma das alternativas deixa os moderados confortáveis.
Todavia, os democratas também colheram
vitórias robustas com candidatos de perfil centrista e disciplinado, como
Abigail Spanberger para o governo da Virgínia e Mikie Sherrill para o governo
de Nova Jersey. Ambas são ex-militares com experiência em segurança nacional e
avessas ao ruído das guerras culturais. Focaram em acessibilidade econômica,
infraestrutura e políticas de bom senso – e venceram com boa margem. Elas
representam um modelo viável para reconquistar o eleitorado suburbano e
independente. Mas é duvidoso que consigam rivalizar, dentro do próprio partido,
com o volume simbólico de Mamdani, Alexandria Ocasio-Cortez ou Bernie Sanders.
Do outro lado, os republicanos saíram das
urnas com motivos para inquietação. Apesar do desempenho decente em alguns
distritos locais, sofreram derrotas em áreas onde haviam avançado em 2021. A
razão principal tem nome e sobrenome: Donald Trump. Mesmo fora da cédula, a
sombra do presidente de extrema direita paira sobre todo o partido. Seu estilo,
sua retórica e sua obsessão com a eleição “roubada” de 2020 afastam
independentes e sufocam novas lideranças. A aprovação de Trump segue baixa, e
os republicanos continuam presos ao dilema: sem ele, perdem a base; com ele,
perdem o centro.
A ironia é que Mamdani pode se tornar o
melhor argumento republicano para reverter esse ciclo. Sua eleição oferece um
espantalho perfeito: um socialista muçulmano governando a maior cidade do país.
O risco, no entanto, é que esse espantalho seja contraposto por outro. Se 2026
for moldado como uma escolha entre os maximalismos inconciliáveis de Trump e de
Mamdani, será difícil convencer o eleitorado moderado de que há algo a salvar.
Há ainda fatores geográficos e institucionais
que devem pesar. A zona rural segue predominantemente conservadora. As
metrópoles, cada vez mais homogêneas à esquerda. Os subúrbios – novamente –
decidirão a eleição. E os democratas mostram-se mais dispostos a jogar duro no
redesenho dos colégios eleitorais: a Proposição 50, aprovada na Califórnia,
reforçará a manipulação de distritos em favor dos democratas, com o mesmo
cinismo pragmático que os republicanos vinham aplicando em Estados do Sul.
A lição de 2025 parece ser que a energia
eleitoral está nos extremos, mas as vitórias sustentáveis pertencem ao centro.
A pergunta que 2026 responderá é se algum dos partidos terá coragem para romper
com suas caricaturas e recuperar o senso de proporção. Há, em ambos os lados,
vozes lúcidas e competentes. Mas o ruído – e o ressentimento – ainda grita mais
alto.
Nome aos bois
Por O Estado de S. Paulo
Quando medidas de governo beneficiam
determinados empresários, algo não vai bem na República
Uma reportagem recente do Estadão mostrou que um
“jabuti” incluído na medida provisória da reforma do setor elétrico autoriza a
construção de gasodutos com verba do Fundo Social do Pré-Sal. Essa medida pode
viabilizar projetos de gasodutos ligando a costa ao interior do País, o que
beneficiaria particularmente o empresário baiano Carlos Suarez, que domina o
setor em diversos Estados que seriam atendidos.
É muito difícil dar o benefício da dúvida
quando se está diante de tamanho favorecimento a um só empresário. Sobretudo
quando se observa que esses gasodutos, se saírem do papel, serão uma
extravagância inexplicável, sem justificativa econômica plausível.
Resta a explicação banal: o sr. Suarez,
conhecido como “Rei do Gás”, tem extraordinária influência no governo de Lula
da Silva e no Congresso dominado pelo Centrão. Isso já tinha ficado
razoavelmente claro quando o grupo político que representava os interesses do
empresário conseguiu incluir na lei de privatização da Eletrobras (atual Axia)
a exigência de instalação de usinas térmicas em locais remotos para justificar
a construção dos gasodutos. Na ocasião, o projeto dos gasodutos não prosperou,
mas o governo Lula parece empenhado em insistir nele.
Em favor do sr. Suarez, diga-se que ele não é
o único empresário rotineiramente favorecido por decisões do governo e do
Congresso graças às suas relações com o poder em Brasília. Nesse particular,
destacam-se com brilho os irmãos Wesley e Joesley Batista, donos de um
conglomerado de negócios em franca expansão e que agora estão entrando com tudo
no setor elétrico.
Os Batista levaram a melhor numa disputa
acirrada com Suarez pela compra de termoelétricas da Eletrobras no Amazonas. Os
dois irmãos adquiriram a preço irrisório a distribuidora Amazonas Energia pela
Âmbar, em situação pré-falimentar. Por mais um desses acasos que somente os
corredores de Brasília explicam, a Âmbar foi beneficiada por medida provisória
que deu à empresa condições de assumir as térmicas da Eletrobras e negociar o
controle da Amazonas Energia. Mais recentemente, compraram a participação da
Eletrobras na Eletronuclear, um movimento surpreendente e que ainda carece de
explicações.
De uma hora para outra, os irmãos Batista
passaram a ter participação relevante no setor elétrico. O ministro de Minas e
Energia, Alexandre Silveira, disse que foi “mera coincidência” o fato de que o
governo editou a citada medida provisória que garantiu a recuperação financeira
da Amazonas Energia apenas dias depois da transação entre Eletrobras e Âmbar.
De quebra, Silveira ganhou do presidente Lula o direito de manter em sigilo por
cem anos sua Declaração de Conflito de Interesses – aquela que toda autoridade
deve fazer para afastar suspeitas de que pode ter interesses privados em
negócios públicos sob sua alçada.
Empresários poderosos sempre haverá. Mas uma república digna do nome deve estabelecer limites claros para a influência desses empresários, porque as políticas públicas, por definição, devem ser norteadas pela transparência e pela impessoalidade. Quando decisões de governo parecem ser feitas sob medida para favorecer determinados negócios privados, algo não vai bem na República.
Adolescentes são alvo da violência de gênero
Por Correio Braziliense
O feminicídio de adolescentes com idade entre
12 e 17 anos aumentou 30,7% em um ano, de 2023 até 2024, "sugerindo um
deslocamento preocupante para vítimas ainda mais jovens".
Os feminicídios ganham escala no Distrito
Federal. Mulheres jovens e cada vez mais adolescentes tornam-se vítimas da
violência de homens que se sentem proprietários das namoradas ou companheiras.
Nos últimos 10 meses deste ano, ocorreram 25 casos no DF. No início da
madrugada desta terça-feira, no Sol Nascente, Allany Fernanda, 13 anos, não
resistiu a um tiro na cabeça, provavelmente disparado pelo namorado, 20 anos,
como indicam as investigações. O suspeito está sob prisão preventiva, decretada
após audiência de custódia.
Allany foi a segunda adolescente assassinada
neste ano no DF pelo fato de ser mulher. Em 23 de fevereiro, Géssica Moreira de
Sousa, 17 anos, foi vítima de crime cometido pelo companheiro, sete anos mais
velho, dentro de uma igreja evangélica no Núcleo Rural da Rajadinha, em
Planaltina. O crime foi testemunhado pela filha do casal de dois anos. Ela
estava grávida e deixou duas filhas órfãs. Histórias como as de Allany e
Géssica são cada vez mais corriqueiras no Brasil.
O mais recente Anuário Brasileiro de
Segurança Pública revela que o feminicídio de adolescentes com idade entre 12 e
17 anos aumentou 30,7% em um ano, de 2023 até 2024, "sugerindo um
deslocamento preocupante para vítimas ainda mais jovens". Considerando
todas as faixas etárias, o número de feminicídios atingiu um recorde histórico
no Brasil em 2024, com um aumento de 0,7% em relação ao ano anterior, com uma
média de quatro assassinatos por dia.
As agressões às mulheres e às meninas ocorrem
também por meio virtual, como tem sido evidenciado em operações policiais
recorrentes. Na tentativa de detalhar esse crimes no ambiente digital, o
Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, em parceria com Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), desenvolveu o projeto
Diagnóstico da Violência Sexual On-line — Crianças e Adolescentes. Entre 2022 e
2023, 23% das crianças e adolescentes entrevistados relataram ter sido vítimas
de algum tipo de violência sexual on-line.
As meninas são a maioria das vítimas: 76% Os
homens agressores chegam a 87%. A base dos dados do estudo foi o relatório do
Disque 100, coordenado pelo MDHC, que registrou 6.364 denúncias de violência
sexual contra os menores por meio on-line no período analisado. Os dados
colhidos pelo estudo reforçam a necessidade de regulamentação das plataformas
digitais — um tema ainda polêmico no país.
Também evidenciam que o poder público precisa
rever suas políticas para conter as atrocidades praticadas contra as
mulheres e meninas. Embora sejam maioria na população, elas são
depreciadas pelo gênero masculino. Essa falsa superioridade é reforçada a cada
obstáculo que tanto o poder público quanto o privado impõe à ascensão social e
econômica das mulheres.
Exige reforço na educação de igualdade de gênero na família, nas escolas, nas universidades, no ambiente de trabalho e em quaisquer outros, a fim de promover e fortalecer as relações respeitosas. Além disso, ninguém deveria se omitir de denunciar um ato de violência e, assim, colaborar com combate às agressões contra as mulheres de todas as idades.
CPI poderá dar boa contribuição para conter
facções
Por O Povo (CE)
A ver se o senador Fabiano Contarato
conseguirá manter o bom andamento dos trabalhos, de modo que o plenário da CPI
não vire uma batalha campal de "lacrações"
Após a chamada "megaoperação" nos
complexos da Penha e do Alemão, no Rio de Janeiro, que resultou em 121 mortes,
o Executivo e o Legislativo se agitaram para encaminhar com mais celeridade as
propostas referentes à segurança pública, especialmente as que dizem respeito
ao crime organizado.
As facções tornaram-se uma preocupação
nacional, ampliando sua área de atuação para além do tráfico de drogas, do
controle local de território e da exploração violenta de moradores de
comunidades. Com o crime organizado espalhando-se por praticamente todo o País,
com faccionados infiltrados em negócios legais e na política, tornou-se
impossível barrar essa escalada criminosa sem que seja encontrada uma solução
que ultrapasse as divisas de cada Estado, exigindo ações conjuntas entre o
governo federal e os entes federativos.
Entre as várias iniciativas que ganharam
destaque após a operação no Rio está a Comissão Parlamentar de Inquérito, a CPI
do Crime Organizado, instalada no Senado, na terça-feira. A CPI poderá dar uma
boa contribuição para encontrar caminhos que contribuam com a resolução do
problema, mesmo porque elegeu uma Mesa Diretoria equilibrada.
A presidência ficou com Fabiano Contarato
(PT-RS), conhecido pela sua análise técnica das propostas; na vice-presidência
está Hamilton Mourão (Republicanos-RS) e a relatoria — o segundo cargo mais
importante — será ocupado por Alessandro Vieira (MDB-SE), que não é alinhado ao
governo, podendo ser classificado como "independente". Os três têm
experiência anterior na área da segurança: Contarato e Vieira foram delegados
da Polícia Civil; Mourão é general aposentado do Exército.
Mas o componente político não ficará de fora
das sessões da CPI, principalmente porque a campanha presidencial de 2026,
extraoficialmente, já está nas ruas. No entanto, Contarato já avisou que não
vai admitir "pirotecnia" na CPI. A ver se ele conseguirá manter o bom
andamento dos trabalhos, de modo que o plenário não vire uma batalha campal de
"lacrações" para os famosos "recortes" para
"bombar" nas redes sociais. Será preciso conter com rigor a
"bancada do TikTok" para evitar a desmoralização da CPI.
O que se espera é que, em assunto de tamanha gravidade os senadores comportem-se de maneira adequado, preocupando-se com o que verdadeiramente interessa, que é apontar soluções que levem ao desmantelamento dessas organizações criminosas que desafiam a ordem legal estabelecida, controlando territórios, cometendo os mais bárbaros atos de violência — e submetendo milhões de brasileiros às "leis" do crime.

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