Valor Econômico
Brasília não tem como influenciar a agenda de Washington, mas o Brasil pode se tornar mais difícil de ser substituído mantendo-se como um fornecedor mais barato e mais ecológico
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva
retornou de recente viagem à Indonésia, Malásia e participação na cúpula da
Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean) apontando potencial de mais
negócios do agro brasileiro nessa que é a região mais dinâmica da economia
mundial. Isso pode acontecer, mas em menor escala do que esperado. O presidente
americano, Donald Trump, esteve ao mesmo tempo na região e, usando o arsenal
das tarifas, arrancou concessões imediatas de países asiáticos para comparem
mais produtos americanos.
O comércio hoje não se decide apenas por
fatores como custo e frete, e mais e mais por motivações políticas. Isso é
ilustrado também na trégua acertada entre Trump e o presidente chinês, Xi
Jinping.
Após meses de compras paralisadas, a China aceitou compromissos de importação de 12 milhões de toneladas de soja dos Estados Unidos até o fim deste ano, e de pelo menos 25 milhões de toneladas anuais até 2028. Historicamente, a China comprou entre 25 milhões e 30 milhões de toneladas de soja americana por ano nos últimos anos. Os americanos veem agora uma “base sólida” para o retorno a esses volumes.
Isso significa que, no curto prazo, a China
vai reduzir as compras de soja brasileira nos próximos meses e priorizar a americana,
ao menos até a entrada da safra do Brasil no mercado, em fevereiro do ano que
vem. O avanço da soja brasileira, inclusive do farelo, em outros mercados
asiáticos também pode sofrer algum freio.
Os Estados Unidos miram outros produtos. A
U.S. Meat, representante do setor de carnes, reclama em comentários enviados ao
USTR (agência de representação comercial americana), no âmbito da investigação
sobre práticas comerciais brasileiras, que o Brasil, além de maior exportador
mundial de carne bovina, deve ultrapassar os EUA também como maior produtor
global neste ano. As exportações de carne bovina do Brasil já representam 32%
da produção nacional, e as de carne suína, 35%. Constata que o Brasil exporta
fortemente para a China e vem ampliando rapidamente suas vendas a outros
destinos - inclusive aos próprios Estados Unidos (antes do tarifaço), ao México
e, mais recentemente, ao Canadá. No caso da carne suína, o país é o quarto
maior exportador mundial, com as Filipinas superando a China como principal mercado.
Também produtores americanos de algodão
acusam a expansão brasileira na Ásia de corroer a fatia dos EUA no maior
mercado mundial de produção têxtil. Desde 2010, a produção de algodão no Brasil
mais que triplicou, e o país tornou-se o maior exportador global. Para
produtores americanos, o avanço brasileiro se apoia numa política agressiva de
preços baixos - e pedem apoio de Washington para conter a perda de espaço.
Quase ao mesmo tempo em que Trump e Xi
Jinping selavam trégua na guerra comercial, em reunião na Coreia do Sul, a
milhares de quilômetros dali acontecia o “'Brazil Commodities Forum”, em
Genebra, cidade que é hub global do comércio de commodities.
Entre traders, representantes do setor
financeiro e de energia, a avaliação foi de que a fase das tarifas e do
“America First” em Washington criou uma oportunidade para o Brasil, já que
países dependentes de soja e milho correram para comprar do fornecedor
brasileiro. Mas que agora o movimento começa a se inverter: nas últimas
semanas, operadores de Japão, Reino Unido e Sudeste Asiático anunciaram compras
adicionais dos EUA - não por razões puramente comerciais, mas para aliviar as
pressões de Washington.
A visão de participantes é de que, para o
Brasil, as perspectivas deixam de ser apenas positivas (upside). A demanda
chinesa estabilizou, os preços das terras agrícolas dispararam em 2021-22 e
permanecem altos, e os EUA continuarão sua política de “reequilíbrio” do
comércio.
Para participantes do fórum, o momento serve
como lembrete de como a demanda politicamente direcionada pode corroer a
participação de mercado, mesmo quando os produtores brasileiros são mais
eficientes. Brasília não tem como influenciar a agenda de Washington - mas o
país pode se tornar mais difícil de ser substituído sendo mais barato e mais
ecológico. A desvantagem interna, porém, é o custo do capital: com taxas
básicas de juros em torno de 15%, as decisões de financiamento ficam mais
onerosas.
A advogada brasileira Heloisa Slav,
especialista em commodities e organizadora do evento em Genebra, nota que a
competitividade do Brasil já não se resume a “temos terra e sol”. E que a
próxima etapa de crescimento dependerá de três pilares convergentes: manter o
status de origem de menor custo e maior escala, comprovar sustentabilidade em
mercados que elevam constantemente seus padrões e preservar o acesso simultâneo
à demanda dos EUA e da China, mesmo em meio às persistentes turbulências na
cena global.
Além disso, é preciso sempre levar em conta
novos requisitos na Europa e nos Estados Unidos - como produção livre de
desmatamento, rastreabilidade e baixo carbono - que tornam a sustentabilidade
um fator decisivo de acesso aos mercados. O Brasil é exportador muito exposto a
essas novas regras, mas não entra nesse debate de mãos vazias: uma origem brasileira
comprovadamente sustentável tende a ser preferida a uma origem apenas barata.
O Brasil é uma espécie de China do agronegócio, mas há riscos à frente, com o comércio cada vez mais politizado e custo financeiro interno elevado, por exemplo. Como nota Heloisa Slav, gerir esse cenário será decisivo para o Brasil saltar de “grande exportador” a “fornecedor preferencial” no novo tabuleiro global.

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