Folha de S. Paulo
No mesmo mês, duas concepções opostas de como
lidar com o crime organizado
Ações precisam ser multidimensionais, como
são as atividades das máfias
A sangrenta
operação policial promovida na semana passada pelo governador Cláudio
Castro foi a sua quarta desde 2021, quando ele passou a comandar o
estado do Rio de
Janeiro. Denominada Contenção, teve o mesmo intuito e seguiu o mesmo
roteiro das anteriores, delas diferindo apenas na multiplicação dos cadáveres
que deixou expostos.
Em todas elas, armamentos e munições foram apreendidos, prisões feitas —e muita gente morreu: 28 pessoas na Favela do Jacarezinho, em maio de 2021; entre 23 e 25 na Vila Cruzeiro, no mesmo mês do ano seguinte; 19 em julho de 2022, no Complexo do Alemão. Não há o mais remoto indício de que essas mortes tenham servido para diminuir o controle do crime organizado sobre aqueles territórios. Esse será o provável resultado da operação que, agora, custou a vida de mais de uma centena de pessoas, no Complexo do Alemão.
Duas semanas antes —e sem alarde—, o governo
do Rio Grande do Norte, com apoio da Senasp (Secretaria Nacional de Segurança
Pública), do Ministério da Justiça, realizou a Operação Território Seguro, na
zona oeste de Natal. Sem que se disparasse um tiro, houve apreensão de armas e
drogas, além de prisões. Agora, será instalado na área um conjunto de serviços
destinados a garantir aos moradores direitos civis básicos: mediação de
conflitos e acesso à Justiça; entrega de documentação pessoal; atendimento a
mulheres e crianças vítimas da violência;
regularização fundiária; melhoria do ambiente, com iluminação e coleta de lixo;
atendimento a jovens em situação de risco; policiamento permanente. Enfim, tudo
o que pode ser feito no âmbito do sistema de Justiça e da segurança pública.
Assim, no mesmo mês, vimos duas concepções
opostas para enfrentar o controle do crime organizado em áreas urbanas onde
vivem os pobres. Uma delas recorre à força bruta, ao espetáculo sangrento, que
dá votos e normaliza a barbárie. A outra faz fé na coordenação
intergovernamental; na mobilização de sistemas de informações confiáveis; no
conhecimento acumulado por quadros da segurança pública e especialistas.
Em outra frente, a Operação Carbono Oculto
parece fundar-se também nesta racional estratégia de combate às organizações
criminosas. Ela é necessariamente multidimensional, tal qual as atividades das
máfias.
Dos exemplos de Território Seguro e Carbono
Oculto não se deve deduzir que o confronto armado possa ser sempre evitado. A
violência, irrecusável diante de organizações equipadas com armamento pesado,
não pode ser o primeiro e único recurso do Estado democrático nem pode ser
exercida sem protocolos claros.
O que tais exemplos parecem indicar é o
começo possível de uma alternativa de política eficaz e civilizada de
enfrentamento do crime organizado. Essa é uma construção de grande complexidade
por requerer mudanças nas leis e no comportamento de líderes políticos e grandes
burocracias públicas —as polícias, o Ministério Público e o sistema judicial e
penitenciário. Não está escrito que prospere. Pois, além de tudo o mais, exige
das lideranças clareza para separá-la da disputa eleitoral e coragem política
para conquistar a maioria que hoje aplaude a falida política de segurança da
extrema direita.

Nenhum comentário:
Postar um comentário