quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

PC chinês muda de rumo e entrega todo o poder a Xi: Editorial | Valor Econômico

Desde 2012, quando foi elevado à máxima instância decisória do Partido Comunista da China, Xi Jinping dedicou-se a concentrar poder em suas mãos. Está prestes a dar seu último passo: eliminar os limites fixados pela Constituição de 1982, de dois mandatos, e se perpetuar no poder. Xi Jinping quebrou a regra instituída por Deng Xiaoping após os tumultos da Revolução Cultural de Mao Tsetung, que garantiu paz suficiente no estreito círculo de poder da ditadura para a surpreendente arrancada econômica de mais de duas décadas. A era da relativa estabilidade política na China começa a acabar agora.

O anúncio da mudança pretendida pela imprensa oficial chinesa foi emblemática. A quebra da tradição da direção colegiada apareceu sem destaque em meio a outros pontos que serão aprovados na reunião anual do Congresso Nacional do Povo, órgão pseudo-legislativo que apenas sanciona os desejos da direção do PC. Aos primeiros sinais de oposição, o governo usou sua "Grande Muralha" nas comunicações para impedir sua propagação. Ao Congresso caberá não só sagrar o poder definitivo de Xi como sancionar as metas econômicas para os próximos anos.

Algumas palavras voltaram a ganhar força nos órgãos de propaganda oficiais - lealdade é uma delas. Xi quer reforçar seu poder, identificando sua vontade absoluta com a do partido, como na URSS do velho Stalin. O trabalho interno de reconstrução do partido, ou "rejuvenescimento" como prefere o presidente, está em estado muito adiantado após os expurgos massivos e prisões resultantes da campanha anti-corrupção.

A corrupção é uma praga na China, mas também é pretexto político para que fossem desalojados rivais à esquerda e à direita. Às ramificações de poder de gangues partidárias, que se tornaram obstáculo à consolidação do poder, Xi levou a demissões e processos em dezenas de empresas estatais, órgãos do Estado e cadeias de comando do aparato partidário.

Quase tão importante quanto a eliminação política de adversários, e sua campanha anticorrupção - que lhe deu popularidade - foi a disseminação por Xi de grupos centrais, como o de Assuntos Econômicos e Finanças. Criados ad hoc, longe da burocracia estatal e subordinados ao secretário-geral, eles concentram em Xi as principais decisões de toda a administração. Xi já chefiava também a Comissão Central Militar do PC, assegurando-se uma gama de poder repressivo que só encontra paralelo no governo do "Grande Timoneiro" Mao.

A ascensão de Xi levanta anseios de que com poderes totais ele eliminará as resistências às reformas e à abertura econômica, encasteladas nas empresas estatais e em várias lideranças regionais do partido e da administração. Entretanto, o legado de Xi nessa área até agora não é positivo. Ele tomou as rédeas da economia de Li Keqiang, o premiê, e não pretende mudar o papel central do Estado e suas empresas na direção da economia.

As medidas para conter o excesso de capacidade em vários setores, o baixo consumo e o alto nível de endividamento ficaram a meio caminho. Embora a meta de crescimento não seja tão importante quanto antes, ao primeiro sinal de baixa o governo deixou de apertar o crédito, irrigou bancos com dinheiro e aliviou a dívida de estatais e governos regionais. O resultado é que a bolha imobiliária persiste e o endividamento aumentou ainda mais.

Xi lidera a mudança de rota da economia em direção ao consumo e ao mercado interno. Elaborou novos objetivos para o "Sonho chinês", como batizado na propaganda, como o da Rota da Seda, projeto multibilionário de infraestrutura na Ásia e África, de revolução tecnológica e de reerguimento militar para fazer da China uma potência bélica de primeira ordem. Quer tornar-se um líder mundial à altura da nova fase, quando os EUA encolhem no cenário global.

Mas ao abdicar da liderança coletiva e indicar que só ele, Xi, é capaz de realizar as grandes tarefas do futuro, abre espaço para novos obstáculos no partido e na sociedade. A preferência pela lealdade em detrimento da competência é uma receita certa para o desastre. Até hoje a esperança de que abertura econômica pode se dar em meio ao endurecimento político revelou-se apenas uma grande ilusão. Com direção coletiva, a ditadura chinesa realizou grandes feitos. Sob as mãos de um ditador, houve grandes fracassos. O teste de Xi começa agora.

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