Escolas de Direito discutem se as decisões do STF no julgamento representam exceção
ou levarão a um real endurecimento contra a corrupção
Isadora Peron
As consequências do julgamento do mensalão no ambiente jurídico brasileiro
ainda são uma interrogação para as principais faculdades de Direito do País. As
sessões do Supremo Tribunal Federal e as decisões dos ministros da Corte
viraram tema de discussão na academia, mas, entre professores e coordenadores
de cursos de renomadas instituições, somente o tempo dirá se as condenações
impostas pelo Supremo aos réus vão representar uma exceção ou um real
endurecimento na hora de julgar crimes ligados à corrupção.
Entre os docentes de Direito ouvidos pelo Estado, é consensual a opinião de
que ainda é cedo para fazer uma análise mais aprofundada sobre o legado da ação
penal do mensalão e os seus verdadeiros impactos na jurisprudência brasileira.
Segundo o professor Renato de Mello Jorge Silveira, diretor da Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo (USP), é preciso deixar o julgamento
terminar para debater temas que causaram divergências até mesmo entre os
próprios ministros da Corte. Dos assuntos que merecerão um olhar mais atento no
futuro, o professor destaca a aplicação da chamada teoria do domínio de fato e
os novos entendimentos em relação aos crimes de lavagem de dinheiro e formação
de quadrilha.
A interpretação dada pelo Supremo da teoria do domínio de fato foi, até
aqui, a que mais gerou discussões acaloradas dentro e fora do tribunal. No
entendimento da maioria dos ministros da Corte, é possível condenar uma pessoa
que não tenha executado diretamente um crime se houver indícios de que ela
tinha conhecimento do ocorrido.
O professor de direito público da Universidade de Brasília (UnB) Mamede Said
é um dos que discordam dessa interpretação. Para ele, não basta que haja
evidências de que a pessoa sabia do ilícito que estava sendo praticado. É
necessário que o envolvimento no caso seja provado.
"A questão agora é se o Supremo vai ter a mesma consistência para
julgar casos semelhantes no futuro. Essa será a prova dos nove. Só com o tempo
nós vamos ver se esse foi um julgamento muito duro por uma razão circunstancial
ou se a Corte está indicando que a tolerância com os crimes de corrupção vai
ser muito baixa daqui para a frente", diz Oscar Vilhena, professor de Direito
Constitucional e diretor da Direito GV.
Na semana que passou, o PT divulgou uma nota na qual acusou o STF de ter
feito um julgamento "político" e de ter desrespeitado garantias
constitucionais e imputado "penas desproporcionais" a José Dirceu,
José Genoino e Delúbio Soares.
Os critérios adotados para a fixação das penas no processo têm gerado
reações entre os membros da Corte. Na sessão da última quarta-feira, o ministro
do Supremo José Antonio Dias Toffoli comparou as penas impostas aos réus às
punições aplicadas no período da Inquisição.
Na sessão do dia 7, Marco Aurélio Mello, durante um bate-boca com o relator
Joaquim Barbosa, afirmou que o mundo acadêmico estava estarrecido com os mais
de 40 anos de prisão dados ao empresário Marcos Valério.
A dosimetria das penas é um outro ponto que os professores destacam que
precisará ser revisitado no futuro. Para Said, a postura do STF de dar aos réus
penas mais próximas ao limite máximo para que não haja prescrição do crime é
uma atitude questionável. "Tem que aplicar a pena com base no grau de
culpabilidade da pessoa, e não ficar fazendo simulações para tomar uma
decisão."
Fonte: O Estado de S. Paulo
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