Ao assumir a presidência do STF na terça-feira, Joaquim Barbosa vai acumular
também a função de relator da Ação Penal 470. Prática não é inédita e tem
previsão no Regimento Interno da Casa
Helena Mader
O ministro Joaquim Barbosa, que assume a presidência do Supremo Tribunal
Federal (STF) na próxima terça-feira, não será o primeiro a comandar a Corte e
relatar um processo de grande repercussão ao mesmo tempo. Apesar das
preocupações de alguns advogados com o andamento da Ação Penal 470 por conta
das mudanças na gestão do STF, a concentração de poderes está de acordo com o
Regimento Interno do Supremo e não deve afetar a conclusão do processo.
Em 2009, Gilmar Mendes estava à frente da Corte quando ficou responsável pela
análise da denúncia da Procuradoria Geral da República contra Antônio Palocci.
Gilmar votou pelo arquivamento do inquérito, em que o ex-ministro da Fazenda
era suspeito de envolvimento com a quebra do sigilo bancário do caseiro
Francenildo Costa. A maioria dos magistrados acompanhou Gilmar Mendes e, dessa
forma, o STF entendeu que não havia indícios de que Palocci tivesse
participação na divulgação dos dados confidenciais do caseiro.
Advogado do deputado João Paulo Cunha (PT-SP), Alberto Toron acredita que a
posse de Joaquim Barbosa na presidência antes da conclusão da Ação Penal 470
não vai afetar o andamento do processo. “No caso do Francenildo, por exemplo,
funcionou muito bem. Espero que a concentração de poderes, que é absolutamente
legal, não prejudique o julgamento”, comentou Toron.
O ministro Ayres Britto, que presidia a Corte, se aposentou na última
sexta-feira. Conhecido por seu jeito sereno, ele apaziguou o plenário em várias
situações, principalmente por conta de bate-bocas entre o relator do mensalão,
Joaquim Barbosa, e o revisor, Ricardo Lewandowski. Os dois principais
magistrados responsáveis pela condução da Ação Penal 470 divergiram sobre o
fatiamento do processo, sobre a participação de alguns réus no esquema e até
sobre o cronograma do julgamento.
Rusgas
Na última quarta-feira, depois do julgamento do mensalão, Ayres Britto falou
sobre as rusgas entre os colegas e disse que as divergências não atrapalharão o
desfecho do caso depois de sua aposentadoria. “A temperatura sobe eventualmente
no plenário, mas nos bastidores, nos gabinetes, nos ambientes que frequentamos
juntos, como solenidades e restaurantes, todos nós nos reconciliamos. Inclusive
os dois”, disse Britto, em referência a Joaquim Barbosa e Lewandowski. “Todos
os ministros se falam, cumprimentam-se, porque são ministros que exercitam o
contraditório argumentativo, mas que separam o lado pessoal do lado
profissional. O presidente tem que manter a taxa de cordialidade alta para que o
processo flua”, aconselhou Ayres Britto.
Luiz Francisco Corrêa Barbosa, que é advogado do ex-deputado Roberto Jefferson,
lembra que Barbosa tem “estilo muito diferente dos outros ministros”, mas ele
acredita que os atritos e bate-bocas constantemente protagonizados no plenário
do Supremo não vão afetar a conclusão do julgamento. “Acho que, ao assumir a
presidência, ele mesmo vai se policiar. De qualquer forma, as fricções entre os
ministros não interferem no resultado”, acrescenta.
Expectativa na Corte
Apesar de os advogados acreditarem que não haverá alterações no andamento do
processo do mensalão, há expectativa sobre como será a postura do ministro
Joaquim Barbosa na presidência, uma vez que o magistrado é conhecido por,
muitas vezes, se exaltar ao defender um ponto de vista. “Já percebemos que o
ministro Joaquim Barbosa tem nervos à flor da pele. Ou ele se tempera ou ele
terá uma gestão muito ruim à frente do Supremo, que é o que a gente não deseja,
não só pelos réus da Ação Penal 470, mas por todos os jurisdicionados do
Brasil”, explicou o advogado do ex-presidente do PT José Genoino, Luiz Fernando
Pacheco. Ele acredita, entretanto, que Barbosa agirá de forma mais diplomática
à frente da Corte. “Creio que ele terá postura equilibrada e que contará com a
ajuda e admoestação dos próprios colegas se eventualmente vier a extrapolar os
limites a sua função.”
Já o ministro Marco Aurélio Mello demonstrou preocupação quanto ao estilo de
Joaquim Barbosa. “Deus queira que ele entenda que o presidente coordena, e não
enfia goela abaixo o quer que seja. Não estamos ali para o relator colocar a
matéria e sermos vaquinhas de presépio para dizer amém”, disse o ministro na
semana passada. Em uma viagem recente a Aracaju para participar de um encontro
da magistratura, Joaquim Barbosa garantiu que nada mudará no julgamento.
Prisões
Como durante o recesso judiciário o presidente fica responsável pelas decisões
urgentes do Supremo, a defesa de alguns réus chegou a temer que Joaquim Barbosa
deliberasse sozinho a respeito de um novo pedido de prisão. Advogado de Marcos
Valério, Marcelo Leonardo não acredita nessa possibilidade. “Agora mesmo nesta
fase, como relator, ele poderia tomar decisões monocráticas, como fez no caso
dos passaportes. Mas a tradição do tribunal e a jurisprudência do Supremo, que
é seguida pelo Judiciário, é no sentido de que a execução só começa depois do
trânsito em julgado”, explica Marcelo Leonardo.
O criminalista Nabor Bulhões cita outra possibilidade de conjuntura do tribunal
durante o mensalão. Ele lembra que o ministro Joaquim Barbosa poderia passar a
presidência para o ministro Ricardo Lewandowski, novo vice-presidente, ou para
o decano, Celso de Mello, enquanto estivesse relatando o processo em plenário.
“Isso pode acontecer, quando ele for relatar um embargo, por exemplo. Poderia
passar a presidência ao vice. O relator precisa de um presidente para tomar os
votos, para mediar”, explica o criminalista. Ele lembra que isso ocorre com
frequência no Superior Tribunal de Justiça (STJ), nos casos em que o presidente
acumula também a relatoria.
Fonte: Correio Braziliense
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