A condenação do ex-ministro José Dirceu a uma pena que implica regime de prisão
fechada desencadeou uma onda de protestos por parte dos seus seguidores que
está revelando os instintos mais perversos de um grupo político radicalizado,
que se vê de repente atingido por uma mancha moral de que dificilmente se
livrará na História.
Além do território da internet, onde tudo é permitido e muitos espaços pagos
para uma propaganda política ignóbil, lê-se na imprensa tradicional, que os
petistas tentam desqualificar, mas à qual recorrem para dar legitimidade às
suas teses, ora que é preciso rever a pena dada a Dirceu por corrupção ativa e
formação de quadrilha porque nesse último item houve uma suposta divisão do
plenário do STF, ora que os juízes do Supremo não têm estatura moral para
condenar um herói nacional, que colocou a vida em risco na luta pela
democracia.
Ou que a condenação de Dirceu, Genoino e Delúbio não significa que os
poderosos estão sendo alcançados pela Justiça, pois eles não seriam tão
poderosos assim. Fora a patética tentativa de transformar os membros do núcleo
político petista em meros mequetrefes, ou simples ladrões sem intenções
políticas de controlar o Congresso, é espantoso que tentem ainda agora, depois
de mais de três meses em que foram revelados os detalhes do golpe armado de
dentro do Palácio do Planalto, fazer de Dirceu um herói nacional, intocável por
seu passado político de resistência à ditadura.
Um conhecido intelectual orgânico petista teve o desplante de escrever que
enquanto Dirceu lutava contra a ditadura, os ministros do STF viviam suas vidas
burguesas à sombra do governo ditatorial, seguindo uma vidinha medíocre que
acabou levando-os ao Supremo. Outro, citando um artigo do historiador Keneth
Maxwell, comparando o julgamento do mensalão ao dos inconfidentes pela Alçada
criada por d. Maria, assumiu a absurda comparação como fato.
Maxwell escreveu que "os membros da Alçada estavam sujeitos a
influências externas - em um caso, inclusive, pelo pagamento de um grande
suborno em ouro. Ao final, Tiradentes foi sacrificado. E, se por acaso os
processos da Alçada começam a lhe parecer estranhamente semelhantes com o
mensalão, isso não deveria causar surpresa: de fato, são. Algumas coisas nunca
mudam".
No espírito de endeusamento que começa a se revelar entre os petistas, podem
querer comparar Dirceu a Tiradentes quando, como bem destacou o historiador
José Murilo de Carvalho em recente entrevista ao Estado de S. Paulo, "o
que está em julgamento no mensalão não é Tiradentes, mas dona Maria I, não são
os rebeldes, mas a tradição absolutista da impunidade dos poderosos".
Historiadores e intelectuais enviaram mensagens a Maxwell rebatendo a esdrúxula
tese.
Com relação à condenação de Dirceu por formação de quadrilha, de fato houve
quatro votos contrários - dos indefectíveis ministros Dias Toffolli e
Lewandowski e mais as ministras Cármem Lúcia e Rosa Weber -, o que permitirá
embargo infringente. Mas não houve uma divisão do plenário, e sim uma maioria
condenatória.
As tentativas de desmoralizar o Supremo Tribunal Federal, de maneira institucional
através de nota oficial do PT, ou de pronunciamentos de elementos isolados
ligados ao partido, são demonstrações de que um movimento político de tendência
totalitária, vendo-se denunciado em suas ações antidemocráticas, busca reverter
o quadro negativo demonizando seus condenadores e endeusando os condenados.
Mais uma vez colocam os interesses partidários acima dos da democracia, e a
reação causada pela condenação do "chefe da quadrilha" José Dirceu
reforça apenas que ele era mesmo quem detinha "o domínio do fato",
como parece dominar até este momento, sendo capaz de mobilizar seguidores para
tentativa de desqualificar o Poder Judiciário do país.
O ministro Joaquim Barbosa não inovou, nem deu demonstração de não seguir a
tradição, ao escolher o ministro Luiz Fux para saudá-lo em sua posse, em vez do
decano ministro Celso de Mello. Não há regra, nem força de tradição, que faça
relação direta entre o orador da posse do novo presidente ser o decano da
corte. É uma escolha livre e pessoal do presidente.
Fonte: O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário