Países ricos querem que
governo cumpra convenção e aprove lei rígida sobre o tema
No Congresso, é forte o
lobby contra o endurecimento da legislação; empreiteiras temem o efeito do
julgamento no Supremo
O Brasil sofre pressão
para aprovar lei que prevê até a extinção de empresas adeptas do suborno para
ganhar contratos públicos, revelam Vinícius Sassine e Roberto Maltchik. O
governo assumiu o compromisso em 2000, ao assinar uma convenção da OCDE,
entidade que reúne 34 países, a maioria ricos. A OCDE ameaça recomendar às
empresas de seus países que não negociem com as brasileiras. Deputados dizem
que o lobby das empreiteiras contra o projeto aumentou com o julgamento do
mensalão e a nova interpretação para condenar corruptos.
Lei anticorrupção
em xeque
Brasil sofre cobrança para punir empresas corruptas; projeto se arrasta no
Congresso
Vinicius Sassine, Roberto Maltchik
BRASÍLIA e RIO - O Brasil se tornou alvo de pressão internacional porque
protela a aprovação de uma lei anticorrupção que puna até mesmo com a extinção
empresas que pagam suborno para fechar negócios dentro e fora do país. O
governo levou a proposta ao Congresso em 2010, mas a tramitação se arrasta em
uma Comissão Especial da Câmara desde setembro do ano passado. Deputados da
comissão, ouvidos pelo GLOBO na última semana, afirmam que o atraso é provocado
pelo lobby de empresas de engenharia e de construção civil, contrárias ao texto
do Executivo.
Por trás do embate está a responsabilização administrativa e judicial das empresas
- e não só seus representantes flagrados em atividades ilícitas. Se já
estivesse em vigor, a lei poderia, em tese, sepultar a Delta Construções,
empreiteira cujos ex-diretores foram presos sob acusação de negociar
ilicitamente contratos públicos, até mesmo sob o comando do bicheiro Carlinhos
Cachoeira. Entre as penalidades previstas na lei em debate está multa de até
20% do faturamento bruto do último exercício anterior à instauração do processo
administrativo. Em 2011, só em contratos com o governo federal, a Delta faturou
R$ 862 milhões.
Os parlamentares da comissão, sob a condição do anonimato, revelam que, além
do caso Delta, o desfecho do julgamento do mensalão, com identificação da
cadeia de comando do esquema, pôs diretores e representantes de empreiteiras em
alerta. O movimento contrário ao texto do relator, deputado Carlos Zarattini
(PT-SP), defende o substitutivo apresentado pelo deputado Eduardo Cunha
(PMDB-RJ), que, na avaliação do governo, desfigura o projeto e retira a
responsabilização objetiva das empresas na esfera judicial.
- É preciso definir melhor o limite da responsabilidade. A empresa não pode
ser responsabilizada, por exemplo, por um ato individual de um office-boy que
não tenha tido o conhecimento da direção - sustenta Cunha.
Planalto já identificou lobby
O articulado lobby na comissão especial vem dando certo até agora. Não há
qualquer acordo para a votação do projeto. Cunha é o interlocutor procurado
pelo governo para negociar concessões à proposta.
O Brasil se comprometeu em aprovar a lei contra a corrupção ao se tornar
signatário da Convenção da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE) contra o Suborno Transnacional, no ano 2000. A OCDE é um órgão
de desenvolvimento formado por 34 países, a maioria ricos da Europa e da
América do Norte.
Em 8 de outubro, durante reunião em Paris, o presidente do grupo de trabalho
da convenção, Mark Pieth, afirmou que o Brasil corre sério risco por não
cumprir integralmente os compromissos da convenção. E alertou que a OCDE
poderia recomendar às empresas de países-membros que não façam negócios com
empresas daqui. Além do Brasil, considerado parceiro-chave da OCDE, a Argentina
é o único país signatário que não tem uma lei para punir empresas corruptas.
- A aprovação desse projeto dará ao poder público um instrumento muito mais
eficaz para se defender das empresas fraudadoras e desonestas, alcançando-as
naquilo que lhes é mais sensível, o patrimônio. A lei vai retirar o Brasil da
desconfortável situação de devedor inadimplente de uma obrigação solenemente
assumida quando ratificou a Convenção da OCDE contra o Suborno Transnacional -
diz o ministro-chefe da Controladoria Geral da União (CGU), Jorge Hage.
A lei anticorrupção foi elaborada pela CGU, em parceria com a Advocacia Geral
da União (AGU) e com a Casa Civil da Presidência. Levantamento do Escritório
das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) mostra que US$ 6 bilhões (R$ 12
bilhões) foram recuperados em países com leis de combate ao suborno
transnacional. O Brasil, por não ter uma lei própria, ficou fora do
levantamento.
A movimentação das empreiteiras para barrar a proposta já foi detectada pela
Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República. Um dos
deputados integrantes da comissão contou ao GLOBO ter recebido a ligação de um
empresário preocupado com as novas interpretações do STF sobre o crime de
corrupção. A ligação foi para pedir o veto ao projeto anticorrupção. Os
primeiros telefonemas, no entanto, começaram após a crise da Delta.
Presidentes de associações de empresas de engenharia e de construção civil
procuraram outro deputado em seu gabinete na Câmara. Também pediram que não
apoiasse o projeto.
A lei brasileira, hoje, permite a punição apenas de gestores acusados de
pagamento de propina em território nacional. A punição máxima possível é o que
a CGU fez, por exemplo, com a Delta: a declaração de inidoneidade e a
consequente impossibilidade de firmar novos contratos com a União. Nas contas
do governo, se o texto do relator Zarattini for aprovado na comissão, em
caráter terminativo, a oposição silenciosa ao projeto deve reunir 52
assinaturas para levar o texto ao plenário, onde o Planalto teme ser derrotado.
Fonte: O Globo
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