Num Congresso em que quase todos temem levar
"mandiocadas" do Supremo e do procurador, temos o presidente da
Câmara sustentando que é da Casa, e não do STF, a prerrogativa constitucional
de cassar mandatos de deputados, e o senador Collor duelando com o procurador-geral
Depois da popularidade alcançada com o julgamento do mensalão, o STF não pode
parar. Ainda mais com o justiceiro Joaquim Barbosa na presidência. Questões
para todos os públicos e gostos aguardam decisões. A Corte prometeu examinar,
logo depois da Ação Penal 470, o mandado de segurança impetrado pelo
procurador-geral, Roberto Gurgel, contra a representação do senador Fernando
Collor de Mello ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), acusando-o
de prevaricação, improbidade administrativa e crime de responsabilidade. Num
Congresso em que quase todos temem levar “mandiocadas” do Supremo e do
procurador, temos o presidente da Câmara sustentando que é da Casa, e não do
STF, a prerrogativa constitucional de cassar mandatos de deputados, e o senador
Collor duelando com o procurador por meio de seis ações judiciais. Tratamos, na
coluna passada, da briga dos mandatos. Empossado, Barbosa pretende aprovar a
cassação dos condenados pelo STF e o embargo da posse de José Genoino como
deputado suplente, até que sua condenação complete o trânsito em julgado.
Vejamos como anda o duelo Collor x Gurgel.
Na instalação da CPI do Cachoeira, Collor descobriu que, dois anos antes da
Operação Monte Carlo, que levou à prisão do bicheiro, o procurador-geral havia
recebido o inquérito da Operação Vegas, já apontando a ação da quadrilha e o
envolvimento do ex-senador Demóstenes Torres e de dois deputados. Por haver no
processo essas três autoridades com direito ao foro especial, tal como no caso
do mensalão, a denúncia teria que ser feita ao STF. E quem tem a prerrogativa
exclusiva para isso é o procurador. Mas ele não apresentou a denúncia nem pediu
o arquivamento, por falta de provas, no que toca aos parlamentares, devolvendo
o inquérito à origem para tramitação em foro comum. À CPI, Gurgel justificou
sua calma: não encontrou na Operação Vegas “fato penalmente relevante” para uma
denúncia ao STF. Não pediu o arquivamento ao Supremo, relativamente aos
parlamentares, porque a tramitação poderia revelar a existência das
investigações. Algum ministro vazaria a informação? Optou por “sobrestar o
inquérito no intuito de possibilitar a retomada das interceptações telefônicas
e da investigação”. Isso aconteceu, mas não a pedido do procurador, sustenta
Collor. Um ano depois, por outras razões, a Polícia Federal realizou a Operação
Monte Carlo e prendeu Cachoeira.
Não convencido e achando tudo muito grave, em junho Collor entrou com a
representação, amplamente noticiada, no CNMP, que, como se sabe, é o órgão
fiscalizador do Ministério Público, ao passo que o CNJ fiscaliza o Poder
Judiciário. “Estranhamente, diante desses indícios, o representado permaneceu
inerte, o que permitiu a continuidade da atuação da organização criminosa,
livre de qualquer óbice”, disse, na representação em que acusa o procurador de
ter prevaricado e cometido crime de responsabilidade.
Gurgel recorreu ao STF alegando que, assim como os ministros daquela Corte não
estão subordinados à fiscalização do CNJ (presidido, inclusive, pelo próprio
presidente do STF), o procurador-geral não se sujeita à fiscalização e ao
controle do CNMP. A ministra Rosa Weber concedeu uma liminar, sustando a
apreciação da ação. O mérito será julgado, prometeu o tribunal, logo depois da
ação do mensalão. O próprio Collor contesta a equiparação: o Judiciário é um
poder de Estado, o Ministério Público, não. Por fim, entrou em cena a
Advocacia-Geral da União com um agravo regimental, sustentando que o CNMP tem,
sim, poder fiscalizatório sobre todo o Ministério Público Federal, incluindo
seu chefe. Esse agravo, que busca derrubar a liminar de Rosa Weber, é que será
primeiramente julgado.
A representação de Collor estende-se à subprocuradora Claudia Marques, mulher
do procurador e única encarregada das matérias penais que envolvem autoridades
com foro privilegiado: presidente, ministros, governadores, parlamentares. Por
que “tamanha concentração de informações sigilosas, vinculadas às mais altas
autoridades da República?”, pergunta o senador. Não só ele faz esta pergunta em
Brasília. Mas os outros temem as “mandiocadas”.
Araguaia, esta ferida. A psinacalista Maria Rita Kehl lidera comitiva da Comissão da Verdade que está
no Araguaia recolhendo informações sobre a repressão à guerrilha do PCdoB
(1969-1974) e a violências contra posseiros durante e após o conflito. Muita
luz jorrou sobre esse episódio a partir do livro Mata! — o major Curió e as
guerrilhas no Araguaia, do repórter Leonencio Nossa (Companhia das Letras). O
esforço de 10 anos de pesquisa e apuração produziu informações que
ultrapassaram o já sabido sobre o conflito. E que era pouco. Os guerrilheiros
foram exterminados, Curió e os vencedores sufocaram toda a memória e o PCdoB
ficou na exaltação dos mártires. O autor oferece perfis humanos de Curió, dos
guerrilheiros e dos moradores da região. Reconstitui as ações da guerrilha e
dos militares até o completo e silencioso extermínio, com a matança e a
decapitação de guerrilheiros presos ou rendidos. Faz uma pertinente remissão
comparativa entre o Araguaia e Canudos, conflitos em que a truculência, a
covardia e a barbárie ficaram como nódoas na história do Exército brasileiro.
Leitura obrigatória no Brasil democrático, de grande utilidade para a Comissão
da Verdade.
Fonte: Correio Braziliense
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