quinta-feira, 6 de novembro de 2025

Chacina é a única saída para questão da segurança? Por Maria Hermínia Tavares

Folha de S. Paulo

No mesmo mês, duas concepções opostas de como lidar com o crime organizado

Ações precisam ser multidimensionais, como são as atividades das máfias

sangrenta operação policial promovida na semana passada pelo governador Cláudio Castro foi a sua quarta desde 2021, quando ele passou a comandar o estado do Rio de Janeiro. Denominada Contenção, teve o mesmo intuito e seguiu o mesmo roteiro das anteriores, delas diferindo apenas na multiplicação dos cadáveres que deixou expostos.

Em todas elas, armamentos e munições foram apreendidos, prisões feitas —e muita gente morreu: 28 pessoas na Favela do Jacarezinho, em maio de 2021; entre 23 e 25 na Vila Cruzeiro, no mesmo mês do ano seguinte; 19 em julho de 2022, no Complexo do Alemão. Não há o mais remoto indício de que essas mortes tenham servido para diminuir o controle do crime organizado sobre aqueles territórios. Esse será o provável resultado da operação que, agora, custou a vida de mais de uma centena de pessoas, no Complexo do Alemão.

Duas semanas antes —e sem alarde—, o governo do Rio Grande do Norte, com apoio da Senasp (Secretaria Nacional de Segurança Pública), do Ministério da Justiça, realizou a Operação Território Seguro, na zona oeste de Natal. Sem que se disparasse um tiro, houve apreensão de armas e drogas, além de prisões. Agora, será instalado na área um conjunto de serviços destinados a garantir aos moradores direitos civis básicos: mediação de conflitos e acesso à Justiça; entrega de documentação pessoal; atendimento a mulheres e crianças vítimas da violência; regularização fundiária; melhoria do ambiente, com iluminação e coleta de lixo; atendimento a jovens em situação de risco; policiamento permanente. Enfim, tudo o que pode ser feito no âmbito do sistema de Justiça e da segurança pública.

Assim, no mesmo mês, vimos duas concepções opostas para enfrentar o controle do crime organizado em áreas urbanas onde vivem os pobres. Uma delas recorre à força bruta, ao espetáculo sangrento, que dá votos e normaliza a barbárie. A outra faz fé na coordenação intergovernamental; na mobilização de sistemas de informações confiáveis; no conhecimento acumulado por quadros da segurança pública e especialistas.

Em outra frente, a Operação Carbono Oculto parece fundar-se também nesta racional estratégia de combate às organizações criminosas. Ela é necessariamente multidimensional, tal qual as atividades das máfias.

Dos exemplos de Território Seguro e Carbono Oculto não se deve deduzir que o confronto armado possa ser sempre evitado. A violência, irrecusável diante de organizações equipadas com armamento pesado, não pode ser o primeiro e único recurso do Estado democrático nem pode ser exercida sem protocolos claros.

O que tais exemplos parecem indicar é o começo possível de uma alternativa de política eficaz e civilizada de enfrentamento do crime organizado. Essa é uma construção de grande complexidade por requerer mudanças nas leis e no comportamento de líderes políticos e grandes burocracias públicas —as polícias, o Ministério Público e o sistema judicial e penitenciário. Não está escrito que prospere. Pois, além de tudo o mais, exige das lideranças clareza para separá-la da disputa eleitoral e coragem política para conquistar a maioria que hoje aplaude a falida política de segurança da extrema direita.

 

 

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