quinta-feira, 6 de novembro de 2025

Desafio maior para o agro brasileiro na Ásia, por Assis Moreira

Valor Econômico

Brasília não tem como influenciar a agenda de Washington, mas o Brasil pode se tornar mais difícil de ser substituído mantendo-se como um fornecedor mais barato e mais ecológico

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva retornou de recente viagem à Indonésia, Malásia e participação na cúpula da Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean) apontando potencial de mais negócios do agro brasileiro nessa que é a região mais dinâmica da economia mundial. Isso pode acontecer, mas em menor escala do que esperado. O presidente americano, Donald Trump, esteve ao mesmo tempo na região e, usando o arsenal das tarifas, arrancou concessões imediatas de países asiáticos para comparem mais produtos americanos.

O comércio hoje não se decide apenas por fatores como custo e frete, e mais e mais por motivações políticas. Isso é ilustrado também na trégua acertada entre Trump e o presidente chinês, Xi Jinping.

Após meses de compras paralisadas, a China aceitou compromissos de importação de 12 milhões de toneladas de soja dos Estados Unidos até o fim deste ano, e de pelo menos 25 milhões de toneladas anuais até 2028. Historicamente, a China comprou entre 25 milhões e 30 milhões de toneladas de soja americana por ano nos últimos anos. Os americanos veem agora uma “base sólida” para o retorno a esses volumes.

Isso significa que, no curto prazo, a China vai reduzir as compras de soja brasileira nos próximos meses e priorizar a americana, ao menos até a entrada da safra do Brasil no mercado, em fevereiro do ano que vem. O avanço da soja brasileira, inclusive do farelo, em outros mercados asiáticos também pode sofrer algum freio.

Os Estados Unidos miram outros produtos. A U.S. Meat, representante do setor de carnes, reclama em comentários enviados ao USTR (agência de representação comercial americana), no âmbito da investigação sobre práticas comerciais brasileiras, que o Brasil, além de maior exportador mundial de carne bovina, deve ultrapassar os EUA também como maior produtor global neste ano. As exportações de carne bovina do Brasil já representam 32% da produção nacional, e as de carne suína, 35%. Constata que o Brasil exporta fortemente para a China e vem ampliando rapidamente suas vendas a outros destinos - inclusive aos próprios Estados Unidos (antes do tarifaço), ao México e, mais recentemente, ao Canadá. No caso da carne suína, o país é o quarto maior exportador mundial, com as Filipinas superando a China como principal mercado.

Também produtores americanos de algodão acusam a expansão brasileira na Ásia de corroer a fatia dos EUA no maior mercado mundial de produção têxtil. Desde 2010, a produção de algodão no Brasil mais que triplicou, e o país tornou-se o maior exportador global. Para produtores americanos, o avanço brasileiro se apoia numa política agressiva de preços baixos - e pedem apoio de Washington para conter a perda de espaço.

Quase ao mesmo tempo em que Trump e Xi Jinping selavam trégua na guerra comercial, em reunião na Coreia do Sul, a milhares de quilômetros dali acontecia o “'Brazil Commodities Forum”, em Genebra, cidade que é hub global do comércio de commodities.

Entre traders, representantes do setor financeiro e de energia, a avaliação foi de que a fase das tarifas e do “America First” em Washington criou uma oportunidade para o Brasil, já que países dependentes de soja e milho correram para comprar do fornecedor brasileiro. Mas que agora o movimento começa a se inverter: nas últimas semanas, operadores de Japão, Reino Unido e Sudeste Asiático anunciaram compras adicionais dos EUA - não por razões puramente comerciais, mas para aliviar as pressões de Washington.

A visão de participantes é de que, para o Brasil, as perspectivas deixam de ser apenas positivas (upside). A demanda chinesa estabilizou, os preços das terras agrícolas dispararam em 2021-22 e permanecem altos, e os EUA continuarão sua política de “reequilíbrio” do comércio.

Para participantes do fórum, o momento serve como lembrete de como a demanda politicamente direcionada pode corroer a participação de mercado, mesmo quando os produtores brasileiros são mais eficientes. Brasília não tem como influenciar a agenda de Washington - mas o país pode se tornar mais difícil de ser substituído sendo mais barato e mais ecológico. A desvantagem interna, porém, é o custo do capital: com taxas básicas de juros em torno de 15%, as decisões de financiamento ficam mais onerosas.

A advogada brasileira Heloisa Slav, especialista em commodities e organizadora do evento em Genebra, nota que a competitividade do Brasil já não se resume a “temos terra e sol”. E que a próxima etapa de crescimento dependerá de três pilares convergentes: manter o status de origem de menor custo e maior escala, comprovar sustentabilidade em mercados que elevam constantemente seus padrões e preservar o acesso simultâneo à demanda dos EUA e da China, mesmo em meio às persistentes turbulências na cena global.

Além disso, é preciso sempre levar em conta novos requisitos na Europa e nos Estados Unidos - como produção livre de desmatamento, rastreabilidade e baixo carbono - que tornam a sustentabilidade um fator decisivo de acesso aos mercados. O Brasil é exportador muito exposto a essas novas regras, mas não entra nesse debate de mãos vazias: uma origem brasileira comprovadamente sustentável tende a ser preferida a uma origem apenas barata.

O Brasil é uma espécie de China do agronegócio, mas há riscos à frente, com o comércio cada vez mais politizado e custo financeiro interno elevado, por exemplo. Como nota Heloisa Slav, gerir esse cenário será decisivo para o Brasil saltar de “grande exportador” a “fornecedor preferencial” no novo tabuleiro global.

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