O Estado de S. Paulo
Tanto os negociadores de Belém como os de Brasília estão diante de fatos complexos, situações que foram longe demais para serem resolvidas numa mesa de debate
Belém–Brasília. Dois grandes desafios na mesa
de negociação. Na última, o problema da segurança pública no Brasil. Em Belém,
as consequências das mudanças climáticas. O caso brasileiro tinha tudo para ser
mais fácil. Não são mais de cem países em cena. É apenas o Brasil num momento
especial: a proximidade das eleições.
Em Belém, a conjuntura também é negativa para amplos acordos. Alguns países, como os europeus, estão às voltas com custos militares. Quase todos os outros são pressionados internamente com problemas diversos, além da questão ambiental. Interessante que, em Belém, o que fragmenta, quase sempre, é o interesse nacional. A Arábia Saudita, por exemplo, aceita a ideia de superar os combustíveis fósseis, mas recusa qualquer tipo de compromisso como, por exemplo, data para encerrar o uso ou mesmo questionamento sobre os subsídios.
Por outro lado, em Brasília, o interesse
nacional, que deveria conciliar as partes, ainda é um fantasma. Não existe uma
certeza de que todos querem realmente combater o crime organizado. Na
propaganda, acusam uns aos outros exatamente de proteção àquilo que deveriam
atacar. Quando há um impasse nas negociações de Belém, a experiência
diplomática coloca de lado os temas conflitivos, para poder avançar com os
outros e cumprir seus prazos.
Em Brasília, isso não aconteceu. As
divergências são repisadas. O projeto das facções teve cinco redações
diferentes e ainda assim alguns temas surgiram de imprevisto. Um deles é a
equiparação do tráfico ao terrorismo. Não há consenso e ficou bastante
evidente, desde o princípio, de que não seria aceito com facilidade. É um tema
geopolítico que envolve a posição norteamericana sobre tráfico de drogas e já
conquistou o apoio do Paraguai e da Argentina. No entanto, é muito discutível
no Brasil. Por isso, foi derrotado.
Muitos temem que essa classificação favoreça
uma intervenção americana. O que é duvidoso, porque Trump está na porta da
Venezuela e ameaça a Colômbia, sem que esses países aceitem a classificação.
A melhor saída para um impasse dessa dimensão
talvez possa ser encontrada na experiência diplomática de Belém. Como são
muitos países com opiniões divergentes sempre se encontra um tipo de construção
verbal que chamamos de ambiguidade construtiva. Não diz muita coisa
diretamente, mas ajuda no avanço da negociação.
O interessante é que tanto Belém quanto
Brasília, em termos de debates, trabalham com um grande atraso em relação à
realidade. As mudanças climáticas já estão aí. O marco do Acordo de Paris, em
termos de elevação da temperatura, já foi alcançado: 1,5ºC, ameaçando a
existência de algumas ilhas-Estados no planeta.
Diante desse quadro, há espaço para o debate
da adaptação porque as mudanças climáticas já são uma realidade. Daí pode
surgir um conjunto de normas práticas essenciais para a sobrevivência.
No caso do crime organizado, discutido em
Brasília, ele também é uma realidade. Está presente no Rio de Janeiro e em São
Paulo, no Nordeste, transita por grandes espaços na Amazônia, controla as
principais penitenciárias do País.
Apesar disso tudo, não há uma discussão clara
em Brasília para enfrentar, na prática, essa realidade. Discute-se apenas a lei
e há em certos casos algumas propostas redundantes, indicando que a própria
discussão da lei pode atrapalhar o combate ao crime. Tanto os negociadores de
Belém quanto os de Brasília estão diante de fatos complexos, situações que
foram longe demais para serem resolvidas numa mesa de debates.
Acordaremos na segunda-feira com os processos
concluídos. Tanto as mudanças climáticas quanto o crime organizado estarão
presentes no nosso cotidiano e a pergunta será sempre essa: apesar da
importância das negociações, do fato de tantos países sentarem à mesa, a
demanda por ações práticas continua de pé. O próprio governo brasileiro
percebeu isso ao afirmar que essa seria a COP da implementação das medidas
urgentes.
Da mesma forma, a demanda das populações
dominadas pelo crime organizado continua sendo a de liberdade, com a presença
de serviços do Estado no lugar de grupos criminosos.
Daí a tarefa fundamental quando os delegados
se forem, os políticos deixarem o tema da segurança pública, será determinar,
de fato, o que mudou. Até que ponto nos perdemos nas discussões, nas idas e
vindas, nas filigranas, e não conseguimos realmente encarar de frente essa
problemática planetária e nacional que nos tomou toda a semana.
Tanto a realidade do clima, sobretudo no
verão que se aproxima, quanto o avanço do crime organizado não dão tréguas.
Criamos um importante fundo para as florestas tropicais. Será necessário para
replantio, combate às queimadas, redução do desmatamento. Mas precisa ser usado
também para a segurança dos povos da floresta. No Vale do Javari, onde foram
assassinados um funcionário da Funai e um jornalista inglês, houve muito
movimento na época. Os moradores afirmam que os bandidos transnacionais
voltaram a dominar tudo. Belém e Brasília precisavam dialogar sobre esse ponto.
Na verdade, os povos da floresta foram em
Belém uma espécie de contraponto às discussões. Querem medidas concretas,
proteção diante de garimpeiros, madeireiros, incendiários e invasores. Se as
populações das grandes cidades fossem a Brasília, o mesmo tom estaria presente:
não discutam tanto, façam alguma coisa. •

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